Na noite dessa terça-feira (27), ativistas, representantes da sociedade civil, do governo e jornalistas assistiram à exibição do documentário Youtubers e HIV que apresenta jovens que vivem com HIV e utilizam seus canais no youtube para falar de suas experiências com o vírus. 

Após a exibição, houve debate sobre o filme e seu contexto sociopolítico contou com a presença dos ativistas e entrevistados da obra, Pisci-Bruxa e João Geraldo Netto, de Adriano Caetano, consultor do Fundo Internacional de Emergência para a Infância das Nações Unidas (Unicef), da coordenadora adjunta do Programa Estadual de DST/Aids de São Paulo, Maria Clara Gianna, de Marcos Blum, do Programa Municipal de DST/Aids de São Paulo, além da diretora do documentário e da Agência de Notícias da Aids, Roseli Tardelli.

Sobre o enfoque da obra, Roseli afirmou que é necessário se aproximar dos jovens. “Às vezes tenho a impressão de que falamos com eles vestidos de smoking.  A intenção é trazer a possibilidade de falar de sexualidade, direitos humanos também para pessoas que não estão no mundo da aids entenderem o que é prevenção, o que é o vírus. Nosso grande desafio nesse contexto é continuar a ter voz.”

Para Maria Clara, o documentário vai além e não atinge apenas os jovens. Ela ressaltou a presença das mãe dos youtubers em forma de depoimento no decorrer do filme, o que retrata a importância do acolhimento familiar principalmente no momento em que se recebe o diagnóstico positivo. “Lógico que nem todas as famílias são assim, mas situações positivas como essas são muito importantes para serem compartilhadas. Essa proteção familiar não é só para o jovem, ela conversa com todo mundo, com a família e a rede de acolhimento como um todo.”

Segundo Marcos Blum, a palavra “construção” é o destaque da noite. Ele defende que a maneira como jovens usam a tecnologia para se expressar através de uma linguagem adequada para atingir as pessoas é um exemplo que precisa ser ampliado. “Precisamos também dialogar com as pessoas que estão vivendo com HIV/aids há mais tempo.”

Para Adriano Caetano, a obra evidencia a necessidade de abordar outras questões prioritárias para além de falar de teste rápido e prevenção combinada. “A meu ver, nesse momento, é mais importante falar sobre questões como gênero e redução de danos, porque essas pessoas vão voltar para suas realidades e enfrentar o estigma.”

Contexto Político

Nesse sentido, desafios diante do atual cenário político não ficaram de fora do debate. A ativista Pisci Bruxa discursou sobre como grupos historicamente marginalizados são atingidos pela doença. 

“Aids não é flor, ela não brilha, aids dói. Sobretudo para população negra, mulheres negras e LGBT. Quando falamos sobre tudo bem viver com aids, temos que perguntar: para quem? As taxas de mortalidade por aids em mulheres negras, por exemplo, é muito maior. Isso é devido a um racismo estrutural que vai afastar as pessoas do diagnóstico, do acesso a saúde.”

Ao pontuar questões sobre sua fala no documentário, Pisci afirmou que ressignificou alguns pontos, como por exemplo, o uso do termo “aidético”, que era utilizado por ela para se referir às pessoas vivendo com HIV. “Quando dispositivos como governo, mídia e corporações se articulam em rede é que se constrói o corpo aidético como um monstro social, perigoso . Não digo mais que sou aidética, digo que vivo ou sobrevivo com aids. O termo ‘aidético’ agora vai para a conta deles.”

Sobre possibilidades de soluções para um cenário de discriminação e estigma, Pisci coloca que é preciso ir além do reconhecimento de privilégios e se mostra preocupada com o atual cenário político. “Trata-se de adotar práticas antiracistas, é construir ouvindo e percebendo as pessoas que circulam junto com a gente. O que a gente vai fazer daqui pra frente? Como a gente pode se articular . Eu não posso pagar 2.300 reais em remédio. Talvez pra mim reste a diáspora , como aconteceu com as pessoas da Venezuela.” 

Já Maria Clara Gianna assumiu tom otimista e afirma acreditar que não haverá retrocesso nos direitos adquiridos pelas pessoas vivendo com HIV/aids no Brasil. “Construimos uma resposta consistente. Não acredito que a gente possa ter prejuízos, vamos ter que nos organizar. A gente precisa apostar no diálogo e apostar que é possível manter o que conquistamos ao longo do tempo. Talvez a gente tenha que ter outras formas de resistência. Vamos ter que dialogar e militar. Vamos ter que resistir.” 

Nesse contexto, para Marcos Blum, a resposta está em fortalecer o SUS para fortalecer a base. Segundo ele, espaços como do conselho gestor e do município precisam ser ocupados pelos youtubers para que sejam levadas outras experiências a fim de dialogar.

Ainda assim, João Geraldo Netto diz estar com medo dos possíveis retrocessos que já são possíveis de observar. “Eu tenho medo de tudo o que pode acontecer. Mas talvez a gente tenha que passar por um processo de transformação. A gente grita tons muito diferentes e eles não chegam a quem precisa. Há uma necessidade de uma ressignificação do ativismo e precisamos perceber que talvez ou a gente se junta ou morreremos juntos.”

O documentário também será exibido no canal Futura no dia 1 de Dezembro, Dia Mundial de Luta Contra a Aids, e na TV Cultura em data a ser divulgada. A realização da obra contou com apoio do Departamento de IST, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde, Linha de Montagem e Via TV.

 

Jéssica Paula (jessica@agenciaaids.com.br)