Cientistas da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) relataram nesta semana ter conseguido eliminar o HIV do organismo de um paciente brasileiro. É o primeiro caso de um soropositivo que entrou em remissão de longo prazo após ser tratado com um coquetel intensificado de vários remédios. O infectologista Ricardo Sobhie Diaz, que coordena o estudo na Unifesp, explicou que o paciente pode ser considerado livre do vírus. “O significado para mim é que tínhamos um paciente em tratamento, e agora ele está controlando o vírus sem tratamento. Não conseguimos mais detectar o vírus [em seu organismo], e ele está perdendo a resposta específica ao vírus – se você não possui anticorpos, então não possui antígenos.”

Ativistas da luta contra aids no Brasil receberam a notícia com esperança e otimismo. “A remissão viral deve ser sempre comemorada especialmente pela possibilidade de apontar novos horizontes. No entanto, precisamos receber essa notícia com cautela e pé no chão. A história já nos mostrou casos que, mesmo após anos de remissão, o vírus retornou”, disse o militante Salvador Correa. “Vejo os resultados desta pesquisa com bons olhos e esperança. É um estudo bem promissor. Vou aguardar ansiosamente as próximas etapas”, comemorou Américo Nunes.

O feito fez parte de um estudo em escala global realizado pelos pesquisadores da Unifesp com pessoas infectadas pelo HIV. Os resultados foram apresentados na 23ª Conferência Internacional de Aids, que ocorre até 10 de julho de forma virtual, devido à pandemia de covid-19.

Leia a seguir mais comentários:

Salvador Correa, escritor, sanitarista e membro da Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/Aids do Rio de Janeiro: “É muito importante o avanço de pesquisas como a coordenada pelo Dr. Ricardo Diaz da renomada Unifesp.  A remissão viral deve ser sempre comemorada especialmente pela possibilidade de apontar novos horizontes. No entanto, precisamos receber essa notícia com cautela e pé no chão. A história já nos mostrou casos que, mesmo após anos de remissão, o vírus retornou. Precisamos lembrar sempre que 13,4 milhões de pessoas com HIV não tem acesso a medicamentos antirretrovirais, segundo dados do UNAIDS. Se a cura surgisse hoje, essas pessoas teriam acesso? A pandemia de HIV, assim como a pandemia do coronavirus, vem mostrar para nossa sociedade que estamos todEs doentes. As pessoas morrem por falta de tratamento, e não por falta de tecnologia no mundo. Por falta de acesso, resultante de um sistema predatório de exploração econômica, apropriação cultural, imposição de valores. Não foi sempre assim. Isso foi criado e não suportamos mais. Se por um lado há um avanço do conservadorismo predatório – morte, por outro existem movimentos pulsantes de vida, que nos recria como sociedade, olhando para nossos ancestrais, antepassados, reconhecendo-se em si, na sua história e no outro. Os movimentos globais de igualdade racial mostram para nós que basta de opressão! Pessoas no mundo não acessam antirretrovirais em função de sua raça/cor/etnia, localização geográfica, classe social, gênero, orientação sexual, ocupação. Enquanto isso continuar acontecendo, estaremos todos doentes, com ou sem HIV; com ou sem cura. É preciso recriar a pandemia do afeto!”

Beto de Jesus, diretor da AHF Brasil: “Do ponto de vista da ciência, é extremamente importante a gente entender todos os mecanismos do HIV. Do ponto de vista de um tratamento ou de uma solução que possa atingir todas as pessoas infectadas, o que me preocupa é o acesso. Temos dois casos de cura com transplante de medula, mas não é uma terapia viável para uma quantidade significativa de pessoas. Estou preocupado com o alerde que algumas pessoas estão fazendo sobre essa cura. Precisamos entender que ela é muito personalizada, você tem uma quantidade maior de medicação e uma vacina feita com células dendríticas da pessoa, cada um tem a sua vacina personalizada e isso acaba não sendo uma possibilidade de terapia para todo mundo. Entendo toda euforia, mas é importante destacar que provavelmente quem não tem recursos não terá acesso. Entendo que este estudo é importante para apontar caminhos para o que possa ser futuramente uma cura acessível para todos. O momento é de conhecimento.”

Silvia Almeida, do Movimento Nacional das Cidadãs Posithivas: “Entre tantas notícias ruins que temos tido nesta pandemia, é com grande alegria que vejo os resultados da pesquisa brasileira de cura do HIV.  Minha preocupação é com relação a verbas para dar continuidade ao estudo. Infelizmente não temos governantes coerentes e sensatos no Brasil para ver e entender a grandeza desta descoberta, assim como a necessidade de investimentos em saúde e pesquisa. É um momento muito esperado por milhares e pessoas vivendo com HIV e aids. Precisamos manter nossos olhos nos próximos capítulos.”

Américo Nunes Neto, coordenador do Mopaids (Movimento Paulistano de Luta Contra Aids): “Vejo os resultados desta pesquisa com bons olhos e esperança. É um estudo bem promissor. Vou aguardar ansiosamente as próximas etapas. Os resultados divulgados até aqui mostram que os pesquisadores estão preocupados em eliminar o HIV. Fico feliz por ser no Brasil, principalmente pela questão da genética. Essa é a luz no fim do túnel que nós, pessoas vivendo com HIV/aids, esperamos.”

 

Jacqueline Côrtes, do Movimento Nacional das Cidadãs Posithivas: “Qualquer pessoa que vive com HIV vai achar a cura a melhor coisa do mundo, é inquestionável. Não tive acesso ao estudo com profundidade, mas sempre tenho um pé atrás com essas pesquisas. Já tiveram várias tentativas de cura do HIV e elas normalmente são soluções que podem contribuir com um número ínfimo de pessoas, haja visto aquela questão do transplante de medula. Este não é um procedimento simples, barato, que um serviço público de saúde pudesse encampar. Para além disso, tem toda uma complicação com o próprio metabolismo da pessoa, ela poderia não aguentar e vir a falecer. Não é o caso deste estudo. Vejo essa pesquisa com bons olhos, mas espero mais resultados. Eles não detalharam, por exemplo, qual foi o tipo de vitamina e substâncias que usaram. Estou mais crente na vacina que estão desenvolvendo na Universidade de São Carlos. Um outro aspecto dessa pesquisa é que não detectaram carga viral, mas não explica quais foram os testes que fizeram. É muito precoce dizer algo mais promissor do estudo. Da mesma maneira que a gente indetectável não transmite o HIV, significa que uma quantidade pequena de vírus no sangue é quase inexistente. Enquanto mulher vivendo com HIV eu sempre digo: tomo medicamento há tanto tempo que o HIV não consegue mais se fortalecer. E se eu parar de tomar o remédio? Provavelmente eu morreria.”

Jenice Pizão, do Movimento Nacional das Cidadãs Posithivas: “Esperança e medo foram as duas coisas que ficaram de fora da caixa de pandora. Acho que a gente não pode perder a esperança e muito menos o medo, que nos protege. Quando vejo essas notícias de cura eu falo que bom, tomara que dê certo, mas não necessariamente eu acho que vou ser mais feliz se eu estiver curada do HIV. O HIV para mim não é motivo de sofrimento, não o vejo como um problema em minha vida. Vou ter de tomar remédios para sempre? É verdade. Têm efeitos colaterais dos medicamentos no meu corpo? Alguns. Minha osteoporose, por exemplo, foi ocasionada pelos antirretrovirais, mas além disso ele não me traz solidão, não me traz infelicidade, depressão. Sou uma mulher com 30 anos de diagnóstico. O HIV não me incomoda, tenho até vergonha de falar isso. Vai ter a cura, que bom, principalmente para esse bando de gente que está sofrendo por ter HIV, principalmente na África e nos países miseráveis que não tem coquetel para as pessoas. Essa pesquisa especificamente não quer dizer muita coisa, mas é um caminho, um começo.”

Ramon Nunes Mello, poeta e escritor: “Sou muito reticente em relação ao anúncio da cura do hiv/aids, diversas vezes anunciada ao longo de 40 anos de epidemia. Prefiro aguardar a pesquisa ser testada a longo prazo, com maior quantidade de pessoas vivendo com hiv, para, então, comemorar. Desejo que esse dia chegue logo. Torço para a melhoria do investimento nas pesquisas de hiv/aids, assim como nas políticas públicas, por parte do governo brasileiro. Enquanto isso, trago comigo a frase de Herbert Daniel: ‘SOLIDARIEDADE – a grande vacina contra a aids’.”

 

Carolina Iara, do Coletivo Loka de Efavirenz: “As pesquisas sobre cura, da maneira como estão se desdobrando, transforma-se numa esperança a mais para com o manejo técnico da doença, e é de muita necessidade, haja vista que a epidemia continua aumentando ano a ano, e mantê-la numa cronicidade pode não ser algo sustentável por mais décadas… No entanto, quero chamar a atenção para que, desde já, nós da sociedade civil precisamos lutar para que numa possibilidade auspiciosa de cura, que ela seja garantida democraticamente para todos, e que ela também seja barateada, não caindo nas mãos das patentes da indústria farmacêutica e do setor privado de saúde.”

Eduardo Barbosa, coordenador do Centro de Referência da Diversidade: “Em tempos difíceis , toda notícia que traz possibilidades fundamentadas na ciência traz um pouco de alento e muita esperança.”

 

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Redação da Agência de Notícias da Aids