Aos 60, ele montou um ateliê, em São Paulo, para retratar seus pensamentos e experiência de vida

Pesquisador do campo da arte visual, da edificação das obras até o trade, Airys Kury, aos 60 anos, tem dedicado sua energia à renovação. Depois de passar por grandes desafios em sua vida, o artista plástico, agora, vem convertendo material descartável em arte.

Em seu ateliê, montado em um espaço infinito de criação, localizado na cidade de São Paulo, Airys corporifica obras de arte que retratam sua vida e seus propósitos com material derivado da montagem de palcos de grandes festivais, como Tomorrowland, The Town e Rock in Rio. “É um privilégio estar em um lugar potente. Antes de qualquer descarte, observo atentamente o que posso ressignificar e como posso arranjar incontáveis corpos materiais em campos de artes visuais. Eu sou o homem que edifica arte visual, transformando todos os tipos de descartes em obras de arte”, compartilha.

No local, oferece experiências imersivas, propondo encontros e apresentações de seus trabalhos, com alimentos e diálogos com os trabalhadores locais. Ao entrar em seu ateliê, uma pequena porta no meio de um grande galpão, o visitante se depara com uma sala repleta de composições. Quadros com cores vibrantes e outras em tons mais escuros, peças de autorretrato que representam sua vida, palavras destacadas em todas as partes e obras feitas de inúmeros materiais.

“O que você está vendo naquela obra de arte?”, questiona o artista. Ali, começa a dialogar, durante a refeição, preparada por ele mesmo, sobre a obra apontada. Mostra suas percepções e abre caminhos para novas interpretações de sua arte.

“Todo ponto escuro precisa de um de luz para existir. As cores escuras presentes em algumas artes do ateliê são a representação da minha jornada até aqui. Desde a infância até o presente momento”, reflete Airys.

Cáceres, no coração do Pantanal mato-grossense, é a cidade que viu nascer o artista. Airys se mudou aos 5 anos de idade com a família para São Paulo, segundo ele, à procura de melhores oportunidades de estudo, onde permanece até hoje.

Desde pequeno, a arte sempre lhe acompanhou. Ao contar sua relação e experiência com ela, destaca: “Eu sempre fiz arte. Essa é a verdade. Desde que eu nasci, eu faço arte. A arte sempre esteve presente [na minha vida] de várias maneiras.”

Chegada do HIV

A descoberta do seu diagnóstico positivo para o HIV, em 2004, foi um ponto de virada na vida do artista plástico, trazendo uma reconfiguração completa do seu eu e da sua expressão artística. Daí para frente, uma série de mudanças importantes em sua vida aconteceram e transformaram o seu olhar. “A aids veio como um [elemento] muito poderoso, pois ela falou para mim ‘já que está tudo revelado, já que não tem mais nada a se revelar, agora você tem duas alternativas: Ou fazer tudo certo, cuidar e viver bem com isso, ou desistir de tudo […]. A arte e o HIV são coisas que, para mim, andam juntas.”

O artista plástico destaca como é importante lembrar da história da aids e não deixar que ela seja esquecida. Airys afirma que nos piores anos da epidemia de HIV, quando muitas pessoas morreram em decorrência da aids, a arte foi essencial para expressar ideias e conscientizar as pessoas; inclusive, os artistas usavam sua arte como uma forma de transmitir mensagens importantes e manter viva a memória daqueles que faleceram. No entanto, ele lamenta a diminuição do interesse social sobre o assunto ao longo do tempo.

O processo de aceitação do diagnóstico de Airys não foi doloroso como é com a maioria das pessoas que vivem com HIV/aids ao descobrirem o vírus. Desde cedo, conseguiu encontrar equilíbrio e força para encarar este momento de forma tranquila e consciente.

Envelhecimento

Airys fala ainda sobre o processo de ser e estar, e como isso se relaciona com o envelhecer, especialmente sendo uma pessoa que vive com HIV, algo que antes era uma impossibilidade para a população HIV+. “Envelhecer é um privilégio. O povo pensa que tem que investir tanto tempo e dinheiro para ‘desenvelhecer’, quando envelhecer é bom. Tentar ‘desenvelhecer’ custa caro e não faz bem para a cabeça […]. Então, eu acredito que envelhecer é um privilégio, porque a gente vai melhorando. Tudo vai ficando melhor. O corpo fica um pouco mais frágil, mas a cabeça fica excelente.”

Silo de arte

Além de seu espaço de criação, cercado de pintura, esculturas e artes de vestir, finalizadas e em produção, Airys também possui três depósitos, onde guarda materiais que mais tarde se tornarão composições de suas artes. Materiais de madeira, diversos tipos de metais, acrílicos, tintas, tecidos, máquinas a laser, maquinas de cortes e recortes de grandes painéis que um dia foram palcos de artistas consagrados como Ludmilla e Thiaguinho. Na mão de Airys, estarão prestes a virar algo novo.

 “Na arte visual tudo o que é criado vira eterno, não tem um prazo de finalidade, ela nunca é desintegrada, fica guardada para eternidade. É para isso que estou me empenhando.”

Em seu processo criativo, Airys não busca materiais específicos para suas composições. Andando pelos grandes espaços da empresas de cenografia, ele vai encontrando o que vai sendo dispensado. Caçambas que saem todos os dias são o paraíso para o artista. “Sabe quantas dessas saem daqui? Mais de cem por ano”, diz sobre a quantidade de material que vai para descarte. “Aqui tudo me inspira, eu venho aqui todos os dias e mergulho nesse espaço.”

Um de seus depósitos abriga uma vasta quantidade de materiais descartáveis não contaminados do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, onde tem grande relação de afeto por compartilhar sua história como pessoa vivendo com HIV. Lá, Airys faz seu tratamento.

“Nesses anos, fiz da minha própria vida um roteiro para a minha arte. Indo na contramão do que é normativo, driblando os controles do sistema vigente […]. Usei a minha trajetória para apresentar essa obra. A arte, na verdade, é essa conexão que o artista faz contando suas vivências e suas cicatrizes para dialogar com outros espectadores. Isso, para mim, é a arte. E eu tenho a intenção de me reinventar para me reconhecer de múltiplas maneira”, afirma.

Airys desenvolveu a Aids, com carga viral que chegava a atingir mais de 3 milhões de cópias de vírus por milímetro cúbico de sangue, enquanto as células de defesa estavam aproximadamente entre 22 e 23. Ou seja, a quantidade de células de defesa (CD4) era tão baixa em seu corpo que praticamente não conseguia sustentar a proporção de vírus que tentava combater, comprometendo severamente seu sistema imunológico. Mesmo assim, Airys não adoeceu e passou a adotar hábitos mais saudáveis. Também sendo ex-obeso mórbido, o artista manteve todos os exames médicos periódicos desde o final dos anos 1970 (o vírus foi descoberto em 2003) e afirma que nem mesmo uma gripe o atingiu nessa fase tão delicada e importante de sua vida.

“Eu precisava me reinventar ou morreria. A comida alimentava minhas ideias suicidas. Então, houve um motivo de saúde por trás dessa transformação, que resolvi denominar de arte. Utilizo meu corpo para mediar e contornar o outro, refletindo se ele pertence a mim ou a quem me observa.”

Redação da Agência de Notícias da Aids com informações

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