No final de 2021 e início de 2022 o Grupo de Incentivo à Vida (GIV) de São Paulo recebeu diversas reclamações de pessoas vivendo com HIV/aids que estavam tendo dificuldade para efetuar o saque do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, conforme o artigo 20 da Lei 8.036/90, que autoriza a operação quando o  trabalhador  ou  qualquer  de  seus  dependentes  for  portador do  vírus.

Segundo Cláudio Pereira, presidente do GIV, a dificuldade está sendo causada porque a Caixa alterou a documentação exigida, adotando na solicitação de saque, o formulário “Relatório Médico de Doenças Graves para Solicitação de Saque do FGTS” que substitui o atestado médico emitido pelo médico assistente.

“Esse relatório exige que o médico informe o número do CPF e muitos deles não querem porque o documento circula por várias mãos e eles têm receio que as pessoas lancem como se tivesse pagado tratamento para eles. Outra questão é o sigilo. O requerente precisa assinar esse relatório e quando ele assina, isso infringe a lei do sigilo, implementada no início de 2022”, explica Cláudio.

A Lei 14.289/22 proíbe a divulgação por agentes públicos ou privados de informações que permitam a identificação dessas pessoas. Já o sigilo profissional somente poderá ser quebrado em casos determinados por lei, por justa causa ou por autorização expressa da pessoa com o vírus.

O ativista Renato da Matta, que hoje atua na Secretaria Municipal do Rio de Janeiro como consultor sobre HIV/aids, também recebeu várias queixas de PVHA. Ele questiona também a exposição do CPF do médico, uma vez que o CRM informado já identifica o profissional. “Outra dificuldade é a identificação da unidade de saúde, nome, CNPJ…Se você se trata no SUS, vai ser um CNPJ único?”, questiona.

Depois das denúncias, Renato resolveu passar pela experiência para entender melhor o problema e tentou iniciar o processo de saque do FGTS. “Tenho o aplicativo da Caixa e tentei quatro vezes. A cada hora, havia um empecilho diferente: fotografia sem visibilidade, o laudo médico não podia estar em formato pdf, sendo que existe a opção para enviar nesse formato, entre outras coisas.”

Renato, então, foi a uma agência da CEF e conseguiu. É o que ele aconselha a quem for iniciar o processo de saque: evitar o aplicativo e ir diretamente à agência.

O GIV encaminhou uma denúncia para a Defensoria Pública da União, para o presidente da Caixa e também para diversas áreas da instituição, informando que há quase 30 anos as pessoas com HIV têm direito a sacar o FGTS e, até então, nunca tiveram problema.

Resposta da Caixa

A Caixa Econômica federal encaminhou resposta ao GIV em que explica que “adotou na solicitação de saque, o formulário ‘Relatório Médico de Doenças Graves para Solicitação de Saque do FGTS’ […] , com fulcro de minimizar erros de grafia, ausência de elementos/dados necessários à análise pericial a ser feita pela Perícia Médica Federal, evitar necessidade de complementação de informação pelo trabalhador/paciente e assim trazer praticidade/eficiência ao atendimento das solicitações de saque FGTS do trabalhador.”

O documento ainda ressalta que “no tocante ao atendimento do disposto na Lei nº 14.289, registramos que referido formulário não é destinado a divulgação de qualquer informação nele registrado, muito pelo contrário, sua emissão é para fins restritos, sendo que seu preenchimento pelo médico assistente do paciente quer seja ele “agente público ou privado”, somente é devido mediante solicitação/autorização expressa da pessoa acometida ou, quando se tratar de criança, de seu responsável legal, sendo sua finalidade devidamente registrado no corpo do referido documento em seu item ‘6 informação sobre finalidade’, sendo que o mesmo contém campo destinado à assinatura ou impressão digital do sacador/paciente ou do representante legal do paciente.”

Após respaldar as alterações em bases legais, a CEF argumenta que “o CPF do médico torna-se dado de extrema importância para o processo pagamento do Saque doença do FGTS, já que são realizados diversos batimentos internos que contribuem para a segurança do processo possibilitando a identificação e inibição de eventuais fraudes.

Adicionalmente, uma das formas aceitas pela legislação para a validação da assinatura é a utilização da assinatura digital, aquela realizada por meio de certificado digital no padrão ICP-Brasil, que garante a autenticidade de uma assinatura. Tal assinatura é amplamente utilizada em receituários e atestados emitidos por médicos de forma digital. 

A assinatura digital tem validade jurídica e é amparada pela MP 2.200-2/2001 que, entre outras, diz respeito à garantia da autenticidade, da integridade e da validade jurídica de documentos em forma eletrônica, e em sua fase final de autenticação divulga o nome, o CPF e e-mail do assinante.”

Em conclusão, a instituição informa que o entendimento é que “atua em conformidade com a legislação e que os procedimentos definidos para o saque FGTS estão de acordo com as competências legais definidas ao agente operador do FGTS.”

Caso será conduzido pelo MPF/ES

Em resposta à solicitação de procedimento, o Procurador Regional dos Direitos do Cidadão Adjunto, respondeu que “da análise do formulário contestado verifica-se que o documento foi instituído pela CEF em observância à legislação, às normas infralegais e ao que restou decidido na ação civil pública n. 0028244-17.2016.4.02.5001/ES,” ou seja, foi aberta uma ação civil no Espírito Santo, reivindicando o direito de pessoas com outras patologias, tais como hanseníase, hepatites virais e tuberculose, a efetuar o saque do FGTS. Ele ainda informa que “a CEF editou recentemente o ‘FGTS Manual de Orientação – Movimentação da Conta Vinculada’, no qual consta expressamente que, na regulamentação utilizada, foi considerada a decisão proferida no bojo da mencionada ação civil pública, em trâmite na 5a Vara Federal Cível de Vitória.”

Por haver  “intrínseca relação com a ação proposta pelo MPF/ES”, visando à atuação mais racional e eficiente do Ministério Público Federal, bem como à efetividade da tutela jurisdicional adequada para o caso concreto, mostra-se razoável a condução do caso pela Procuradoria da República no Espírito Santo – PR/ES”, conclui o documento.

 

Redação Agência de Notícias da Aids

 

Dica de Entrevista:

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