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Na última semana, um vídeo postado pela jornalista e apresentadora Regina Volpato em suas redes sociais incendiou a internet brasileira. O que era para ser apenas mais um vídeo de conselhos para seus seguidores, fez o Brasil parar e refletir sobre o quanto aqui ainda somos desinformados e preconceituosos quando o assunto é HIV/Aids.

Tudo começou quando, na resposta enviada para a caixinha “Qual o seu dilema?”, um seguidor contou que estava apaixonado por um rapaz que só havia revelado que vivia com HIV depois do terceiro encontro. Como conselho, Regina recomendou não confiar nem se relacionar com alguém com HIV que ocultasse essa informação, afinal “o que mais esse moço seria capaz de fazer?”.

O vídeo provocou imediato tsunami nas redes sociais. Acusada de discriminar as pessoas que vivem com HIV/Aids, rapidamente a jornalista substituiu o vídeo por outro com um sincero e adequado pedido de desculpas (veja abaixo).

Mas será que uma pessoa que vive com HIV é obrigada a revelar seu diagnóstico para todas as suas parcerias sexuais? Foi a partir daí que eu comecei a gostar de verdade de toda essa história.

Ao gravar este vídeo para seu seguidor, Regina Volpato nos teletransporta para a década de 1980, uma época em que, para o senso comum, o HIV era uma catástrofe iminente a nos rondar e as pessoas com esse vírus eram consideradas como perigosas, que tinham se infectado em decorrência de um desvio de comportamento.

Infelizmente, por desinformação e por preconceito, a mentalidade de grande parte dos brasileiros permanece até hoje na década 1980, apesar de todo o avanço médico e científico na prevenção e no tratamento do HIV desenvolvido ao longo desses mais de 40 anos de epidemia.

O episódio da Regina Volpato, entretanto, provocou uma movimentação. Em parte, por medo de serem canceladas, mas também por genuíno interesse, de uma hora para a outra muitas pessoas começaram a buscar informação e tomar cuidado para não falar besteira sobre o tema.

Ao ver Regina Volpato na berlinda da internet por emitir uma opinião que muito provavelmente era igual à sua, muita gente se desarmou dos seus preconceitos e se permitiu aprender as atualizações do mundo do HIV/Aids. Por outro lado, infelizmente teve também quem aproveitasse o movimento para vomitar toda a sua sorofobia enrustida nas redes sociais.

O importante é que Regina Volpato conseguiu com o ocorrido furar a bolha, fazendo com que muita informação valiosa sobre o tema chegasse em solos áridos que, em pleno 2024, ainda acreditavam que a camisinha sozinha seria capaz de resolver a epidemia de HIV/Aids.

Muita gente teve aí o seu primeiro contato com dados científicos que já eram conhecidos e divulgados há mais uma década, mas que simplesmente não chegavam e nem eram assimilados por todos. Um exemplo disso é a não progressão para a Aids e a ausência de risco de transmissão sexual obtidos com o tratamento antirretroviral adequado.

Hoje sabemos que além do uso do preservativo e do tratamento antirretroviral, existem muitos outros potentes métodos de prevenção do HIV, tais como a testagem periódica, o pré-natal das gestantes e as Profilaxias Pré e Pós-Exposição (PrEP e PEP), na forma de comprimidos, injeções e anéis vaginais com antirretrovirais. E que o melhor método para cada pessoa é aquele que consegue usar.

Sabemos também que a camisinha, quando recomendada isoladamente, não conseguiu controlar a epidemia de HIV em nenhum lugar do planeta. E que somente com a associação destes diferentes métodos de prevenção, foi possível obter uma redução significativa nas novas infecções por HIV, nos dando a esperança de um futuro em que essa epidemia terá sido enfim erradicada.

Tais mudanças de paradigma tornaram possível uma pessoa viver saudável com HIV e sem riscos de transmissão do seu vírus. Assim, também permitiu que esse diagnóstico deixasse de ser assunto para ser tratado pela sociedade em praça pública, como no caso da Revista Veja retratando o Cazuza.

O HIV se tornou um tema de foro individual, entrando na longa lista das intimidades humanas, que podem ou não ser reveladas, somente se, quando e para quem um determinado indivíduo assim decidir.

Fazendo isso, pessoas que vivem com HIV em tratamento antirretroviral adequado não são perigosas ou pouco confiáveis nem tampouco devem ser culpadas por absolutamente nada. Existem inclusive leis que asseguram a essas pessoas o sigilo do seu diagnóstico.

Ao errar, pedir desculpas e querer aprender, Regina Volpato convida toda a grande ala preconceituosa e desatualizada do Brasil a fazer o mesmo.

Se o seguidor enviasse para mim o “seu dilema” em busca de um conselho, primeiro eu o orientaria a agradecer ao rapaz por ter confiado e revelando para ele essa intimidade que é o diagnóstico do HIV.

Em seguida, diria que o mais difícil para um bom encontro se concretizar eles já tinham conseguido: a afinidade.

Por fim, diria que a prevenção do HIV, em 2024, é a parte mais fácil dessa história. Bastava o casal procurar se informar sobre a moderna prevenção combinada do HIV e encontrar os métodos de prevenção que se adaptavam às suas vidas sexuais.

Regina Volpato, obrigado por colocar esse tema em pauta. Só deixaremos de ser sorofóbicos se reconhecermos isso e conseguirmos falar com conhecimento e naturalidade sobre HIV/Aids.

Fonte: UOL / Rico Vasconcelos