Discursos em defesa dos direitos humanos, garantia de direitos já conquistados, resistência democrática e prevenção combinada marcaram o 2º Encontro de Saúde e Prevenção, da Associação da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo. Com o tema Prazer sim – Prevenção também, o seminário aconteceu na noite dessa terça-feira (11), no  Teatro Aliança Francesa, em São Paulo, e reuniu ativistas, gestores e profissionais de saúde, que lembraram que a saúde é um direito de todos.

“Estamos nos organizando, enquanto pessoas e entidades, para enfrentarmos desafios perigosos a partir do ano que vem. O SUS está ameaçado, temos que cobrar do governo a reabertura do financiamento para saúde e educação. O acesso à saúde é uma questão de sobrevivência, por isso seremos resistência”, disse a presidenta da Parada, Cláudia Regina.

A militante destacou que a Associação da Parada acredita que a informação é a melhor maneira de reduzir e enfrentar o estigma para as pessoas que vivem com HIV/aids. “Investir na conscientização e na ampliação do debate é o desafio colocado por todos aqueles comprometidos com políticas de saúde e de direitos humanos.”

Cássio Rodrigo, da Coordenação de Políticas para a Diversidade Sexual do Estado de São Paulo, concordou com Cláudia. “A possibilidade de retrocessos me assusta. Fico lembrando o quanto foi dura a luta da sociedade civil pela garantia da política de aids. Abrimos mão de lutar por alguns direitos, para lutarmos pela nossa saúde. É importante ressaltar que saúde não é só o direito ao remédio, é o direito a existência e uma existência com prazer.  Vamos continuar lutando quantas vezes for preciso para garantir o direito a vida com saúde”, declarou o gestor. “Precisamos de muito folego, somos e seremos todos trincheiras”, completou.

O coordenador do Programa Estadual de DST/Aids de São Paulo, Artur Kalichman, acredita que ainda é preciso tirar a aids do armário. “Muita coisa está saindo do armário e não podemos negar que temos registrado cada vez mais casos de HIV na comunidade LGBTI. A prevalência do HIV entre homens que fazem com homens no estado de São Paulo é de 25%. A sífilis já ultrapassou os 30% nesta população. Hoje temos PEP, PrEP, tratamento como prevenção, preservativos, gel, são várias possibilidade de prevenir o HIV.  A garantia de que todas essas políticas vão continuar existindo e funcionando é fundamental para a própria sobrevivência física e simbólica do movimento gay.”

Adriano Queiroz, do Programa Municipal de DST/Aids de São Paulo, lembrou que “não falar de HIV não nos protege do vírus. A aids é um doença social que transita também pela comunidade LGBTI. Temos que enfrentar a sorofobia e entender que indetectável é igual a intransmissível. A prevenção é um direito.”

O jornalista Paulo Giacomini, da Rede Nacional de Pessoas com HIV/aids, acrescentou que já há muitos obstáculos na luta contra a aids. “Não podemos nos esquecer de uma portaria do Ministério da Saúde que acabou com os blocos de financiamento e as verbas carimbadas. Temos notícias de cidades pequenas que não têm mais programa de aids porque não existe o recurso específico. Este ano, completamos 30 anos de SUS,  30 anos da Constituição e 30 anos do Dia Mundial de Luta contra a Aids. A política pública está em risco. Não acredito que o presidente eleito e o futuro ministro da saúde vão acabar com o tratamento contra a aids, mas a política de PrEP corre um sério risco”, declarou.

Do Unaids, Cleyton Euzébio, disse que uma das saídas para ampliar o acesso à prevenção é erotizar a prevenção combinada. “Será que todos entendem o que é prevenção combinada?”

Prevenção combinada

A discussão sobre as novas ferramentas de prevenção ao HIV foi liderada pelo infectologista Rico Vasconcelos, do Hospital das Clínicas. Ele organizou uma roda de conversa com diferentes pessoas que contaram como se previnem, sem deixar o prazer de lado.

O preservativo era, até pouco tempo atrás, o único meio disponível para evitar infecções pelo HIV. Novos métodos surgiram para complementar à resposta à epidemia, ampliando a gama de opções da população na hora de se prevenir.

Entre as técnicas que podem ser combinadas, estão a testagem para o HIV, o uso do gel lubrificante, a prevenção da transmissão vertical, o tratamento de infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) e hepatites virais, a imunização de pessoas vivendo com HIV, programas de redução de danos, a profilaxia pré-exposição (PrEP) e a profilaxia pós-exposição (PEP).

“As melhores estratégias de prevenção são as que o individuo escolhe. Não vai ser o ministro da saúde que vai entender qual é a melhor forma de prevenção para a comunidade LGBTI”, disse Rico.

O médico quis saber de Eduardo Barbosa, do Grupo Pela Vidda São Paulo, como ele combina todas as estratégias de prevenção em sua vida sexual. “Nem sempre consegui usar a camisinha como ela foi prescrita, em todas as relações sexuais, mas depois que descobri que pessoas com HIV, com carga viral indetectável não transmitem o vírus, ficou tudo mais fácil. Cada um vai ter que encontrar sua melhor forma de prevenção”, contou Eduardo.

O jovem Matheus, do canal Menino Gay, que vive com HIV há mais ou menos quatro anos, explicou que abriu mão da camisinha quando estava em um relacionamento fixo. “Eu e meu ex conversamos sobre a nossa vida sexual, eu estava indetectável, e decidimos não usar o preservativo. O nosso relacionamento era aberto e combinamos que usaríamos camisinha com outras pessoas, estávamos preocupados também com as outras ISTs.”

Segundo Rico, muitas pessoas associam o sexo sem camisinha ao sexo desprotegido. “Transar sem camisinha pode ser uma escolha dentro do leque de prevenção combinada. Ou seja, não é um sexo desprotegido. A decisão pode acontecer, por exemplo, depois de um teste de HIV.”

A ativista Brunna Valim, do Centro de Referência da Diversidade, disse que é casada e que o sexo com o marido é com camisinha. “Eu vivo com HIV, estou indetectável, ele não quis fazer a PrEP, decidimos usar camisinha. Usamos a feminina.”

De acordo com Brunna, prevenção combinada é também ter acesso a serviços de saúde humanizados, fazer testes para IST, fazer chuca com prevenção, tratar e viver com qualidade de vida.

Carlos Eduardo, homem trans, de 24 anos, explicou que ainda está descobrindo qual é a melhor forma de prevenção, mas adiantou que os serviços de saúde nem sempre estão preparados para atender a população trans.  Felipe, outro participante do evento, disse que encontrou na PrEP uma boa alternativa para driblar o HIV.

Renata, que nasceu com HIV e hoje se relaciona com mulheres, acredita que é preciso debater mais sobre prevenção entre lésbicas.

O encontro aconteceu em parceria com o Centro de Referência e Treinamento DST/Aids de São Paulo, a Coordenação de Políticas para a Diversidade Sexual do Estado de São Paulo, o Programa Municipal de DST/Aids, o Museu da Diversidade e o Página Menino Gay.

Talita Martins (talita@agenciaaids.com.br)