Gisela Díaz vive com HIV e foi atendida pela equipe de MSF em Buenaventura, na Colômbia. © Marta Soszynska/MSF

A Colômbia acaba de conceder a seu Ministério da Saúde o primeiro licenciamento compulsório para um medicamento na história do país. A decisão permitirá a ampliação do acesso a versões genéricas mais acessíveis do medicamento dolutegravir sem autorização dos proprietários da patente, a empresa ViiV Healthcare (empresa formada pelas companhias GlaxoSmithKline, Pfizer e Shionogi).

O dolutegravir é indicado como parte do regime de tratamento de primeira linha para pessoas vivendo com o HIV, inclusive durante a gravidez, de acordo com recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS).

“Hoje, pessoas tratadas adequadamente e eficientemente podem ter uma vida normal, elas não transmitem o vírus e têm a mesma expectativa de vida de qualquer pessoa sem HIV. Nesse sentido, em resposta ao clamor de mais de 120 instituições mundiais que apoiam esse procedimento, nós agimos”, disse o ministro da Saúde, Guillermo Jaramillo, em outubro do ano passado para o jornal El Tiempo.

Organizações internacionais, como Médicos Sem Fronteiras, celebraram a medida, que pode inspirar outros países a seguir o exemplo colombiano para garantir tratamentos mais acessíveis.

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“A ONG Médicos Sem Fronteiras usa um tratamento de primeira linha com base no dolutegravir em alguns de seus programas de HIV/aids e tem percebido claros benefícios aos pacientes, com menos efeitos colaterais e menor risco de desenvolver resistência ao fármaco. Apesar disso, em muitos países onde atuamos, o acesso a versões genéricas mais acessíveis do dolutegravir continua sendo um desafio. Na Colômbia, devido a barreiras de patentes e preços altos, ainda não introduzimos o dolutegravir em nossos programas médicos. Embora versões genéricas estejam disponíveis internacionalmente por uma fração do preço da ViiV’s, por meio de licenças voluntárias como o Pool de Patentes de Medicamentos, a ViiV excluiu a Colômbia e muitos países de renda média de se beneficiarem destas licenças”, disse um comunicado publicado no site Médicos Sem Fronteiras.

“Acolhemos de forma intensa a notícia de que o preço do genérico será acessível. Isso vai facilitar o uso do dolutegravir em nosso tratamento de primeira linha para HIV”, afirmou a dra. Carmenza Gálvez, coordenadora médica de Médicos Sem Fronteiras para Colômbia e Panamá.

De acordo com o governo colombiano, o custo estimado do tratamento com o dolutegravir, vendido pela ViiV com o nome de Tivicay, era de US$ 1.224 por paciente/ano em 2023. “É uma cifra exorbitante se comparada aos US$ 22,80 ou US$ 44 por paciente por ano, que foram os preços disponibilizados em 2023 pelo dolutegravir genérico oferecido em 2023 por meio do Fundo Global e da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), respectivamente, mas que não podiam ser adquiridos pela Colômbia.”

Desta forma, o preço disponível ao Ministério da Saúde por meio da licença compulsória (US$ 44 por paciente por ano) é um passo enorme na direção de permitir um acesso a versões genéricas do medicamento a todos que necessitam, incluindo a possibilidade de que MSF passe a adotar o dolutegravir em seus programas médicos.

Situação no Brasil

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O Brasil também não pode aceder aos preços do Fundo Global e da Opas, e o custo atual do tratamento no país é de R$ 1.525,70 (cerca de US$ 300) por paciente/ano. O valor é inferior ao cobrado da Colômbia pela empresa ViiV, mas quase sete vezes superior ao do medicamento genérico que passará a ser utilizado no país com a emissão da licença compulsória.

Em 2007, o Brasil foi o primeiro país da América Latina a emitir uma licença compulsória para a patente de um medicamento, no caso o medicamento efavirenz, também utilizado no tratamento de HIV/aids.

“Apesar de ter gerado uma economia significativa para o sistema público de saúde (US$ 104 milhões em um período de 5 anos) e ampliado o acesso ao medicamento no país, a medida nunca mais foi utilizada. A decisão da Colômbia pode ser um exemplo para a retomada desse importante instrumento de proteção da saúde e para a ampliação do acesso a medicamentos no Brasil”, destaca o comunicado no site Médicos Sem Fronteiras..

O dolutegravir é atualmente utilizado no tratamento de quase 600 mil pessoas no país. Uma redução do preço de tratamento atual para o preço que passará a ser disponibilizado na Colômbia poderia gerar uma economia de US$ 153 milhões em apenas um ano.

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Com um rico patrimônio histórico, a Colômbia tem a segunda maior população da América do Sul, constituída a partir da mistura entre índios, africanos e europeus, sobretudo, espanhóis. Segundo o relatório do ano de 2022 do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (Unaids), há 190 mil pessoas vivendo com HIV na Colômbia, em uma população com 52 milhões de pessoas. A prevalência entre os adultos é de 0,5%. São 35 mil mulheres com 15 anos ou mais vivendo com HIV/aids e 2 mil crianças, de 0 a 14 anos.

Repercussão

Dra. Carmenza Gálvez, coordenadora médica de MSF para Colômbia e Panamá:

“A decisão da Colômbia de emitir uma licença compulsória para o dolutegravir é uma grande notícia porque, até agora, não conseguimos introduzir o medicamento em nossas operações, devido aos custos proibitivos. Desta forma, acolhemos de forma intensa a decisão e a notícia de que o preço do genérico será acessível. Isso vai facilitar o uso do dolutegravir em nosso tratamento de primeira linha para HIV, que é oferecido a sobreviventes de violência sexual em nossas operações na Colômbia, e vai permitir que mais e mais pessoas vivendo com HIV na Colômbia tenham acesso aos medicamentos mais eficazes.”

Luz Marina Umbasia Bernal, diretora da Corporação Global Progresso Humanitário Colômbia:

“O licenciamento do dolutegravir na Colômbia vai evitar a transmissão do HIV, também vai chegar a migrantes que necessitam de tratamento, vai apoiar a sustentabilidade financeira do sistema de saúde colombiano e vai promover equidade e os direitos humanos de pessoas vivendo com HIV. No nível regional, implementar esse mecanismo gera um precedente vital para a promoção do acesso a medicamentos essenciais. É preciso caminhar para a eliminação do HIV como um problema de saúde pública mundial e contribuir para cumprir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Governos da América Latina têm o direito de usar flexibilidades do acordo TRIPS (que trata de propriedade intelectual no âmbito da Organização Mundial do Comércio) para proteger a saúde de seus cidadãos.”

Peter Maybarduk, diretor de acesso a medicamentos, Public Citizen:

“A Colômbia está abrindo um precedente rumo à equidade global em saúde. Isso vai inspirar novas contestações regionais a barreiras impostas por patentes e melhorar o acesso a tratamentos rumo a uma geração livre da AIDS. Ativistas em prol do tratamento têm trabalhado há muitos anos por essa decisão, ajudando a Colômbia a enfrentar as grandes empresas farmacêuticas. Quando soluções globais têm resultados frustrantes, os países podem e devem assumir o protagonismo para assegurar o acesso a medicamentos para todos.”

Redação da Agência Aids com informações do site Médicos Sem Fronteiras