Nesta segunda (12), a coluna “Senta aqui, com Marina Vergueiro” recebeu a psicanalista Manuela Xavier.

Além de psicanalista, Manuela Xavier é feminista e engajada na emancipação feminina. Ocupa o Instagram articulando cultura, política, subjetividade e comportamento a partir de uma perspectiva feminista.

Em suas próprias palavras, Manuela se autodenomina “problematizadora oficial” e Marina resolveu iniciar “problematizando” o silêncio. Ela comentou que há algum tempo passou por uma experiência de tratamento silencioso, que é quando alguém se recusa a ouvir, falar ou responder, ignorando emocionalmente seu (sua) parceiro (a) para magoá-lo (a), puni-lo (a) ou manipulá-lo (a). “Eu cheguei à conclusão que o silêncio é uma arma poderosíssima para a manutenção dos estigmas, dos preconceitos, pra que a gente tenha essa visão da nossa sexualidade, como se ainda estivéssemos nos anos 80, 90. Por que a gente ainda tem tanta dificuldade para falar sobre saúde sexual?”

Manuela respondeu que a psicanálise trabalha justamente com aquilo que não foi dito. “A pessoa pode vir aqui e falar um monte de coisa. E aquilo que ela não está dizendo? A gente vê que o silêncio tem uma função de violência. O silêncio não é para apaziguar, a palavra apazigua. O silêncio vem pra manter uma violência, uma desigualdade, inclusive no tratamento psicanalítico. Quando você não fala alguma coisa, não é que ela não está sendo dita, aquela coisa está sendo encenada, você sente no corpo, você tropeça, você tem ato falho. Quando a gente fala de sexualidade, claro, falando como uma mulher cis, heterossexual, para quem esse discurso incide de outra forma – para as populações LGBTQIA+, mulheres transexuais, esse discurso incide de uma forma muito mais violenta – o silêncio cumpre a função de o tabu, porque aí ninguém tem que mexer nas suas próprias dores e tem uma função biopolítica, de expor certas populações a riscos. O silêncio sobre a sexualidade serve para pesar a mão sobre mulheres. As mulheres não falam. A gente tem um índice altíssimo de violência contra as mulheres e não se fala sobre isso. É interessante para o sistema que uma certa população fique exposta à própria sorte. Então, o silêncio tem uma função de manutenção de um poder”, respondeu ela.

Marina pontuou que uma das primeiras medidas que o atual governo federal tomou foi acabar com a cartilha sobre ISTs para a população transexual e, em seguida, desativou todas as mídias sociais do programa brasileiro de aids, que era referência no tratamento do HIV/aids internacionalmente.

Preconceito mata

Marina acredita que a epidemia de covid-19 lembra muito a da aids, com as pessoas procurando culpados ou culpadas, mas observou que “a gente não faz a nossa parte, que é cuidar da gente mesmo”.

“Quando você tem informação, é muito precioso”, disse Manuela. “O preconceito mata, por desconhecimento. Essa pandemia do coronavírus trouxe pra gente uma coisa, o medo que quando a gente encontra com o outro, a gente pega alguma coisa, pega a estranheza do outro, dá um incômodo. Ela trouxe pra gente essa coisa de quem está e quem não com o coronavírus, porque não está na cara da pessoa, como o HIV também não está mais. E aí vem o preconceito, ah não, eu só transo com homem ou eu só transo com mulher, isso não é uma coisa só de gay? Então o preconceito mata aí, porque a pessoa acha que está imune, porque a pessoa tem vergonha. Minha irmã, que trabalhou em um centro de referência, me contou que, às vezes, as pessoas chegavam lá, descobriam que tinham se infectado e não voltavam por vergonha. A vergonha faz com que a pessoa não faça o tratamento que vai salvá-la! Por que essa pessoa tem vergonha? Porque a sociedade é burra. Acho que o coronavírus trouxe isso pra gente, que é humano a gente encontrar o outro e não saber o que vai encontrar ali, como é difícil confiar no outro, isso é humano, independente de vírus ou qualquer coisa”, ressaltou.

O fortalecimento do estigma

Segundo Marina, a maior parte dos filmes ou séries que falam sobre HIV/aids, ainda hoje são ambientadas no início da pandemia, nos anos 80 ou 90. “Eu não aguento mais, a gente está em 2021 e tem muita gente morrendo de aids, se infectando com HIV todos os dias. Acho que esse é um outro silêncio que me incomoda bastante, que é falar daquilo como se não existisse mais”, reclamou. Ela questionou se a geração que nasceu no início dos anos 2000 tem informação sobre ISTs e HIV/aids. “Como falar mais abertamente de sexualidade de uma maneira saudável por meio da cultura popular?”, questionou.

“Acho que essa geração mais nova não sabe que existe ISTs entre eles. Eu acho que esses filmes que você citou acabam reforçando o estigma de que o HIV/aids é uma coisa de homossexuais, porque é sempre um homem gay, uma mulher trans…Eu não vejo uma produção que mostra uma pessoa apenas vivendo com HIV, que é uma advogada, uma poeta. A narrativa é sobre o HIV. Eu acho que isso serve para fortalecer os estigmas. E acredito que os jovens hoje ainda acham que ISTs é coisa que você pega em um prostíbulo, em um lugar sujo, no banheiro da rodoviária, então ainda existe esse imaginário. Que é o mesmo imaginário que a gente tem do homem agressor, que ele é um monstro, aquele que vai pegar a gente em um beco e colocar a faca no nosso pescoço. Não é, o estuprador é nosso pai, é nosso namorado, o nosso marido. A IST está aí, basta você transar. A gente precisa pensar em formas de falar sobre política sexual, sobre educação sexual e isso se faz nas escolas. Desde que a criança é pequena tem que aprender sobre isso, sobre menstruação, sobre IST, sobre sexualidade, sobre diversidade. E isso se faz dentro de casa também”, concluiu.

A coluna semanal, apresentada pela poeta e jornalista Marina Vergueiro, acontece todas as segundas, a partir das 21h no perfil da Agência Aids no Instagram e traz entrevistas sobre HIV/aids, diversidade, direitos humanos e cidadania.

Assista o bate-papo completo:

 

Redação Agência de Notícias da Aids