O segundo debate do webinário “Quarenta anos de Aids no Mundo: o que fizemos, o que falta fazer?” foi marcado pela presença da Dra. Maria Clara Gianna, Centro de Referência e Treinamento em DST/Aids de São Paulo, Veriano Terto, vice-presidente da Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (ABIA), e Harley Henriques, coordenador geral do Fundo Positivo.

Mediado pela monitora em incidência internacional da Rede Mundial de Pessoas Vivendo com HIV, Fabi Mesquita, a mesa falou sobre a entrada dos antirretrovirais no cenário global e o desafio da adesão nos 40 anos de pandemia, o que foi um “divisor de águas”, segundo Fabi.

Maria Clara Gianna contou que começou a trabalhar com aids em 1988, antes mesmo da primeira grade de distribuição do AZT. “Quando a gente fala de antirretroviral precisamos falar do AZT que chegou no país em 1991. Temos também que falar dos profissionais de saúde dos vários locais do país, porque ter uma rede organizada para essa distribuição foi fundamental, além das equipes que começaram a atender os pacientes com HIV, mesmo sem ter ainda esses medicamentos.”

“Para que a gente pudesse ter acesso aos medicamentos, a gente teve um momento muito interessante do país. A gente estava saindo de uma ditadura e a redemocratização do país junto com a organização dos movimentos socias foi parte fundamental dessa história, que precisa ser contada por gestores, por profissionais de saúde e pela militância”, enfatizou.

Segundo a gestora, depois da chegada dos inibidores de protease, já havia uma certa estrutura que favoreceu a melhora da tecnologia dos medicamentos, possibilitando uma redução significativa no número de óbitos.

Nesse sentido, Veriano Terto acredita que a entrada dos antirretrovirais no país é uma conquista da mobilização da sociedade, incluindo uma perspectiva intersetorial e interdisciplinar. “Esse esforço integrado, solidário de diferentes setores, sociedade civil, a academia com a ciência e também com alguns gestores é que fez com que nós conquistássemos esse direito aos medicamentos. Chegou porque houve uma mobilização e uma pressão de baixo para cima.”

Essa mobilização culminou na lei n. 9313 de 1996, que regulariza o acesso universal aos medicamentos no Brasil. “Em “1989, Hebert Daniel publicou um texto chamado ‘O primeiro AZT a gente nunca esquece’ e, nesse mesmo ano, a ABIA fundou o Grupo Pela Vidda de São Paulo, que traz como uma de suas primeiras atividades, a publicação regular do Caderno de Tratamento. Essas iniciativas foram fundamentais para colocar o acesso a medicamento na agenda política do movimento social de aids. Porque buscávamos popularizar as informações científicas através do caderno de tratamento, assim como o texto do Hebert foi importante para colocar uma voz a uma experiência marcante para todas as pessoas com HIV, que é tomar sua primeira pílula. Por isso, a entrada dos medicamentos que temos no país é resultado de uma mobilização política e da sociedade. Medicamento é um direito humano, inclusive reconhecido pela Organização Mundial da Saúde.”

Harley Henriques, por sua vez, começou a trabalhar no mundo da aids inserido do campo social, dentro de uma organização social. Ele lembrou das medicações que haviam na época em que começou, também no ano de 1988, e da experiência marcante para as pessoas que tomavam as medicações disponíveis devido a sua alta toxidade, o que gerava uma relação afetiva com cada novo medicamento que chegava.

“O movimento social foi relevante não apenas para a chegada dos medicamentos enquanto política pública, mas para agilidade da produção dessas medicações. Porque tempo era urgência, porque era vida”, ressaltou.

“Lembro que era uma mão cheia de medicação. Até chegar agora que temos uma medicação de dose única. Veja quanta história e o quanto conseguimos evoluir”, disse ao falar sobre a importância de focar na adesão hoje.

“O que percebemos é que, principalmente agora com a pandemia de Covid-19, houve uma queda na adesão, houve queda no número de atendimentos hospitares, exames laboratoriais como CD4 e genotipagem. Temos incentivado nossa rede a intensificar ações de adesão ao tratamento antirretroviral.”

 

Queda na adesão

Para Maria Clara Gianna, para ter adesão há primeiro que haver disponibilidade dos serviços de saúde, profissionais envolvidos e ao mesmo tempo um trabalho pensado nas pessoas que abandoram o seguimento antirretroviral.

“Durante a pandemia tivemos pessoas que tiveram dificuldade vir aos serviços. Uma das saídas foi realizar um trabalho articulado que o CRT realizou em parceria com o Movimento Nacional das Cidadãs Posithivas e com o Instituto Cultural Barong para levar essa assistência até a casa das pessoas. Essa foi uma estratégia interessante, buscar alternativas em momentos como o dessa pandemia. Isso é encontrar mecanismos para favorecer o acesso e estar mais próximo ao usuário.”

“É preciso avaliar de perto quem faltou, porque não está conseguindo vir, quais são as causas. No início da pandemia, algumas pessoas estavam receosas de vir aos serviços e esses mecanismos são fundamentais e agora precisam ser articulados novamente junto a serviços de saúde, usuários, ONGs”, defendeu Maria Clara.

Nesse sentido, Veriano chamou atenção para a necessidade de entender melhor o que estamos chamando de adesão e abandono de tratamento. “Parece que adesão é tomar ou não tomar o medicamento, mas temos que qualificar isso melhor. Existem questões individuais muito importantes na adesão que precisam ser vistas, como o nível de conhecimento que a pessoa tem sobre sua situação, sua sorologia, sobre o próprio medicamento e como ele entra em sua vida social e particular.”

O Webinário “Quarenta anos de Aids no Mundo: o que fizemos, o que falta fazer?” 2021 tem o apoio do Senac São Paulo, da Gilead Sciences, da Janssen, do Fundo Positivo e da Ecos Sexualidade.

Confira as próximas mesas:

  • 14h30: Ativismo no Brasil fundamental na construção da resposta brasileira. Com a participação de Rodrigo Pinheiro (Fórum Ongs Aids de SP); Javier Angonoa  (consultor independente com trabalhos para Unaids/Unicef, GAPA Bahia); e Alessandra Nilo (Gestos Pernambuco).
    Mediação: Marina Vergueiro – autora do livro “Exposta”, que dá voz às mulheres gordas e/ou que vivem com HIV e são sexualmente ativas.
  •  16h30: Da Camisinha a PrEP: Novas tecnologias de prevenção e o estigma que persiste. Com: Drew Persí (Youtuber, coautor do Som das Décadas); Carué Contreiras (médico e ativista); e Dra. Adele Benzaken (membro do comitê de certificação da eliminação da sífilis e do HIV da OPAS-Organização Pan-Americana de Saúde e vice-presidente do comitê de especialistas da OMS).
    Mediação: Juny Kraiczyk – diretora geral da ECOS e pesquisadora do Núcleo de Pesquisa em Direitos Humanos e Saúde LGBT da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.

 

Redação da Agência de Notícias da Aids