O estudo Mosaico tem encontrado dificuldades para acessar pessoas trans para compor a coleta de dados. A pesquisa é coordenada pela Rede de Ensaios de Vacinas contra o HIV (HVTN, na sigla em inglês) e tem financiamento da farmacêutica Janssen, da Johnson & Johnson.

Estão sendo testadas duas vacinas (Ad26.Mos4.HIV e Bivalent gp140) que, juntas, devem estimular uma resposta imunológica ampla o suficiente para reduzir os riscos de infecção pelo HIV, que é um vírus com muitos subtipos e diversas recombinações possíveis. Essas características explicam por que até hoje não foi possível desenvolver uma vacina com eficácia completa contra esse agente infeccioso.

As pesquisas

O estudo foi precedido por uma série de estudos anteriores com macacos e humanos, o primeiro  começou há 15 anos, de acordo com o Dr. Dan Barouch, diretor do Centro de Pesquisa em Virologia e Vacinas do Beth Israel Deaconess Medical Center, em Boston. Estes estudos refinaram a composição da vacina e determinaram o regime de dosagem mais adequado.

Dr. Ricardo Vasconcelos, infectologista que também atua no estudo explicou que, “na fase III, o objetivo é mostrar que aquela intervenção que temos na mão funciona. Quando a gente pensa em quem são as populações mais vulneráveis ao HIV, a gente tem dois padrões no mundo. Existem países que têm como pessoas mais vulneráveis homens gays e pessoas trans e há outros países em que há como população vulnerável os usuários de drogas, e ainda outros em que esse grupo é composto por mulheres cisgênero jovens. O Mosaico é um estudo concentrado na população de homens gays, bissexuais e pessoas trans”, disse ao lembrar que há outro estudo acontecendo na África Subsaariana e que inclui mulheres cisgênero.

“O grupo de pessoas trans é um dos que mais precisa de alguma estratégia adicional e eficaz na prevenção do HIV. Não adianta nada a gente mostrar que a vacina funciona na população cis e não ter a informação se na população trans ela funciona também. Ao fim do Mosaico e de outros estudos, a gente vai saber qual a eficácia dessa vacina nessas populações.”

 

O acesso como barreira

O educador comunitário do estudo, Athos Souza, explica que “é justamente por conta de uma questão histórica e social que faz com que essas pessoas realmente não tenham acesso à saúde, à informação. A gente sabe também que muitas dessas pessoas têm o trabalho sexual como recurso, mas desconhecem medidas de prevenção como a PrEP e a PEP, por exemplo.”

“Com essa população fazendo parte do estudo, conseguimos estudar o comportamento e entender como as questões de raça, classe e suas histórias de vida impactam na realidade da saúde delas. Em pleno século 21 ainda é muito difícil encontrar qualquer dado que seja voltado a essa população”, afirma.

Por isso o estudo é relevante não apenas para a coleta de informações, mas também para o acesso e acolhimento que promovemos quando essas pessoas chegam até os voluntários. “A gente explica, ouve, encaminha para os cuidados médicos. Hoje, trabalhando dentro dessas pesquisas, vejo o quanto é difícil acessar essas pessoas e fazer com que elas confiem no nosso trabalho.”

A Athos enfatiza que é necessário ter pessoas trans atuando diretamente nessas pesquisas. “Assim começa também a gerar uma confiança, além de esses profissionais conseguirem colaborar para se aproximar dessa população, colaboramos para que o estudo seja melhor direcionado. Eu quebrei muito dos meus estigmas porque estou recebendo informação com procedência, quebrou aquele tabu de que a gente é cobaia.”

“É importante a gente entender como a realidade dessas pessoas funciona para que a gente entenda porque a PrEP não está alcançando essa população. É sempre de extrema importância, nós – pessoas trans, participarmos para gerar esses dados e estarmos dentro desses lugares de fala e nos laboratórios, porque são sempre pessoas cis falando por nós”, defende.

Para Athos, a principal barreira para a participação de travestis e transexuais em estudos é o acesso. “É difícil acessar esse público. Nós ainda não geramos confiança para essas pessoas ouvirem o que a gente tem pra falar e acreditarem na importância da participação delas. Hoje vejo a importância de estar trabalhando como educador comunitário em um centro de pesquisa porque levo essa informação de uma forma próxima, conversando de igual pra igual. Mas mesmo assim, ainda é difícil trazer essas pessoas.”

 

A vacina

O estudo utiliza como vetor da vacina o Adenovírus 26, um vírus inofensivo aos seres humanos. Os voluntários precisam tomar quatro doses e a expectativa é de que, a partir da primeira, o organismo já comece a produzir os anticorpos necessários para defesa contra o HIV.

As várias mutações do HIV exigem um número pouco comum de doses. “[As mutações] são muitas, são variáveis geográficas. O HIV tem várias ferramentas de escapar do sistema imunológico”, explica o dr. Rico Vasconcelos.

Esse é também um dos motivos pelos quais o mundo ainda não viu nascer um imunizante efetivo para a doença, como aconteceu com o novo coronavírus. “A estrutura externa do HIV tem mais variações genéticas que o novo coronavírus, que tem uma proteína só, aquela ‘coroa’. É como se o HIV fosse uma caixa de lápis de cor com vários lápis e o Sars-CoV-2 tivesse um lápis só”, traduz o infectologista.

As três primeiras doses dos testes têm um intervalo de aplicação a cada três meses. Já a última dose tem um intervalo de seis meses. Ao todo, os voluntários serão acompanhados por três anos.

 

Para participar do estudo basta acessar o formulário de inscrição clicando aqui. 

 

Dica de entrevista

 

Athos Souza

E-mail: athosnsouza@hotmail.com

 

Ricardo Vasconcelos

E-mail: rico.vasconcelos@usp.br