Em resultado inédito, a CPI da Covid aprovou nesta terça-feira o relatório do senador Renan Calheiros (MDB-AL), que sugere o indiciamento do presidente Jair Bolsonaro, outras 77 pessoas e duas empresas. É a primeira vez na história que uma comissão parlamentar aponta uma lista de delitos tão extensa atribuídos a um presidente da República. São nove delitos, incluindo crimes contra a humanidade. A votação nominal foi 7 a favor a 4 contra.

Leia os votos nominais:

– Eduardo Braga: Sim;

– Renan Calheiros: Sim;

– Luis Carlos Heinze: Não;

– Eduardo Girão: Não;

– Tasso jereissati: Sim;

– Otto Alencar: Sim;

– Marcos Rogério: Não;

– Jorginho Mello: Não;

– Humberto Costa: Sim;

– Randolfe Rodrigues: Sim;

– Omar Aziz: Sim.

Pouco antes da votação, durante a etapa de discussões, Renan acatou novas alterações propostas por parlamentares. Ele acrescentou o indiciamento do governador do Amazonas, Wilson Lima, por epidemia com resultado morte, prevaricação e crimes de responsabilidade; e do secretário de saúde do estado, Marcellus Campêlo, por prevaricação.

O senador Luís Carlos Heinze (PP-RS), que é membro titular da Comissão Parlamentar de Inquérito, estava na lista por incitação ao crime, mas foi retirado na noite desta terça após pressão. O pedido foi feito por Alessandro Vieira (Cidadania-SE), a fim de obter conciliação nos votos, e acatado por Renan. Alinhado ao governo, o senador é conhecido pela larga defesa ao “kit Covid”, com medicamentos ineficazes contra o coronavírus.

Bolsonaro é acusado pelo relator de epidemia com resultado de morte; charlatanismo; infração de medida sanitária; emprego irregular de verbas públicas; incitação ao crime; falsificação de documento particular; prevaricação; crime contra a humanidade, violação de direito social e incompatibilidade com dignidade, honra e decoro do cargo.

Em mais de mil páginas, Renan destaca em seu parecer que Bolsonaro agiu de modo consciente e sistemático contra os interesses do Brasil, colaborou fortemente para a propagação da covid-19, foi responsável por erros de gestão e tinha interesse em encorajar os brasileiros a se expor ao contágio sem proteção, para que pudessem ser infectados pelo vírus sem barreiras.

“A população inteira foi submetida aos efeitos da pandemia, com intenção de atingir a imunidade de rebanho por contágio e poupar a economia, o que configura um ataque generalizado e sistemático no qual o governo tentou, conscientemente, espalhar a doença”, diz o relator em um dos trechos.

Além de Bolsonaro, também tiveram pedidos de indiciamento aprovados o ministro da Defesa, Walter Braga Netto, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, o ministro do Trabalho, Onyx Lorenzoni, e o ministro da Controladoria-Geral da União, Wagner Rosário. A lista também inclui outros integrantes e ex-integrantes do governo, entre eles empresários, deputados e médicos.

O fim da última sessão da CPI da Covid foi marcado por discursos acalorados de Omar Aziz (PSD-AM) e de Randolfe Rodrigues (Rede-AP), presidente e vice da comissão.

“A CPI promoveu a vacinação, desnudou um balcaão de negócios no Ministério e impediu um golpe de R$ 1,6 bilhão (no caso Covaxin)”, disse Randolfe, que homenageou as vítimas da Covid-19 e os profissionais de saúde.

Renan, por sua vez, destacou a participação de mulheres ao longo dos trabalhos da comissão. Foi Simone Tebet (MDB-MS), por exemplo, quem obteve a confissão de que o líder do governo no Senado, Ricardo Barros (PP-PR), teria ligação com o Caso Covaxin. Mesmo sem cadeira e direito a voto, outras senadoras, como Eliziane Gama, Leila Barros, Zenaide Maia e Soraya Thronicke tiveram participação assídua nas sessões.

Na tentativa minimizar o fato de a CPI ter nenhuma mulher entre os membros titulares e suplentes, os senadores garantiram que elas tivessem prioridade de fala no início das sessões. Eliziane chegou até mesmo a ser considerada a oitava integrante do G7.

“É passada a hora de encerrar essa noite macabra. Que aqueles que se omitiram, erraram, se esconderam paguem pelos crimes perpetrados”, resumiu o relator.

Próximos passos

Depois de ser chancelado pela CPI, o documento deve ser enviado para órgãos de fiscalização e controle — o principal deles, o Ministério Público. O MP analisa o material enviado pela CPI e decida se apresenta a denúncia, que pode ser acolhida ou rejeitada pelo Judiciário. Na primeira hipótese, abre-se então um processo criminal no qual os suspeitos serão julgados e, ao fim, condenados ou absolvidos. O documento deve ser entregue na quarta-feira, às 10h30.

Uma das práticas atribuídas pelo relatório de Renan ao presidente, o crime de responsabilidade, não vai para o Ministério Público, mas para o Congresso. Apenas o Legislativo tem o poder para julgar o presidente da República por tal delito, que pode levar ao impeachment. No caso de Bolsonaro, porém, é pouco provável que isso ocorra.

Fonte: O Globo