Oito pessoas no mundo são consideradas curadas do HIV, vírus causador da aids. Em duas delas, não há dedo da ciência. Ambas são mulheres e vivenciaram esse feito sem uso de medicamentos ou transplante de medula. As outras seis integram o grupo de indivíduos que foram submetidos a estratégias científicas exitosas, que garantiram a cura dos envolvidos e seguem impulsionando os estudos rumo à ampliação desses resultados. Um desses seis casos é fruto nacional.

No Brasil, as pesquisas focadas na cura do HIV são lideradas pelo infectologista e diretor do Laboratório de Retrovirologia do Departamento de Medicina da Unifesp, dr.Ricardo Diaz. O pesquisador concedeu entrevista à Agência Aids logo após realizar a conferência “Estratégias para a cura da Aids: o que há de mais promissor”, na manhã desta quinta-feira (21), como parte do XXIII Congresso Brasileiro de Infectologia (Infecto2023), realizado pela Sociedade Brasileira de Infectologia, através da Sociedade de Baiana de Infectologia, em Salvador.

O único caso brasileiro reconhecido internacionalmente ocorreu em São Paulo e foi apresentado pelo infectologista para um auditório lotado no Infecto 2023. Além de detalhar o percurso do caso paulista, o palestrante mencionou também os cinco casos de transplante de medula que resultaram na cura dos pacientes, além de resgatar a história das duas mulheres que se tornaram livres do HIV de forma espontânea.

A pesquisa nacional, liderada pelo infectologista Ricardo Diaz, ganhou maior projeção desde o caso conhecido como o “paciente de São Paulo” e continua despertando alto interesse, especialmente, na população científica e, sobretudo, na que vive com HIV. Até o momento, 650 pessoas manifestaram desejo de participar do estudo de cura como voluntárias. Os contatos têm sido feitos sem mobilização dos pesquisadores, conta Diaz.

“Tem um apelo muito grande, até queremos entender, em termos de comportamento, porque as pessoas fazem isso, mesmo estando bem e tomando remédio. Ainda assim, elas procuram a gente para participar do estudo. Provavelmente, nem todo mundo preencheria os critérios, mas as pessoas querem”, relata.

Autor de mais de 200 artigos científicos, o dr. Ricardo Diaz explica que há intenção de expandir as pesquisas e que só depende de autorização da Anvisa. Ele garante que já existem recursos e massa crítica suficientes, no entanto, uma parte da pesquisa que realiza envolve terapia celular e a Anvisa publicou duas novas RDC (Resolução de Diretoria Colegiada) que dificultam a continuidade da pesquisa. Entre as razões, aponta o pesquisador, passou-se a exigir um tipo de laboratório que se assemelha a uma indústria farmacêutica e que custa em torno de R$ 50 milhões. “Antes não tinha essa exigência, esse é o grande desafio agora”, aponta.

O caso brasileiro de cura

O “paciente de São Paulo” prefere se manter anônimo, mas seu caso ganhou projeção mundial. Trata-se do terceiro registro de cura do HIV em todo o mundo e o primeiro caso que não foi submetido à transplante de medula óssea. Atualmente, essa pessoa está vivendo com o vírus de novo, mas não por falha do processo que foi submetido. Estudos minuciosos evidenciaram que houve uma reinfecção por HIV, ou seja, o vírus detectado é diferente do anterior, explica Ricardo Diaz. Esse episódio, embora não desejável, poderá gerar uma nova oportunidade, em termos científicos, de reaplicar a tecnologia nacional e comprovar, novamente, a sua eficácia.

“Vamos divulgar o estudo inteiro e o caso de São Paulo. Falta pouco de análise laboratorial, mas ninguém tem um caso como esse no mundo”, garante o pesquisador Ricardo Diaz. Atualmente, essa pessoa que participa do estudo está com 35 anos e é do sexo masculino. Desde 2010, ele sabe que tem o HIV. Quando ele iniciou a participação no estudo em São Paulo, outras quatro pessoas formaram o grupo, no entanto, apenas ele conseguiu chegar ao nível de carga viral indetectável.

A estratégia aplicada por Diaz e equipe busca “matar” as células infectadas sem precisar submeter as pessoas ao transplante de medula óssea. Há pouco mais de uma década, os brasileiros têm desenvolvido intervenções com medicamentos diversos, que vão tornando a estratégia cada vez mais eficaz, aumentando as chances de contribuir para a eliminação dessa epidemia global.

Super controladoras apresentam cura espontânea

De 1% a 3% da população vivendo com HIV recebem o nome de controladoras de elite ou super controladoras porque não mostram sinais de vírus intacto capaz de se replicar ou infecção ativa, mesmo sem receberem tratamento antirretroviral regular. Porém, em cerca de oito anos, 17% tendem a perder o controle, portanto, não é uma condição permanente para todo mundo, explica Ricardo Diaz.

Foi entre indivíduos com esse perfil que duas pessoas alcançaram a cura de modo espontâneo. O primeiro caso aconteceu em São Francisco, nos Estados Unidos. Loreen Willenbeg apresentou a remissão em 2020. O segundo caso foi revelado por pesquisadores de Harvard. Trata-se de uma Argentina, que prefere não ser identificada, e que foi tratada com medicamentos para HIV apenas durante seis meses da gestação.

A maioria desse grupo é mulher, o que leva a crer que há uma relação com o gênero, “mas a gente não sabe. Se a gente começar a entender melhor qual a diferença entre os gêneros, vamos avançar mais nas estratégias”, afirma Ricardo Diaz. Todos esses achados reforçam a importância dos investimentos na ciência para tornar possível o direito à cura, um interesse de toda a população mundial.

Daniela Silva, especial para Agência Aids

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