Dra. Marinella Della Negra começou a trabalhar com crianças vivendo com HIV em 1985, quando aceitou acompanhar pela primeira vez um bebê soropositivo recusado por outras equipes, já que então pouco se conhecia sobre os tratamentos da doença e suas formas de transmissão. Neste Dia das Crianças, comemorado sempre em 12 de outubro, a Agência Aids relembra a trajetória de Dra. Marinella, que foi fundamental no acolhimentos de bebês e crianças com HIV.

A partir daí, se dispôs a pesquisar a aids pediátrica e a procurar informações com especialistas, em revistas e em instituições internacionais. Os casos seguintes de crianças HIV positivo foram encaminhados a Marinella, que passou a se dedicar quase que exclusivamente ao número sempre crescente de pequenos pacientes.

“Em 1989, começaram a chegar as primeiras portadoras do vírus, filhas de mães infectadas pelo HIV. Nós recebemos doação em dinheiro de uma empresa que repassava verbas para organizações não-governamentais e com essa ajuda começamos essa ONG, que é a Associação de Auxílio à Criança Portadora do HIV, para ajudar as famílias a sobreviverem, porque naquela época não tinha remédio, não tinha nada, as mães não podiam trabalhar, os pais também não, Esse dinheiro servia pra pagar aluguel, para pagar conta, para dar cestas básicos. Demos por muitos anos cestas básicas e leite para essas crianças”, relata a infectologista.

Além de ajudar os doentes, fornecendo remédios, cuidando de seu encaminhamento a hospitais e ambulatórios, e de transmitir informações sobre a doença a pacientes e suas famílias, a ONG criada por Marinella também organizou o primeiro encontro sobre aids pediátrica no Brasil.

A chegada à adolescência

“Com a evolução do tratamento e hoje com os medicamentos essas crianças puderam crescer e chegaram na adolescência. E na realidade, esse problema de sobrevivência básica terminou, porque as famílias podem sobreviver, podem trabalhar. Só que esses adolescentes cresceram e têm algumas necessidades. Uma das coisas mais importantes é que eles tomem medicamento. Pelo que se sabe aqui, quais são os adolescentes que tomam medicamento? São aqueles que têm um propósito de vida, que se integram à sociedade, que querem estudar”, explica Marinella.

Então, a Associação que tinha como base inicialmente dar cesta básica, leite, passou a investir na formação desses adolescentes. A médica conta que “aqueles que querem estudar, fazer faculdade ou cursos profissionalizantes e têm dificuldade para pagar, e a maioria deles têm, que são indetectáveis, que fazem acompanhamento correto, vêm à Associação e nós pagamos esses cursos ou as universidades.”

Até o presente momento, a ONG já formou 17 adolescentes e tem mais 12 que estão estudando. Alguns desistiram no meio do caminho, são 14 que chegaram a se inscrever nas universidades mas nem chegaram a frequentar. “Temos formado anualmente 3, 4, 5 adolescentes nas universidades ou cursos profissionalizantes”, disse Marinella.

Dra. Marinella, Marcia George e um dos jovens formados pela Associação

A Associação mantém contato próximo com os jovens que estão estudando e quem faz esse acompanhamento é Marcia George, coordenadora de projetos da Associação. “Por ocasião dos pagamentos das universidades, a gente tem basicamente um contato mensal. Ou quando eles têm algum problema, alguma dificuldade, incertezas quanto aos cursos, problemas pessoais que eles tenham e precisem de alguma orientação, eu procuro ajudá-los. Durante a pandemia, esse contato foi virtual, por whatsapp, mensagens de voz, telefone, e-mail, mas não houve nenhuma dificuldade muito séria em manter esse vínculo que a gente estabeleceu. Nós procuramos não deixá-los muito soltos para proporcionar esse vínculo mesmo que é bastante importante de se manter, para eles saberem que estão amparados, que estamos juntos e fazer com que a qualidade de vida deles sempre melhore, tanto no lado financeiro quanto no emocional. Já fizemos algumas reuniões presenciais muito produtivas e o retorno que a gente tem deles é bem importante, eles gostam muito das reuniões”, ressaltou Marcia.

Dificuldades

Segundo a médica, a grande dificuldade é encontrar investimento, pessoas ou alguém que invista na formação desses adolescentes porque ter 12,13 ou 14 adolescentes cursando tem um custo, além dos custos colaterais. Mas basicamente é o custo de pagar essas universidades. “Temos tido alguma ajuda com o pessoal da Coordenadoria de IST/Aids da Cidade de São Paulo, da Unesco e alguns médicos, algumas pessoas subvencionam algum adolescente. Nós damos a relação de adolescentes, o curso que faz e essas pessoas resolvem subvencionar por um ano, seis meses, esse ou aquele adolescente. E assim temos sobrevivido. Obviamente, seria importante ter um investimento maior para que pudéssemos investir em mais adolescentes. Nossos adolescentes formados não só têm melhor possibilidade social, uma ascensão social, como também levam junto toda uma família, as pessoas que convivem. É fundamental sem dúvida estudar, a educação é o melhor método de evoluir profissionalmente, socialmente. E é isto que temos feito”, conclui Marinella.

Sobre Marinella Della Negra

Formada pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo em 1971, a infectologista Marinella Della Negra fez pós-graduação no Instituto Brasileiro de Pesquisas em Gastrenterologia com a tese “Correlações clínico-patológicas e laboratoriais das alterações hepáticas na Aids pediátrica”.

Participou, como médica residente do Hospital Emílio Ribas, do tratamento de vítimas de epidemias, como a de febre tifoide, ocorrida no Parque Edu Chaves, e a de meningite, que durou até 1975 e atingiu toda a capital. Durante a década de 70, cuidou também de pacientes portadores de diversas moléstias infectocontagiosas, como leptospirose, difteria, hepatite, entre outras. Fez estágio nos Estados Unidos, no North Shore University Hospital e no Albert Einstein Hospital, ambos em Nova York.

Atualmente Dra. Marinella está aposentada, é professora honorária do Instituto de Infectologia Emílio Ribas e faz reuniões semanais com os residentes e internos do Instituto. É presidente da Associação de Auxílio à Criança Portadora do HIV.

 

Maurício Barreira

 

Dica de Entrevista

Associação de Auxílio à Criança Portadora do HIV

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