CHEMSEX: quais os cuidados tomar quando as drogas entram o universo sexual

O Instituto Multiverso está revolucionando a maneira como o tema do Chemsex (uso de drogas no contexto do sexo) é abordado com seu mais recente projeto, aprovado por meio de um edital de financiamento de projetos LGBTs do Fundo Positivo.

O projeto inovador, intitulado “ColocAção: Redução de Danos da Periferia ao Centro”, tem como objetivo conscientizar, educar e fornecer estratégias de redução de danos em relação ao Chemsex, uma prática que envolve o uso de substâncias durante atividades sexuais. Por meio de atividades como treinamentos, bate-papos, produção de material educativo, uso de novas tecnologias e estabelecimento de vínculos com a comunidade, o projeto tem se dedicado a conscientizar o público-alvo sobre os riscos associados ao chemsex e a oferecer estratégias práticas de redução de danos. O compromisso do projeto em capacitar agentes de campo para disseminar conhecimentos , também tem sido um destaque notável. A contratação de coordenadores de campo, apesar dos desafios devido à vulnerabilidade de algumas pessoas recrutadas, demonstra a dedicação do projeto em promover a educação entre pares e abordar de maneira eficaz as complexidades do chemsex.

A jornalista, mobilizadora social e psicanalista Fabi Mesquita, que coordena o projeto junto com uma equipe transdisciplinar, traz pra gente um pouco desta experiência. Sermos uma organização jovem que tem como primeiro grande projeto, uma iniciativa tão importante quanto polêmica, tem sido para nós um desafio e um prazer.

Desde à concepção até o início das atividades práticas, o projeto ColocAção mostra que veio para quebrar paradigmas. Uma das primeiras atividades de campo se desenvolveu na festa BRUTUS, e contou com a participação do médico Vinicius Borges conhecido como Doutor Maravilha, e o redutor de danos, Myro Rolim. Na ocasião, ambos falaram para o público da festa, cuidadosamente recepcionado no segundo andar do estabelecimento, por uma equipe que tirou dúvidas de todos aqueles que tivessem interesse em se aprofundar sobre o tema, sem viés moral ou preconceituoso.

Além desta atividade, o grupo já ofereceu atividades sobre o tema para homens gays em situação de rua, e pessoas vivendo com HIV, da iniciativa Super Indetectável.

Nosso objetivo passa inclusive por desconstruir a maneira” colonialista” pela qual consideramos que o tema tem sido abordado, até por parte da academia e de grupos conservadores da medicina. Não adianta importarmos técnicas e metodologias que não nos representam. Até porque, temos uma história lida da Redução de Danos no nosso país, e organizações incríveis como a Aborda e o É de lei, que estão há anos construindo políticas de RD com a cara do Brasil. Nosso objetivo é estimular mudanças significativas e promover uma mudança concreta nas práticas e mentalidades das pessoas que praticam o sexo aditivado, mas também da sociedade como um todo. Em cada etapa do nosso trabalho, temos buscado construir uma linguagem nítida, direta e popular que ajude a instrumentalizar as pessoas, através do apoderamento de informações e técnicas de autocuidado e gerenciamento de risco, gerando autonomia aos indivíduos.

Nosso material educativo também tem sido construído com muita curadoria técnica, tanto do ponto de vista científico, das informações veiculadas, como do ponto de vista da linguagem de comunicação e didática. Não é um trabalho genérico, mas totalmente elaborado levando em conta as especificidades de nossas comunidades- alvo. Imagem e conteúdo são preparados pela equipe liderada pelo estrategista de marketing João Geraldo Netto, aprovado com a circunspecção da diretora artística Adriana Bertini, do artista visual e mestre em saúde coletiva Allan Gomes de Lorena e do assistente social, Pierre Freitaz. O pesquisador Myro Rolim e Vinícius Borges também acompanham todo processo e no fim, a muitas mãos “a coisa” sai.

Saúde pública

Acreditamos genuinamente, que falar sobre sexo e uso de drogas de maneira aberta e informativa é fundamental para quebrar estigmas associados a essas práticas. A educação e a elucidação sobre o tema, ajudam a desfazer mitos e preconceitos, promovendo uma cultura de cuidado e respeito. Ao oferecer informações precisas e não julgadoras, contribuímos para que as pessoas se sintam mais estimuladas.

Três pilares conduziram a construção deste material: A ciência como guia, a empatia como regra e o respeito como meta. O projeto “ColocAção: Redução de danos da periferia ao centro” é pautado em recomendações científicas, mas também acolhe o feedback direto de pessoas que usam drogas e praticam o sexo aditivado, promovendo um equilíbrio cuidadoso entre a oferta de informação e a escuta de quem se destina o trabalho. O objetivo é oferecer informações práticas, criando um ambiente de aceitação e compreensão, eliminando as barreiras da culpa e da vergonha, já que o objetivo é promover saúde.

A cartilha é voltada a maiores de 18 anos e fornece informações úteis e práticas sobre como reduzir problemas do chemsex, com foco em seis drogas comuns: ketamina, cocaína, GHB, poppers, MDMA e viagra. Parte deste material já vem sendo veiculado na internet com imenso sucesso. A tabela de interações medicamentosas, por exemplo, disponibilizada pelo Vinícius Borges, o Doutor Maravilha, nosso coordenador de Ciências e Tecnologias, teve mais de seis milhões de acessos, o que mostra o quanto existe de interesse por informação de qualidade.

Estratégias

Todas as estratégias de desenvolvimento do projeto foram pensadas e desenvolvidas de modo a contribuir para a promoção da saúde pública. “Graças ao apoio do Fundo Positivo LGBT, pudemos constituir uma equipe de ponta, que inclui pesquisadores, médicos, psicólogos e psicanalistas, redutores de danos e profissionais da saúde pública. Através do trabalho desta equipe e de um trabalho de escuta ativa por parte das comunidades alvo do projeto, estamos construindo coletivamente uma metodologia própria, com o cuidado de “nos livrar” o máximo possível, de modelos colonizadores frequentemente adotados da academia gringa. Acreditamos que seja fundamental encontrarmos nossa própria maneira de comunicar e educar para a saúde, levando em conta nossas especificidades sociais e culturais, não à toa o projeto se chama ColocAção, o nome periférico para sexo “colocado”. A cartilha também foi desenvolvida para alcançar populações diversas, com informações sobre os riscos associados à prática, e oferecendo estratégias de autocuidado e gerenciamento de riscos, em linguagem acessível e baseada em evidências.”

Nossas orientações sobre a temática visam uma abordagem holística e responsável, contribuindo para a segurança e bem-estar das pessoas envolvidas nessa prática, entre elas: Fornecer informações precisas e baseadas em evidências sobre as substâncias usadas no contexto do Chemsex, seus efeitos, riscos e interações; Promover o uso consciente e responsável de substâncias, incluindo doses seguras, intervalos entre as doses e conhecimento sobre possíveis efeitos colaterais; Enfatizar a importância do uso de preservativos e lubrificantes durante as atividades sexuais, a fim de prevenir a transmissão de ISTs e HIV; Incentivar a realização de testes regulares para detecção de ISTs, HIV e hepatites virais, visando ao diagnóstico precoce e ao tratamento adequado; Educar sobre os sinais de overdose e emergências médicas relacionadas ao uso de substâncias, e oferecer orientações sobre como agir nessas situações; Fornecer informações sobre interações entre diferentes substâncias, destacando os riscos associados a combinações perigosas; Promover a conscientização sobre práticas de redução de danos, como uso de preservativos, limitação de doses e manutenção da hidratação adequada.

Promoção de saúde e redução de riscos

“No Brasil, nós somos em grande maioria, pretos, “pardos”, indígenas e periféricos, mas “nossa” educação em saúde, raramente dialoga com os “seus” e um dos motivos é justamente essa tal de moral. Historicamente o julgamento moral foi o grande responsável por empurrar determinados grupos “ladeira abaixo” no cuidado em saúde. Quem são as pessoas mais tradicionalmente negligenciadas pelos sistemas de saúde? Pessoas LGBTQIAPN+, em especial as pessoas trans que são constantemente vilipendiadas e maltratadas nos serviços de saúde. Pessoas que usam drogas, em situação de rua, não brancas, pobres, trabalhadoras do sexo. A tal moral decide quem pode viver  quem merece ser feliz, então deixemos a moral para aqueles que acreditam nela. Os religiosos, os fariseus e os caretas. Nós escolhemos a compaixão, a empatia e a vida. Não se salva vidas com julgamento moral, mas com ciência e amor.”

Desafios

São muitos os desafios que encontramos na promoção da conscientização sobre saúde sexual e prevenção de ISTs entre pessoas adeptas do sexo aditivado.  “Um dos desafios reside no preconceito e na dificuldade que a sociedade tem de abordar questões relacionadas ao uso de substâncias. Os estigmas social e moral muitas vezes impedem que informações importantes alcancem aqueles que mais precisam delas, resultando em desinformação, práticas de risco e barreiras ao acesso aos serviços de saúde. Superar esses obstáculos exige a construção de espaços seguros e acolhedores nos quais as pessoas possam obter informações claras e livres de julgamentos.”

Acesse a cartilha clicando aqui.

Fabi Mesquita, especial para a Agência Aids