Na terça-feira (16), a Agência Aids colocou no ar mais uma live do projeto “Mulheres e suas dimensões na atualidade”, desta vez abordando o tema “Empoderamento das mulheres no mundo”. À frente da conversa, a jornalista e educadora Fabi Mesquita, hoje morando na cidade de Yangon, Mianmar, país que há poucas semanas sofreu um golpe militar que está em vias de se transformar em uma guerra civil.

Suas convidadas foram Elisiane Pasini, antropóloga e ativista feminista nascida no Rio Grande do Sul e hoje estabelecida em Marselha, na França; e Adriana Bertini, artista multimídia que utiliza seu trabalho como ferramenta de mudança social e para conscientizar sobre sexualidade e HIV/aids.

Fabi Mesquita iniciou dizendo que, às vezes, se tem uma noção muito estereotipada do que é empoderamento. “Eu vivi em países católicos, muçulmanos, budistas de diferentes linhas, confucionistas e é muito interessante que o que é empoderamento feminino para um pode ser diferente para o outro”, relatou, e quis saber de Adriana Bertini sobre e a questão da mutilação genital, como discernir o que é cultural da violência propriamente dita.

Adriana foi um dos cinco artistas escolhidos pela Anistia Internacional para participar de um projeto sobre esse tema e participou de várias ações do movimento global, que se estendeu por 48 países. “Em um determinado momento eu me perguntei o que essas mulheres que praticam a mutilação genital, o que elas recebem de contrapartida para parar de fazer essa prática, e aí fiquei meio sem resposta”, contou ela. Então, resolveu investigar o projeto a fundo e descobriu que não havia uma contrapartida. Existia o diálogo de várias ONGs, várias agências  trabalhando para acabar com a prática, projetos de lei, petições, mas de fato, na comunidade, a mulher em si não recebia nada.

“Eu trabalhei com cinco grupos de mulheres, mulheres que faziam a prática com canivetes, facas, resto de cacos de vidro, latas, das formas mais precárias possíveis e, dentro disso, acabei criando estratégias dentro da arte, criando projetos, praticando a escuta, a observação dessas comunidades, indo nos locais e observando qual era o talento dessas pessoas, quais eram os sonhos delas. E percebi que, numa comunidade ou outra, a dança tinha muita expressão, a costura ou a pintura, e consegui ressignificar aquele ambiente dela em um   contexto artístico para tirá-la dessa realidade, porque geralmente essas mulheres são banidas quando elas param de fazer a prática em suas comunidades”, contou. A artista ressaltou que o que mais aprendeu com essa experiência foi escutar, observar, entender que são mulheres como as outras, só que não têm poder de fala e precisam ser empoderadas. “A parte mais importante é entender que somos corpos, somos veículos artísticos e que podemos falar sobre sexualidade, gênero, por meio da arte e com nosso corpo, enquanto veículo e expressão”, concluiu.

Para Elisiane, os corpos são terrenos de ressignificação. “Nesse ano de confinamento, eu tenho falado muito e aprendido que nosso corpo é nossa moradia também. Nós mulheres vivemos em uma cultura onde fomos criadas para cuidar de nossas casas, mas muitas vezes a gente não cuida do nosso corpo, que é a nossa casa. E como ele é fundamental nisso”. E observou que a discussão sobre o trabalho sexual é muito importante. “Eu gosto muito de uma passagem quando eu estava fazendo o meu mestrado, uma trabalhadora sexual me disse ‘Lis, eu não vendo nada, está tudo aqui. O que eu vendo são fantasias, desejos, mas o meu corpo está aqui, ninguém tira um pedaço de mim’. Isto pra mim é uma chave de entender o trabalho sexual, do que a gente está falando, de quanta opressão desse corpo a gente está falando.” A antropóloga entende que as trabalhadoras sexuais essa discussão fortemente para nós, sobre como usar esse corpo como a gente quer. “Porque a gente que não é trabalhadora sexual costuma usar o corpo de uma forma que parece bom, sou doutora em antropologia, que chique. Mas eu também troco alguma coisa por outra, nem sempre é dinheiro, a gente faz por algo que quer, um desejo. As trabalhadoras sexuais também, mas existe um tabu nisso, que é o tabu da sexualidade. Porque nós mulheres não podemos usar o corpo como a gente quer. Nós não temos esse direito, a gente sabe disso”, pontuou.

Empoderamento

Em relação ao empoderamento feminino no mundo, Adriana Bertini disse que anda muito atenta à questão infantil por estar trabalhando ultimamente com adolescentes e jovens. “A criança empoderada, a criança informada é a mulher empoderada de amanhã. Eu percebo, principalmente na América do Norte, que é a minha maior experiência, que a maturidade das meninas americanas vem muito mais tarde do que, por exemplo, a das brasileiras. O que eu percebo é que a gente trabalha muito pouco com o empoderamento em si. O que eu tenho trabalhado mais nas minhas oficinas, geralmente é a questão da sexualidade e o empoderamento de escolha da cartela de prevenção. Existe uma desinformação muito grande entre jovens de até 25 anos, que é uma coisa que me surpreende muito”. Adriana considera falha o sistema de educação sexual relacionado ao empoderamento feminino de jovens e adolescentes. “O diálogo não vem do núcleo familiar e isso é muito complicado porque a escola é importante, mas é um coadjuvante na educação.”

Fabi salientou que, no Brasil, as pessoas falam sobre sexo, não necessariamente sobre sexualidade, sobre empoderamento. “Nos meios de comunicação, nos espaços que os jovens frequentam, temos uma visão muitas vezes bem deturpada em relação ao que deveria ser, reproduzindo machismos, sexismos, estigmas, discriminação contra mulher, cultura de estupro…Percebemos que não estamos imunes a isso”.

“Quando eu falo essa frase que é linda, que ‘eu vou ser quem eu quero ser’, na vida real isso não existe 24 horas, isso é uma luta constante”, disse Elisiane. “Eu acho que nenhuma de nós está pronta e que isso não é uma realidade simples. Justamente essa é a grande luta. O que é muito importante é a gente se acolher. E o processo de empoderamento, que é uma discussão difícil, acho que vem nesse lugar de dar as mãos mesmo. Hoje está muito na moda dizer ninguém solta a mão de ninguém, mas essa é uma história desse feminismo que a gente conhece, que sempre foi assim”.

 

Mauricio Barreira

 

 

Dica de Entrevista

 

Adriana Bertini

E-mail: condomart@gmail.com

Elisiani Pasini

E-mail: lispasini@gmail.com