Ativistas da luta contra a aids ocuparam, na manhã desta quinta-feira (23), a entrada principal do escritório da farmacêutica Gilead, em São Paulo, em protesto contra a patente do Sofosbuvir, principal medicamento usado no tratamento de cura da hepatite C. A pressão é para que o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) siga os passos de países como Argentina, China e Egito e rejeite o pedido de patente deste medicamento. Segundo os ativistas, muitas pessoas estão morrendo porque o tratamento é caro e inacessível. Além disso, a Gilead já teve lucros “exorbitantes” com o Sofosbuvir.

De acordo com o professor Jorge Beloqui, do GIV (Grupo de Incentivo à Vida), “na Índia, por exemplo, o tratamento já é vendido por menos de US$ 200.” Enquanto no Brasil, de acordo com dados do Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual (GTPI), o governo paga em média R$ 16 mil pelo tratamento básico, que dura 12 semanas. “Se a patente for negada, haverá uma concorrência entre os laboratórios e o preço vai cair. Além disso, os genéricos poderão ser comercializados nacionalmente e o tratamento custaria R$ 2,7 mil”, explicou Beloqui.

O ato

A manifestação começou por volta das 11h. Vestindo amarelo e segurando cartazes e faixas, os ativistas formaram um círculo ao redor de uma piscina cheia de dinheiro falso, representando a “ganância da indústria farmacêutica”. Em volta da piscina, quatro pessoas se deitaram no chão para lembrar as mortes em decorrência da hepatite C e por falta de medicamentos. O cenário contou também com o uma pessoa mascarada, vestida com paletó, representando os “executivos”. Durante o ato, o ativista mergulhou inúmeras vezes na piscina de dinheiro.

“Imagine se descobrissem a cura da aids e ela não fosse acessível pra todo mundo. É isso está acontecendo com a hepatite C. As pessoas que precisam de tratamento não conseguem ter acesso porque o monopólio e o alto preço do medicamento impede que o Brasil compre o medicamento numa quantidade que atenda a todos. Se a patente não for quebrada, o Brasil não vai conseguir atingir a meta de eliminar a hepatite C até 2030, acordo firmado internacionalmente pelo país. É isso que tentamos mostrar para o INPI durante o protesto de terça-feira”, acrescentou Pedro Villardi, coordenador do Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual.

Não há remédios para todos

De acordo com dados do Ministério da Saúde, desde a chegada dos novos medicamentos, cerca de 25 mil pacientes têm sido tratados por ano, mas, só em 2017, foram registrados 24.460 novos casos da doença.

De 2015 a 2017 o Brasil já gastou 985 milhões de reais para tratar 25 mil pessoas com hepatite C. Para se ter uma ideia dos preços elevados, o Brasil gastou 1 bilhão de reais na compra de 750 mil antirretrovirais para o tratamento de aids em 2017.

“Eu tive hepatite C e estou aqui na luta para que todos tenham acesso ao tratamento. Vamos liberar a patente”, gritou uma das manifestantes.

Do Fórum de ONGs/Aids de São Paulo, Rodrigo Pinheiro, lembrou que a chance de cura da hepatite C com este tratamento é de mais de 90%. “A Gilead está tendo um lucro absurdo em detrimento do acesso das pessoas com hepatite C, inclusive as pessoas coinfectadas com HIV. Hoje, o preço do Sofosbuvir inviabiliza o acesso de muita gente ao tratamento. Somos contra patentes e a favor da vida.”

Em São Paulo, segundo Rodrigo, mais de quatro mil pessoas estão na fila à espera do tratamento com Sofobuvir. “Não podemos nos calar enquanto pessoas estão morrendo e a Gilead faturando.”

Assim como Rodrigo, a militante Fabiana Oliveira, do Movimento Nacional das Cidadãs Posithivas, ressaltou que a saúde é um direito constitucional para todas as pessoas. “Não à patente.”

Representando a Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/Aids,  Alisson Barreto, também pediu saúde para todos. “Alguns amigos meus tiveram acesso ao tratamento de cura, hoje, a luta é para que todos tenham. Essa patente tem de acabar.”

Do Mopaids (Movimento Paulistano de Luta Contra a Aids), Isabel Cristina chamou atenção para outros dados. “Há 657 mil pessoas no Brasil esperando pelo tratamento e 68 milhões no mundo. A Gilead não tem o direito de continuar lucrando enquanto as pessoas estão morrendo.”

Por mais de duas horas os militantes gritaram palavras de ordem como: “Não queremos morrer de hepatite C”, “Gilead, libera a patente”, “Enquanto a Gilead nada em dinheiro, nós morremos” e pediram para que um dos diretores da Gilead Sciences do Brasil, Roni Donan, descesse ao térreo do prédio para recebê-los.

O ato chegou ao fim com a entrega de uma carta assinada pelo GTPI, Mopaids, Fórum de ONGs/Aids de São Paulo, Cidadãs Posithivas e Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/Aids, ao coordenador de operações do Morumbi Corporate, Alan Saboya.  O funcionário explicou que não havia no prédio nenhum representante da Gilead, mas que a empresa pediu que ele recebesse o documento.

Gilead responde

Em nota enviada pela assessoria de imprensa, a Gilead Brasil disse que respeita e entende os questionamentos como parte absolutamente normal em processos dessa natureza e irá prestar todos os esclarecimentos necessários após a decisão determinada pelo órgão. Leia a seguir:

Gilead está confiante na propriedade intelectual que cobre o composto de sofosbuvir (SOF) e todos os seus medicamentos para hepatite C (HCV), que trazem o potencial de cura para a grande maioria dos pacientes que sofre de infecção crônica pelo HCV.

A companhia tem plena segurança de possuir evidências comprovatórias para sustentar o caráter inovador do fármaco sob todos os critérios exigidos e confia na idoneidade e responsabilidade com que o INPI conduz suas decisões, conferindo o vital estímulo para a pesquisa e desenvolvimento no plano nacional.

A Gilead Sciences respeita e entende os questionamentos como parte absolutamente normal em processos dessa natureza e irá prestar todos os esclarecimentos necessários após a decisão determinada pelo órgão. Como parte de seus esforços, a companhia trabalha ativamente com o governo brasileiro para facilitar o amplo acesso aos medicamentos para HCV da Gilead.

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Dica de entrevista

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Talita Martins (talita@agenciaaids.com.br)