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Pesquisa do Datafolha da última semana revelou que 73% dos brasileiros acreditam que a educação sexual deveria estar presente nas escolas.

Para 90% dos entrevistados, discutir sexualidade em sala de aula ajuda crianças e adolescentes a se defenderem contra o abuso sexual. Outros 81% concordam que escolas devem promover o direito de as pessoas viverem sua sexualidade, independentemente da sua orientação sexual ou gênero.

A pesquisa “Educação, Valores e Direitos”, coordenada pelas organizações Cenpec e Ação Educativa, ouviu 2.090 pessoas com 16 anos ou mais, em todas as regiões do país, entre os dias 8 e 15 de março.

Apagão de programas de educação sexual

Os dados são reveladores na medida em que houve um “apagão” de boa parte dos projetos de educação em sexualidade nas escolas, públicas e privadas, nos últimos anos, frente à uma onda conservadora que avançou em diversos setores da sociedade.

Escolas privadas evitaram o tema que poderia ferir suscetibilidades e incomodar alguns pais (em meio a uma fase de intensa polarização política e o receio de uma debandada de alunos), já as redes públicas enfrentaram pressões de todos os lados e estavam “sob atenta vigilância” de grupos mais conservadores.

O primeiro ponto aqui é que a representação política dessa onda conservadora talvez esteja superdimensionada e, na realidade, parece não encontrar eco na maior parte da sociedade hoje, se admitirmos que a pesquisa expressa um desejo autêntico dos jovens e dos seus pais. Ou seja, quem fez mais barulho e tinha o poder na mão acabou forçando uma pauta que parece não conversar com o que as famílias brasileiras realmente acreditam.

Onde o jovem se informa?

Uma outra questão que merece reflexão é o que entra no lugar da educação sexual que deveria estar acontecendo na escola, talvez o melhor palco para os jovens interagirem e se informarem. Onde eles estão buscando conhecimento sobre sexo? Nas redes sociais (com todos as bolhas e vieses possíveis e imagináveis) e, claro, com o conteúdo erótico que chega pela internet.

No vácuo da conversa em casa (sim, muitas famílias ainda enfrentam constrangimento e têm receio de falar sobre o assunto) e na ausência de discussões com profissionais capacitados nas salas de aula, os jovens resolvem dúvidas e conflitos onde conseguem algum tipo de escuta e de informação. E aí é que mora o perigo!

Os conteúdos eróticos tendem a passar mensagens distorcidas (aliás, como boa parte de tudo que chega pelas redes sociais nesse campo), misóginas, violentas, preconceituosas, sexistas, racistas e muitas vezes homofóbicas e transfóbicas. Que bela educação sexual, não? Será que é isso mesmo que queremos que os jovens aprendam? A pesquisa reforça a importância de um contraponto a esses vácuos e ausências de pais e professores.

O que deve ser discutido?

Um dos receios de algumas famílias é que o contato dos jovens com conteúdos na área da educação sexual, como prevenção de gravidez indesejada e de infecções sexualmente transmissíveis (só para ficar em um tema clássico), poderia incentivar um início precoce da vida sexual, o que é um conceito absolutamente equivocado.

Não é falar sobre sexualidade que estimula o jovem a fazer sexo, e sim deixá-lo a mercê de estímulos que chegam por todos os lados, sem que ele possa entender como lidar com seu corpo e com seus desejos. Nesse sentido, falar e discutir sobre sexualidade protege, não estimula.

Para terminar, cabe dar uma rápida pincelada aqui sobre como podem ser construídos esses programas de educação sexual, embora esse não seja o tema central da coluna de hoje. Primeiro, eles devem começar desde cedo, adequados ao repertório e à capacidade dos jovens de interpretar o que está sendo trabalhado. Depois, eles têm que ocorrer de forma permanente, ao longo dos anos que esse jovem passa na escola, adequados às mudanças e transformações que vão acontecendo pelo caminho.

E eles não devem ficar restritos apenas aos aspectos biológicos e médicos da discussão (uma tendência que muitas escolas adotam, até como uma forma de se proteger de eventuais críticas e de lidar com a dificuldade de alguns educadores de tratar do tema).

Não dá para falar de sexualidade com o jovem sem abordar emoções, afetos, medos, desejos, prazer, conflitos, angústias, gênero, violências, abuso, bullying, pressão dos pares, padrões idealizados de beleza, redes sociais, preconceitos, identidade e orientação sexual e direitos sobre o próprio corpo. Só dessa forma se garante uma discussão integral, com os elementos centrais para um exercício mais livre, protegido e responsável da vida sexual.

Fonte: Blog Jairo Bouer