Maquiagem exagerada, perucas, boas histórias, muito brilho, linguagem própria e irreverência. Não faltou bons ingredientes na Live “Drags em Tempos de Pandemia”, da Agência Aids. A jornalista Roseli Tardelli conversou, na noite dessa terça-feira (16), com as drags Dindry Buck, Sissi Girls, ambas do Esquadrão das Drags, e a Tchaka, que é considerada a Rainha das Festas de São Paulo. Elas falaram sobre os desafios de ser drag, viver da arte e respeitar o distanciamento social exigido pela pandemia do novo coronavírus. Drag queen não é uma expressão de gênero, são personagens criadas por artistas performáticos. Apesar de socialmente associada à comunidade gay, a arte drag não tem a ver com gênero ou sexualidade.

De forma bem descontraída, Roseli quis saber qual foi o maior mico que as drags pagaram enquanto artistas. Dindry, que é uma personagem vivida por Albert Roggenbuck, publicitário, ator e maquiador, disse que são tantos que já perdeu a conta. “Trabalhar com eventos é uma faca de dois legumes, você invade uma festa que não conhece ninguém e precisa fazer a intima de todo mundo. É mico atrás de mico, mas é fantástico levar alegria, humor e irreverência para as pessoas.”

Para Dindry, ser drag e levar alegria para os lugares é mais do que uma profissão, é uma missão. “A história que me marcou foi em uma festa de aniversário para dois rapazes. Em determinado momento chamei dois senhores para homenagear os rapazes. Um dos senhores era o pai de um dos aniversariantes e não falava com o filho há seis anos. Ele pegou o microfone e disse: só quero pedir perdão e dizer que eu te amo. A mãe do garoto veio e me grudou  e disse que eu consegui fazer em uma brincadeira o que a família não conseguiu, é sublime.”

Tchaka Drag Queen, personagem criada pelo ator Valder Bastos, disse que “o mico é quando a gente é jogada na piscina, tiram a nossa peruca ou quando você tem um piriri e precisa terminar o telegrama logo.” Ela está comemorando 20 anos de drag com 5 mil apresentações no Brasil inteiro. “Já fiz apresentações para judeus, para colônia oriental, para o PCC, para famosos, dentro de uma sela do Deic.”

Já Sissi Girl, personagem de Ailton Almeida, lembrou de um episódio bem engraçado quando comprou um salto e bordou todo de cristal. “Fomos chamados para um evento de uma empresa que trabalha com empreendimentos imobiliários. Estes eventos são sempre luxuosos. Fui eu com meu sapato de cristal, cheguei lá e era a fundação da obra, tudo de barro e um palanque com dois cavaletes e tábuas. Pisava e o salto afundava no barro, nos divertimos muito.”

Sobreviver na pandemia

Mas em tempos de pandemia histórias como as da Sissi estão apenas na memória. As drags, que vivem de festas, eventos, performances, telegramas e levam para as pessoas momentos mágicos, tiveram que se reinventar.

Para sobreviver e levar a arte drag adiante, Sissi, que também é embaixadora da AHF Brasil, contou que está fazendo telegrama virtual. “Todos os nossos eventos foram cancelados. Por isso, comecei a trabalhar online. A pessoa me contrata, me monto e faço interação virtual. Pode ser ao vivo ou gravado. A pessoa que recebe fica muito feliz, é sinal de que alguém lembrou dela no aniversário, despedida de solteiro e outros. Todos os telegramas virtuais que fiz até agora foram emocionantes, as pessoas choram de alegria.”

Dindry mora na zona leste de São Paulo e tem percebido em seu bairro que as pessoas estão agindo como se nada tivesse acontecendo. “Infelizmente nem todos entenderam a gravidade dessa pandemia. Nós, artistas, tivemos que nos reinventar, as festas pararam e já sabemos que a cultura e o entretenimento vão demorar para voltar ao normal. O que tem salvado a minha vida são lives que faço para empresas, algumas até em parceria com a Parada do Orgulho LGBT de São Paulo.”

Tchaka disse que tem se identificado muito com uma fala do professor Leandro Karnal. “Ele diz o seguinte: o ser humano passa por quatro etapas em cenários de guerra, fome, frio e pandemia. A primeira etapa é a negação, a segunda a gente diz: é só uma gripezinha, é lá da China, já já passa. O terceiro comportamento é a paralisação, a pessoa não consegue respirar. Eu já passei por todas essas, mas estou na quarta etapa que é: existe a guerra, o frio, a fome e a doença, mas eu posso criar ações para caminhar através dessa realidade que está posta. As lives têm sido importantíssimas, tenho tentado me reinventar, estou no momento de ouvir, todo mundo quer falar, gritar e ninguém quer escutar. Estou fazendo lives com outras bolhas. A Associação da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo tem sido bastante importante em minha vida, fizemos até live com a Pablo Vittar. Tenho aprendido outras moedas, a moeda da troca, da solidariedade, da escuta. O momento é delicado, mas não é só você que está se ferrando, é o mundo. O que podemos fazer como coletivo”, questionou.

Sissi afirmou tem aprendido com essa pandemia. “Tenho atendido ligações de amigos que estão com algum problema. Aprendemos a viver com pouco. Mesmo no distanciamento, a união tem sido maior.”

De acordo com Roseli, “o isolamento social nos trouxe o sentimento de humanidade. Estamos todos mais reflexivos, sentimentais, humanos. Somos pessoas que gostamos de estar com pessoas.”

Comilança

Descontraídas, elas falaram ainda sobre alimentação, ganho de peso e rotina durante a quarentena. Sissi assumiu que ganhou peso, Tchaka tem se concentrado no menu diário feito pelo marido e Dindry continua fazendo exercícios físicos para manter o corpo em dia.

Parada do Orgulho LGBTI+ de São Paulo

Outra pauta que ganhou destaque no bate-papo colorido foi a Parada online. Pela primeira vez após 23 edições, a Parada do Orgulho LGBT+ de São Paulo foi realizada no domingo (14) em ambiente completamente virtual. Por conta da pandemia do novo coronavírus, o maior evento do gênero no mundo não pôde acontecer presencialmente. Manifesto pela democracia, debates e shows marcam a transmissão online. O tema deste ano é a democracia.

Dindry disse que tem esperança que a Parada volte para rua ainda este ano, em novembro. “Tivemos no último domingo a Parada virtual, um formato totalmente diferente, achei interessante porque teve militância, informação, shows. Quero estar na Paulista em novembro celebrando o orgulho de sermos o que somos.”

Sissi também gostou da versão online, mas para ela faltou dar espaço para as pessoas que faz a parada acontecer. “Esqueceram de nós, drags e artistas da noite. É claro que o formato foi interessante, mas faltou muita coisa.”

Tchaka disse que Sissi tem razão nas críticas e acrescentou que muitas pessoas estiveram de fora. “Temos que dar um desconto porque é a primeira parada online, o momento é de avançar. Temos que ouvir o que faltou e trabalhar para pensar as próximas edições.”

O Esquadrão

O ativista Cássio Rodrigo e a jornalista Fernanda Teixeira participaram rapidamente da live e contaram como nasceu o Esquadrão das Drags. Cássio é considerado o pai do desta iniciativa. “Trabalhava na Secretaria de Cultura e o Franco Reinaldo era coordenador de Diversidade na Prefeitura de São Paulo. Fazíamos parte de um Comitê para pensar estratégias de interação com o público LGBT da República e Largo do Arouche. Tivemos a ideia de criar um esquadrão. O grupo nasceu com a tarefa de levar à população informações sobre prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, drogas e cidadania. Queríamos falar também sobre o uso cidadão do espaço público. Nada melhor do que as drags para fazer este trabalho. Quatro pessoas coloridas, divertidas”, recordou.

Roseli e Fernanda, contaram a história do Esquadrão no livro “Esquadrão das Drags- Arte, Irreverência e Prevenção em Toda Parte”. “Foi uma oportunidade maravilhosa. Este projeto desenvolvido pela Roseli me fez conhecer pessoas incríveis que fazem um trabalho bastante importante de utilidade pública, com muito amor e levando alegria para as pessoas. Foi transformador participar deste projeto”, comemorou Fernanda

Curiosidades

Roseli quis saber quantas perucas elas têm. Sissi respondeu 40, entre perucas e apliques. “Cada evento o meu marido Benê monta uma peruca. Ele sempre acreditou na Sissi Girl, no lúdico. Faz cabelos gigantescos, esculturais e eu amo todos. Não sou uma drag feminina, sou grandona, adoro brilho, a 25 de março mora dentro da minha casa, gosto de brinco, colar, pulseira. O que eu não uso mais levo para o Centro de Referência da Diversidade.”

Tchaka revelou que faz dois brechós todos os anos, principalmente no carnaval e antes da Parada. “Vou vendendo tudo. Tenho umas quatro ou cinco perucas só.”

Dindry se empenha na reciclagem das roupas. “Vou combinando as minhas peças, mas tem as drags que estão surgindo e quando me pedem eu faço doação.”

Inspiração

Por fim, Roseli perguntou em quem elas se inspiraram para montar seus personagens. Tchaka disse que sempre se inspirou em muitas pessoas. “Na Gretchen, em todas as drags que vieram antes de mim, a gente é um pouco de cada uma. Elke Maravilha, RuPaul, todas as drags que participaram de shows de calouros, Isabelita do Patins.” A inspiração de Dindry vem das mulheres guerreiras. “Tive uma mãe super presente que me amou da forma como eu sou.” Sissi se espelhou na Sissi Imperatriz. “Sempre gostei da época de Luiz 15, aqueles cabelos maravilhosos. Antes de ser drag eu era transformista e quando me identifiquei com essa arte lúdica resolvi colocar Sissi.”

As drags finalizaram a live com uma palavra. Tchaka disse aprendizado, Dindry, acredite e Sissi finalizou com amor. Você pode assistir a live na íntegra na página oficial da Agência Aids no Facebook. Há uma versão reduzida na TV Agência Aids.

 

Talita Martins (talita@agenciaaids.com.br)

 

Dica de Entrevista

 

Dindry Buck

Telefones: (11) 99668-6601 / (11) 97963-2870

Email: dindry@gmail.com

Site:http://www.dindry.com/

 

Sissi Girl

Telefone: (11) 99810-7992

E-mail:sissigirl@gmail.com

 

Tchaka

Telefones: (11) 3214-2845 / (11) 99132-7750

Site: http://www.tchaka.com.br/