No último confronto dos presidenciáveis, candidatos nanicos ajudaram a lembrar que a saúde sairia derrotada do debate. Enquanto Padre Kelmon ironizou “vocês só falam de covid”, Felipe d’Avila liberalizou o SUS, definido por ele como “a maior parceria público privada do mundo” . A CPI da Covid, a longa espera por atendimentos na rede pública e a atenção aos idosos foram mencionadas, mas agressões e baixarias abafaram o assunto.

Nem mesmo as mortes de mais de 680 mil pessoas por covid no Brasil foram suficientes para transformar a saúde em tema prioritário nessas eleições.

Propostas para a saúde, que após a pandemia sacudiram a disputa eleitoral nos EUA, França e outros países, não compareceram no debate nacional.

Miséria, desemprego e o mal maior de um eventual segundo mandato de Bolsonaro embalaram alianças que prescindiram de programas comuns para políticas sociais.

Em pesquisas recentes de opinião, a saúde continua sendo o motivo de maior preocupação dos brasileiros, das filas do SUS às negativas de cobertura dos planos de saúde, mas as plataformas de governo registradas no TSE não levaram as súplicas dos cidadãos muito a sério.

O programa de Bolsonaro errou até o nome do SUS e afirmou, cinicamente, que um milhão de mortes por covid foi evitado pelo governo federal. O de Lula trouxe apenas diretrizes gerais, a campanha anunciou que o documento provisório seria completado, mas isso não aconteceu.

Nas propagandas do horário eleitoral, nos debates e sabatinas, prevaleceram a reciclagem de propostas de eleições anteriores e o destaque para realizações e marcas de governos passados.

Falou-se da ampliação de serviços de atenção primária, reajuste dos valores pagos pelo SUS para procedimentos, mutirões de cirurgias, telemedicina e contratação de médicos especialistas, porém sem nenhum detalhamento sobre como serão obtidos apoios políticos e recursos financeiros para viabilizar tantas peças desencaixadas.

No vácuo dos programas proliferaram documentos que antecipam pressões ao governo eleito. Entidades de saúde pública querem 6% do PIB destinado ao SUS.

A Confederação Nacional da Indústria (CNI) exigirá compensação para as empresas que desembolsam mais de R$ 60 bilhões por ano com planos privados para trabalhadores.

O Sindusfarma, que representa a indústria farmacêutica, pede a isenção de impostos e a liberação do preço de medicamentos. Desoneração da folha de salários é a condição dos hospitais privados para o pagamento do piso da enfermagem, que agora é lei.

A soma das reivindicações resultaria no paradoxal aumento de recursos públicos a serem destinados ao setor privado, inclusive a serviços que não atendem o SUS.

Quem já garantiu lugar na primeira fila foram os empresários de planos de saúde. Doaram dinheiro aos diretórios do PT e do PL e, entre visitas pessoais e jantares com candidatos, deram seu recado: desejam expandir o mercado e não largarão o comando da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

Assim, o SUS passou pelo ano eleitoral, ora como utopia irrealizável, ora enquanto um compromisso implícito e trivial. A população vai às urnas sem respostas para aquilo que espera há muito tempo, sobre onde, quando e quais cuidados à saúde serão ofertados para quem. O por fazer, o que define o futuro de sistemas de saúde universais, permanece em suspensão.

Fonte: Estadão