Na sexta-feira (31), a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos Damares Alves concedeu entrevista à BBC Brasil onde defende a abstinência sexual para adolescentes como forma de prevenção e denunciou pressão social para que meninas afirmem ser bissexuais.

A Agência Aids ouviu especialistas no assunto. Fez duas perguntas:

Você considera abstenção para adolescentes uma política eficaz contra o crescimento do HIV?

Segundo a ministra, existe em curso no país uma “pressão social” para que as meninas afirmem ser bissexuais e que isso afeta a identidade e a saúde psicológica da criança, provocando até tentativas de suicídio. Tem sentido isso?

 

Edna Kahhale – pesquisadora, professora associada e coordenadora do LESSEX (Laboratório de Estudos de Saúde e Sexualidade), Nucleo de Psicossomática e Psicologia Hospitalar da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Acho desconhecimento do que é o jovem. Como se os jovens não tivessem capacidade de discernimento e reflexão. As tentativas de suicídio estão associadas à falta de perspectiva, de emprego, educação de qualidade disponível ao jovem. Além de violência doméstica por parte de pais desempregados e “desesperados” que não conseguem “bancar” as famílias. A falta de orientação correta, informação científica e valores desvinculados da realidade e das conquistas humanas que gera as dificuldades dos adolescentes e jovens

 

Maria Luiza Eluf – Socióloga e psicóloga social.

Sobre a adolescência e a vivência da bissexualidade, a experiência destas adolescentes para definição sobre uma ou outra opção faz parte do caminho das descobertas antes cobertas…Para definição do sim ou não. Abstinência vai  contra  a natureza humana.  A sexualidade faz parte das necessidades humanas. Como coibir?

 

 

Regina Figueiredo – Antropóloga e Pesquisadora do Instituto de Saúde da SES/SP

Você considera abstenção para adolescentes uma política eficaz contra o crescimento do HIV?

Claro que não. Isso é absurdo. A abstinência foi política do presidente Bush amparada em valores morais e não funciona. Se funcionasse, não teria tanta gravidez na adolescência.

Quanto a questão de bissexualidade, é uma interpretação errônea do trabalho que fazemos para que adultos saibam e identifiquem crianças transexuais e adolescentes homo ou bissexuais para respeitá-los e deixarem ser quem são sem coação. É uma política de direitos humanos. Os adolescentes gays e bissexuais estão se mostrando e isso aparenta crescimento, mas não é.  Apenas visualiza o fenômeno.

 

Ariadne Ribeiro – Psicopedagoga Mestre e Doutoranda de Psiquiatria e Psicologia Médica – Unifesp

A respeito das declarações feitas pela Ministra Damares Alves ao BBC gostaria de trazer alguns contrapontos para reflexão.

Importante ressaltar que a adolescência tem sua linguagem própria, nem tudo que produzimos hoje em termos de material para a educação sexual desperta o interesse dos adolescentes.

Mas as músicas, plataformas streaming e todo o conteúdo jovem da internet, é repleto de convites sexuais, retratam de forma ampliada e as vezes caricata a cultura da nossa sociedade que inclusive tem em seu maior representante, um presidente que se incomoda muito com o turismo gay, mas convida os estrangeiros para relações sexuais com mulheres, tal qual fossem um brinde ao turismo no Brasil.

Por outro lado, temos diversos estilos musicais extremamente aceitos e bastante difundidos entre os jovens que fazem convites explícitos ao sexo com “novinhas”, chamando-as para perder a virgindade em estupro coletivo. Dentre as estrofes da música “se você pedir para eu parar não vou parar”, retrata a insubordinação masculina em relação à dor feminina.

Pasmem, esse é o tipo de música mais ouvida entre os jovens.

E enquanto gastamos uma energia desnecessária rasgando publicamente cartilhas que ajudam a compreender os corpos masculinos e femininos e tiramos de circulação esses materiais, por outro lado a epidemia de HIV e Sífilis tem atingido nossos jovens, sem que nenhuma ação efetiva possa servir como uma resposta eficaz à esse aumento estrondoso dos novos casos.

Já, a respeito da tentativa obcecada do atual governo em tornar invisíveis os jovens bissexuais ou homossexuais e as pessoas jovens com variabilidade de gênero, a epidemia tem se difundido cada vez mais entre essas populações, e isso pouco tem a ver com a falta de memória ou a ausência de medo do HIV, como já diziam alguns especialistas.

O que se percebe é que quando o adolescente passa a sofrer as mudanças próprias da ação dos hormônios nessa idade, sem a possibilidade de discutir com quem quer que seja seus sentimentos e desejos mais íntimos, porém inevitavelmente refém de suas expressões sexuais, esses jovens são vítimas fáceis de adultos que iram aproveitar-se dessa desinformação e repressão social para inicia-los sexualmente sem proteção, muitas vezes tais adultos se quer conhecem sua sorologia, já que é fato conhecido pelo Ministério da Saúde que o diagnóstico tardio é mais que o dobro em homens e usuários de substâncias psicoativas.

E apesar de acreditar que Damares foi mais ponderada ao falar da política atual de aborto e a intenção de manter a lei protegendo mulheres em caso de estupro. Nada se faz para criar uma política pública que viabilize uma mudança no comportamento tóxico machista que incentiva o estupro e que só aumenta a vulnerabilidade das mulheres diante de uma cultura que pretende mantê-los em seus lugares privilegiados na hierarquia sociocultural patriarcal e heteronormativa. Enquanto não olharmos para isso, nada será eficaz contra a cultura de estupro.

 

Dica de entrevista:

Edna Kahhale

E-mail: ednapeterskahhale@gmail.com ou ednakahhale@pucsp.br

Ariadne Ribeiro

E-mail: ariadnerf@gmail.com

 

Redação Agência de Notícias da Aids