Apesar de já reverter tendência em ao menos oito imunizantes do calendário infantil, o Brasil atingiu a menor taxa de cobertura vacinal em 20 anos e ainda segue com os números baixos. A informação sobre o recorde na série histórica é de levantamento feito pelo Observatório da Atenção Primária à Saúde, órgão vinculado à Associação Umane. Em resposta à preocupante queda da adesão na cobertura vacinal no país, especialmente entre o público adulto, a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) se mobilizou e lançou durante coletiva de imprensa, nesta segunda-feira (22), em São Paulo, a campanha “Tá Vacinado?”. Esta é uma campanha nacional que tem como objetivo, especialmente diante dos desafios apresentados pela pandemia de covid-19 e atual crescimento no número de casos e óbitos de dengue, combater a desinformação relacionada às vacinas e promover uma maior conscientização sobre a importância da vacinação.

O presidente da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia), Dr. Alberto Chebabo, destacou que a vacinação é fundamental para frear a disseminação de doenças diversas e reforçou o controle rigoroso de eficácia e segurança dos imunizantes disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS). “As vacinas salvam vidas, previnem doenças graves, doenças que matam, que deixam sequelas […] vacina é para todo mundo, e [algumas] realizadas independentemente da faixa-etária. Temos vacina para crianças, adolescentes, gestantes, adultos, para os mais velhos… Este é mais do que um compromisso, é uma missão nossa, infectologistas, afinal, a gente trabalha justamente para evitar que as doenças infecciosas matem ou levem à internação. O profissional infectologista não só trata a doença infecciosa, um dos nossos grandes objetivos é justamente prevenir que estas doenças aconteçam.”

Chebabo também enfatizou que, anteriormente a 2016/2017, havia no país uma cobertura vacinal superior a 90%. No entanto, essa taxa começou a declinar abruptamente, culminando em níveis muito baixos, mesmo durante uma pandemia de doença infecciosa, quando enfrentamos inúmeras dificuldades para vacinar a população. Pouco mais tarde, com o surgimento da vacina contra o coronavírus, ressaltou que tínhamos uma vacina para uma doença nova e grave, e mesmo assim, não conseguimos uma cobertura vacinal adequada. “A nossa campanha é justamente para engajar as pessoas para que pensem a vacina como uma aliada”, afirmou.

O vice-presidente da SBI, Sergio Cimerman, também expressou preocupação com o cenário e enfatizou a gravidade da queda nos números de vacinação. Na ocasião, Cimerman mencionou que “é imprescindível que a questão política seja colocada em segundo plano, e que prevaleça o bom senso, a saúde e, sobretudo, a ciência.”

Cimerman se atentou a abordar a hesitação vacinal como uma questão multifatorial, e chamou a atenção para o fato de que a maioria das famílias brasileiras responde de maneira satisfatória à recomendação de vacinação, desde que devidamente informada e abordada de forma adequada. “A questão é como nós nos deparamos com essas famílias para tirar as dúvidas e as ansiedades que crescem cada vez mais. A pandemia nos mostrou que informações equivocadas, com viés não científico, atrapalharam e ainda atrapalham, sobretudo nos dias de hoje, em relação à covid e à dengue, que têm os prontos-socorros lotados em todo o país. O que devemos fazer é tranquilizar e explicar, na língua das pessoas, da pessoa mais pobre à mais rica, qual é o benefício e a importância da vacinação neste momento”, esclareceu.

Segundo o especialista, a aceitação ou não da vacinação pode ser organizada em três perfis principais: os que aceitam passivamente as vacinas oferecidas, os que atrasam e os que recusam completamente a vacinação.

Segundo ele, alguns dos fatores que influenciam a hesitação vacinal, são:

1. Informação clara e transparente: Quando não há uma informação objetiva, clara e transparente sobre as vacinas disponíveis, pode ser difícil para as pessoas tomarem uma decisão informada.

2. Nível de confiança no médico e outras autoridades de saúde: A opinião e recomendação dos profissionais de saúde influenciam a decisão das pessoas. Quando médicos, outros profissionais e/ou órgãos de saúde expressam opiniões contrárias à vacinação, isso pode influenciar negativamente a população, causando efeito de progressão geométrica.

3. Desinformação: Fake news e mitos sobre vacinas podem se espalhar rapidamente, especialmente através das redes sociais, aumentando a hesitação com relação à vacinação.

4. Documentação e informação oficial acessível: Ter acesso a documentação médica oficial é importante para poder tornar a informação mais confiável e segura para as pessoas.

“Não adianta a gente ter sala de vacina, profissional, se não tem informação que chega. [Enquanto isso], os negacionistas acabam usando desses fatores para incentivar a não vacinação.”

Alexandre Naime Barbosa, coordenador científico da SBI, na sequência abordou o crescente aumento dos casos de dengue no país. “A dengue está em evidência, está ocupando as manchetes… Realmente, estamos vivendo o pior ano de epidemia de dengue em toda a série histórica desde que a dengue voltou a circular no Brasil na década de 80. A partir de 2022, com 1094 óbitos, depois em 2023, com 1179, esses números já eram recordes históricos, mas, infelizmente, contando até a segunda semana epidemiológica de abril, já somamos 1600 óbitos”, lamentou.

“Mais de 2 mil óbitos podem se somar à investigação aos óbitos já localizados. O ano de 2024, infelizmente, ficará marcado como o ano mais trágico da dengue, três ou quatro vezes pior que anos anteriores”, complementou.

Dr. Alexandre Naime, esclareceu que um dos principais motivos para a propagação da dengue são as mudanças climáticas, principalmente com as temperaturas elevadas que se arrastam desde o final do ano passado, além da coexistência de vários sorotipos virais. Quanto à vacinação contra a doença, ele atualizou que atualmente a mesma está sendo direcionada para a faixa etária de crianças de 9 a 14 anos, com a ampliação dessa faixa etária em alguns estados e municípios, justamente devido à baixa adesão.

A coordenadora do Comitê de Imunização da SBI, Dra. Rosana Richtmann, igualmente reforçou a importância de se vacinar, e o impacto desastroso que a desinformação pode ter nos esforços em saúde pública. A doutora lembrou que durante o pior momento da crise de covid-19, a falsa crença de que a vacina transformaria as pessoas em jacarés, que considera absurda, influenciou e amedrontou muito, por exemplo, a população ribeirinha que mora às margens de rios e córregos, onde a presença de jacarés é uma possibilidade real. Nesse sentido, afirmou que a vacinação em massa pode gerar um efeito manada positivo na proteção contra doenças, beneficiando a todos.

Ela exemplificou como isso ocorre: “Se a metade de uma sala como essa se vacinar, certamente, os não vacinados da outra metade também vão se beneficiar da vacinação. Porque se uma metade estiver vacinada, teremos menor circulação do microorganismo e, indiretamente, os não vacinados, sejam porque ou não querem, ou porque [configuram] um grupo muito pequeno ainda e não podem ter a vacinação, ou até mesmo por estarem em tratamento de câncer e não poderem tomar determinada vacina, etc, vão ser protegidos também.”

“Vacina no Brasil tem! O país está cheio de vacinas nas geladeiras dos mais de 38 mil postos de saúde. O que a gente quer é vacina no braço.”

“O sarampo [por exemplo] voltou. Estamos de novo sob risco, estamos sem casos, mas estamos sob risco e também super preocupados com a paralisia infantil. Recentemente, foi registrado mais um caso de Rubéola Congênita na Bolívia, aqui do nosso lado. Ou seja, não adianta só a gente estar bem, pois com a globalização, estamos sempre sob risco”, concluiu.

Imunização da população vivendo com HIV/aids

As pessoas vivendo com HIV/aids não ficam de fora da prevenção. Para elas, é especialmente importante manter a caderneta de vacinação sempre em dia. No Brasil, existe um calendário específico de vacinação para quem vive com HIV; este calendário contempla vacinas essenciais para fortalecer o sistema imunológico, como a vacina da hepatite A e B, influenza, tríplice viral, febre amarela, HPV, entre outras.

No entanto, apesar de o checklist de vacinas ser recomendado e prescrito pelo médico infectologista responsável pelo acompanhamento do paciente com HIV, ainda pode ocorrer alguma falha na imunização. Por isso, o Dr. Alexandre Naime informou que dados do Ministério da Saúde mostram que apenas 52% (pouco mais da metade) das pessoas em seguimento do tratamento antirretroviral estão com a caderneta de vacinação completamente em dia, e pontuou: “muitas dessas vacinas não estão disponíveis na Unidade Básica de Saúde (UBS) mais próxima, pois não fazem parte da rotina, sendo vacinas mais específicas […]. Há muito a ser feito. [Além disso], muitas vezes, o paciente não quer ir à UBS, por ser uma unidade próxima a sua casa, devido ao medo de que seu diagnóstico seja revelado.”

“Ter acesso a essas vacinas é fundamental, e precisamos aumentar esse número!”.

Mais sobre a campanha

A campanha ‘’Tá Vacinado?’’, busca engajar a imprensa, mobilizando jornalistas, influenciadores e outros comunicadores, articulando ações permanentes que incentivem a população a verificar com frequência seus cartões de vacinação e procurar um posto de saúde mais próximo.
A mobilização se estende até novembro de 2024 e vai aparecer em diferentes meios de comunicação, incluindo televisão (em rede nacional e regional), com vídeo exclusivo. Além disso, os influenciadores serão envolvidos para levar a causa para as redes sociais. A campanha “Tá Vacinado?” quer alcançar diferentes grupos demográficos, garantindo que informações confiáveis cheguem a todos os cantos do país.

Saiba mais sobre vacinação de pessoas vivendo com HIV/aids

Existe um calendário vacinal específico para pessoas vivendo com HIV. Conheça mais sobre o assunto

Pesquisas realizadas no Hospital Universitário contribuem para o desenvolvimento de vacinas – UFMS

50 anos do PNI: A imunização de pessoas vivendo com HIV é fundamental para a prevenção de infecções oportunistas e manutenção da saúde

Kéren Morais (keren@agenciaaids.com.br)

Dica de entrevista

SBI – Sociedade Brasileira de Infectologia

Site oficial: infectologia.org.br

Telefone: (11) 5572-8958

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