Nadir Cardozo mostra com orgulho a sua carteira de identidade. Desde que a Argentina sancionou em 2012 a Lei de Identidade de Gênero, todos os cidadãos e cidadãs têm direito a escolher o nome e o gênero que aparecem em seus documentos. Mas apesar do avanço representado pela legislação, dificuldades de acesso à saúde, educação e trabalho formal continuam sendo fonte de exclusão da população transexual.

“Houve uma mudança de paradigma e há questões que estão avançando. Mas outras retrocedem. Continua havendo muita intolerância, embora haja transformações favoráveis que eram impensáveis há 20 anos”, avalia a ativista, que hoje luta pelos direitos da população trans. “O problema é que as mudanças são lentas e, nessa lentidão, muitas companheiras morrem.”

Entre as conquistas, está a determinação pela lei de 2012 de que a mudança de nome e gênero em documentos civis prescinda de avaliação médica ou psicológica. A medida também estabelece que os tratamentos médicos de adequação de gênero sejam incluídos no Programa Médico Obrigatório e, portanto, oferecidos pelo sistema de saúde argentino.

“Para mim, foi o melhor que poderia ter acontecido: poder mostrar num balcão de uma clínica o documento e ser chamada (pelo nome) Nadir Cardozo para ser atendida”, lembra a militante, que chegou à capital do país sul-americano com 20 anos, vinda da província de Jujuy, no norte.

Somente aos 45 anos de idade, Nadir conseguiu seu primeiro trabalho formal, na Fundação Huésped, uma organização que promove o direito à saúde sexual e reprodutiva e desenvolve ações específicas sobre doenças transmissíveis.

Apesar do avanço representado pela nova legislação, a ativista lembra que “ainda falta inclusão no mercado, na educação e no acesso à saúde”.

Saúde das pessoas trans

A vulnerabilidade social da população transexual se traduz em desafios de saúde específicos. O relatório “Pela saúde das pessoas trans”, publicado pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e instituições parceiras, revela que indivíduos transexuais enfrentam altos níveis de exposição à violência, prevalência elevada de infecções sexualmente transmissíveis, índices altos de consumo de álcool e outras substâncias psicoativas e problemas associados ao uso de hormônios sem acompanhamento médico.

De acordo com a publicação, 34% das pessoas trans na Argentina vivem com HIV. O estudo foi elaborado com a Associação de Travestis, Transexuais e Transgêneros da Argentina (ATTTA).

“Hoje, muitas pessoas trans vivem um dia de cada vez. A maioria das mulheres trans são profissionais do sexo. Elas vêm sozinhas das províncias e não têm seguridade social. Quando chegam aos hospitais, às vezes são ridicularizadas e, se os administradores não estão capacitados, eles as tratam como homens. Isso faz com que muitas não queiram se aproximar dos serviços de saúde”, explica Nadir.

O trabalho de conscientização passa por dois caminhos — de um lado, as organizações da sociedade civil dialogam com toda a população para informar os direitos das pessoas trans; do outro, buscam empoderar esse segmento do público LGBTI para que homens e mulheres transexuais possam exercer seus direitos.

Espaços seguros

Nos hospitais Muñiz, Ramos Mejía e Fernández, em Buenos Aires, a ATTTA mantém os espaços “transviver”, locais seguros em que pacientes trans recebem atendimento e orientações de agentes de saúde. Profissionais se certificam de que eles e elas estão sendo tratados e tratadas de acordo com o gênero que escolheram para si. No resto do país, outros centros também contam com consultórios inclusivos, preparados para as pessoas LGBTI.

“O ideal seria que não existissem esses consultórios e que todas as pessoas fossem a uma clínica geral. Que as companheiras tivessem seu trabalho e que houvesse igualdade. Mas estamos numa transição”, diz Nadir.

A OPAS defende a universalização da saúde e o enfrentamento das determinantes sociais do bem-estar, que pode excluir grupos e populações das redes de cuidado e atendimento. Acesse o relatório da OPAS sobre a saúde das pessoas trans na América Latina e no Caribe clicando aqui.

Fonte: ONU Brasil