O Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) publicou nesta terça-feira a decisão de conceder a patente do sofosbuvir, remédio utilizado no tratamento contra hepatite C, à indústria farmacêutica Gilead. Com a medida, apenas a companhia americana poderá vender o remédio no Brasil, impedindo a produção de genéricos.

“Ficamos desapontados com a decisão do INPI. Ao longo do processo de análise foram apresentados estudos que mostravam que o pedido de patente não se justifica tecnicamente”, afirmou Pedro Villardi, coordenador do GTPI (Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual).

De acordo com o especialista, a decisão pelo monopólio foi equivocada, principalmente porque é um medicamento que salva vidas. “É uma patente que não deveria ser concedida. Vamos perseguir todos meios legais possíveis para colocar esse medicamento em domínio público.”

Hoje o tratamento básico dura 12 semanas e custa em média R$ 16 mil. Com genéricos, produzidos no Brasil por um consórcio entre empresas nacionais e o laboratório público Farmanguinhos/Fiocruz, o custo cairia para R$ 2,7 mil.

A decisão do INPI impede essa mudança, que geraria uma economia de cerca de R$ 1 bilhão para o Ministério da Saúde, além de ampliar o acesso ao tratamento.

Licença compulsória

De acordo com o GTPI, caso haja ação de nulidade, é possível reverter à decisão. “É importante ressaltar que o Brasil dispõe de outras opções para garantir a compra de genéricos, como a licença compulsória.”

A licença compulsória é uma suspensão temporária do direito de exclusividade do titular de uma patente, permitindo a produção, uso, venda ou importação do produto ou processo patenteado, por um terceiro, desde que tenha sido colocado no mercado diretamente pelo titular ou com o seu consentimento.

“O governo poderia suspender os efeitos da patente, permitindo a comercialização de genéricos. Esse é um caso típico de aplicação da licença compulsória, já que o direito à saúde e o acesso à cura têm de vir antes do privilégio da empresa”, avaliou.

Pedro Villard explicou ainda que a decisão não afeta apenas os pacientes com hepatite C. “Ela também causa impacto no sistema todo que poderia usar essa economia anual de R$ 1 bilhão em outras frentes.”

Do Mopaids (Movimento Paulistano de Luta Contra a Aids), José Araújo Lima lamentou a decisão do INPI e disse que essa atitude é um genocídio para as pessoas que vivem com hepatite C e precisam do medicamento. “Foi uma decisão irracional e vai sonegar o tratamento a muitos que estão na fila esperando pela cura. Mostra ainda uma selvageria da Gilead, que usou de várias estratégias para conseguir a patente. Licenciamento compulsório já!”

Moysés Toniolo, da RNP+ (Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/Aids),  ressaltou o número de 14.654 pessoas coinfectadas pelo HIV e pelo vírus da hepatite C. “Isso é uma questão de vida ou morte. O que o INPI fez é um absurdo, é um crime contra a soberania científica e tecnológica, além de impossibilitar o acesso ao tratamento e impedir que o Brasil alcance a meta para 2030 . A RNP se coloca frontalmente contra a patente. O medicamento sequer é de inovação. Estão ganhando rios de dinheiro enquanto tudo isso representa a falta de acesso à tratamento. Buscaremos ativar a Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos para que reverta a concessão.”

De acordo com Vanessa Campos, do Movimento das Cidadãs Posithivas e da RNP+, a concessão da patente “retrata muito bem os tempos obscuros que vivemos: priorização do monopólio internacional em detrimento da saúde do povo brasileiro. A saúde tratada como mercadoria enquanto vidas são desperdiçadas. Em maio de 2017, a licença compulsória do efavirenz permitiu que ele entrasse no nosso esquema de antirretrovirais. Na época 38% das pessoas vivendo com HIV/aids faziam uso dele e estimava-se que até o final daquele ano, 75 mil das 200 mil pessoas teriam acesso ao tratamento com aquele medicamento. Isso foi fundamental para o acesso universal e sucesso da política brasileira de combate à aids no boom da epidemia”.

Da Rede São Paulo Positivo, Carlos Henrique de Oliveira disse que a decisão do governo de voltar atrás no genérico do sofosbuvir para baratear o fornecimento para a saúde pública mostra o quanto o lobby da indústria farmacêutica trabalha exclusivamente na busca do lucro dessas empresas, e em como o governo brasileiro tem se dobrado ao neoliberalismo e aos interesses privados no que tange à saúde pública, sobretudo nos últimos dois anos. Parece-me que, infelizmente, a pressão do mercado e dos lobbys financeiros têm sido mais “persuasivos” do que a pressão da sociedade civil.”

Fiocruz se manifesta contra a posição do INPI

Em nota, o Instituto de Tecnologia em Fármacos da Fundação Oswaldo Cruz (Farmanguinhos/Fiocruz) afirmou que tem investido esforços para realizar a produção e distribuição do medicamento genérico com preços abruptamente menores ao Ministério da Saúde, visando garantir a erradicação da hepatite C no Brasil.

Para a Fundação, a decisão contraria os argumentos apresentados no subsídio ao exame por Farmanguinhos/Fiocruz, que entende que o pedido não apresenta os requisitos de patenteabilidade, ou seja, novidade e atividade inventiva.

Além disso, no entendimento da Fiocruz, a invenção não foi descrita de forma suficiente no pedido de patente, de modo que um técnico no assunto possa reproduzir o composto reivindicado, sendo este um dos critérios para a concessão de patente.”

 

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Redação da Agência de Notícias da Aids