Joneilda Moraes, Diogo Norte, Cintia Cerigatto, Kaah Sousa, Dario Silva, João Batista Freitas, Vera Lucia de Jesus, Sandra Regina, Wanda Almeida, Sidney Nunes. São alguns dos pacientes com hepatite C que aguardam há quase um ano o medicamento sofosbuvir, cujos lotes estavam parados no almoxarifado do Ministério da Saúde e, agora, prestes a vencer, estão sendo enviados às pressas às secretarias estaduais de saúde.

A história toda demanda uma rigorosa apuração e punição dos eventuais responsáveis por essa atrapalhada que pode causar prejuízos aos cofres públicos e, de uma forma ou de outra, danos a 15 mil pessoas (8.000 apenas em São Paulo) que estão à espera do tratamento.

Quantos tiveram a doença piorada nesse período? Quantos morreram pela falta dos medicamentos? Quantos estão deprimidos pela insegurança que a situação trouxe? Na página do grupo Otimismo de Apoio ao Portador de Hepatite os relatos são os mais diversos e nos dão a dimensão do drama enfrentado pelos doentes.

A explicação oficial para o imbróglio é a seguinte: o sofosvubir havia sido adquirido em 2017 e esperava nos armazéns do ministério a chegada do daclastavir, outro remédio que precisa ser tomado em conjunto para se alcançar a eficácia esperada do tratamento (que ultrapassa 90%).

Ocorre que por atrasos na licitação, a compra só foi feita em novembro passado, por pregão emergencial. Foram comprados 15 mil tratamentos. Se um remédio precisa necessariamente estar associado a outro faz algum sentido ser comprado somente um ano depois do primeiro?

A bomba agora está nas mãos das secretarias estaduais de saúde. Em documento, o ministério recomenda que os medicamentos sejam distribuídos até o próximo dia 25, a pouco mais de um mês da data de vencimento do sofosbuvir. Ao todo, são 2.200 tratamentos que têm de ser usados até 28 de fevereiro. Caso contrário, o prejuízo aos cofres públicos será de R$ 18 milhões.

Leonardo Vilela, presidente do Conass (conselho nacional de secretários estaduais de saúde), já disse não há como cumprir o prazo por uma questão de logística e do tempo necessário para que os pacientes sejam acionados. “É absolutamente impossível”, afirmou à Folha.

Há ainda uma outra preocupação: haverá remédios suficientes para completar o tratamento? Em São Paulo, por exemplo, não há. Os esquemas terapêuticos variam de acordo com o tipo do vírus e a gravidade do paciente e podem ser de 12 ou 24 semanas.

A quantidade enviada pelo ministério é suficiente para um mês, segundo o governo paulista. O tratamento não pode ser interrompido porque há risco de perda de eficácia. Por isso, ele só é iniciado quando há estoque para todo o esquema (que pode envolver duas ou mais drogas). O ministério garante que há medicamentos suficientes.

Imaginem o desespero dos pacientes. Ficam um ano angustiados à espera de um tratamento essencial. E quando recebem a notícia de que, finalmente, ele chegará, correm o risco de recebê-lo prestes do vencimento ou nem receber já que as secretarias estão resistentes em fazê-lo nessas condições.

Além disso, há dúvidas se os exames realizados quando da solicitação do tratamento, como o de carga viral, serão considerados válidos ou se o paciente terá que realizar outros para receber os medicamentos. Se houver a necessidade de repetir os testes, será um problema a mais para cumprir o tempo determinado pelo ministério.

Ainda em relação à hepatite C, houve grande retrocesso no acesso a tratamentos nos últimos dois anos. Segundo Carlos Varaldo, do Grupo Otimismo de Apoio ao Portador de Hepatite, em 2016 foram realizados 36.627 tratamentos. Em 2017, 25.988, e em 2018, apenas 13 mil. A expectativa é a que o novo governo trate neste ano 50 mil pacientes.

Também há suspeita sobre uma compra de 13 mil tratamentos para hepatite C (sofosbuvir e daclatasvir) feita por pregão no apagar das luzes do governo de Michel Temer. Segundo Varaldo, com o mesmo valor pago por tratamento (US$ 2.500 por um esquema terapêutico de 12 semanas), teria sido possível comprar outros tipos de medicamentos mais baratos, tão eficazes quanto no combate da hepatite C, o que poderia ter duplicado a quantidade de terapias disponíveis. A entidade levou a denúncia ao TCU (Tribunal de Contas da União).

São alguns dos problemas que a nova gestão do Ministério da Saúde já começa a enfrentar. Há outras demandas urgentes que devem ser levadas nesta semana ao ministro José Henrique Mandetta por representantes dos conselhos de secretários estaduais e municipais de saúde. Entre elas, a proposta de Mandetta de criação de um terceiro turno na atenção primária.

Os municípios já investem muito da receita em saúde (23%, em média, quando a Constituição determina 15%) e dizem que não conseguem assumir mais nada se não houver repasses extras do governo federal.

A maioria das prefeituras, pela Lei da Responsabilidade Fiscal, não pode contratar mais funcionários. Já atingiram o limite de 60% da receita com ativos, inativos e pensionistas. Ou seja, não adianta o Ministério da Saúde repassar responsabilidades sem dizer de onde virão os recursos.

Cláudia Collucci, jornalista especializada em saúde, autora de “Quero ser mãe” e “Por que a gravidez não vem?”.

Fonte: Folha de S. Paulo