“A fé é um dos sentimentos mais profundos e intensos do ser humano. É a mais pura entrega ao desconhecido.  É revoltante que algumas entidades religiosas abusem da fé de seus fiéis com HIV. Algumas fazem também por desconhecimento. Em conversas com líderes religiosos que pensavam em cura por essa via, percebi diversas vezes que confundiam a cura com a carga viral indetectável, o que sinaliza que precisamos melhorar a disseminação de informações junto à algumas entidades religiosas que pouco conversamos.” A fala é do ativista e escritor Salvador Correa, do Rio de Janeiro. Ele e outros militantes se posicionaram contrários a publicação que a Igreja Universal do Reino de Deus fez nas redes sociais, no último dia 15, sobre cura do HIV através da Fé. Segundo o post, o casal soropositivo identificado como Manoel e Rosemeire não aderiu ao tratamento antirretroviral e foi curado ‘através da fé’ ao realizar a ‘Corrente dos 70’.

O ativista Toni Reis, presidente da Aliança Nacional LGBTI+ e doutor em educação, disse que há uma grande suspeita de que a declaração da Igreja Universal seja um crime de curandeirismo e charlatanismo. “Estamos encaminhando ao Ministério Público porque é passível de investigação. A aids, infelizmente ainda não tem cura.”

Confira as declarações a seguir:

Patrícia Perez, coordenadora do Mopaids (Movimento Paulistano de Luta Contra Aids): “Acho extremamente grave este tipo de publicação, principalmente pela onda negacionista que vemos diariamente no Brasil, pensamentos e ações contrárias a ciência. Esta publicação pode influenciar muitas pessoas que estão fazendo seu tratamento a abandonar a medicação por conta da fé. Penso que a Igreja Universal está cometendo um crime contra a saúde pública. Precisamos divulgar os benefícios do tratamento com antirretrovirais, com acompanhamento médico. Não estou dizendo que o tratamento com fé seja inválido, pelo contrário, acho que as pessoas que fazem seu tratamento médico, medicamentoso em conjunto com a fé, só tem benefícios.”

Toni Reis, presidente da Aliança Nacional LGBTI+: “Nós, da Aliança, encaminhamos a publicação para a área jurídica porque há uma grande suspeita de que a declaração da Igreja Universal seja um crime de curandeirismo e charlatanismo. Estamos encaminhando ao Ministério Público porque é passível de investigação. A aids, infelizmente ainda não tem cura. Temos a cura pela ciência em três casos confirmados. As religiões cuidam da alma e a ciência cuida do corpo. Segundo o código penal, exercer o curandeirismo prescrevendo, ministrando ou aplicando, habitualmente, qualquer substância; usando gestos, palavras ou qualquer outro meio; fazendo diagnóstico gera pena e detenção de seis meses a dois anos. O código penal também disciplina o charlatanismo como a prática de “inculcar ou anunciar cura por meio secreto ou infalível”, com pena de detenção, de três meses a um ano e multa.”

Salvador Correa, escritor e ativista: “Na mesma semana que temos um caso real de cura via células tronco, recebemos uma triste promessa de cura como propaganda de encontro religioso que pode levar pessoas à morte.  A fé é um dos sentimentos mais profundos e intensos do ser humano. É a mais pura entrega ao desconhecido.  É revoltante que algumas entidades religiosas abusem da fé de seus fiéis com HIV. Algumas fazem também por desconhecimento. Em conversas com líderes religiosos que pensavam em cura por essa via, percebi diversas vezes que confundiam a cura com a carga viral indetectável, o que sinaliza que precisamos melhorar a disseminação de informações junto à algumas entidades religiosas que pouco conversamos. Sobre a triste postagens do Instagram, lembramos que a Igreja Universal já foi condenada a pagar 300 mil a um fiel com HIV, que abandonou o tratamento pela mesma promessa de cura da aids. Infelizmente já vimos discursos parecidos vindo também de outras igrejas. Por outro lado, igrejas que antes condenavam as pessoas de receberem “castigo divino” ao ter HIV, mudaram suas posturas e envolveram-se na resposta à AIDS fazendo história, como nos mostra o belo exemplo da Igreja Católica com a  Pastoral da Aids. Neste ano de 2022, como consta do site da CNBB, a Pastoral da aids reforça o “cuidado com a vida, com os direitos humanos e com políticas públicas equitativa e igualitárias.” Também temos excelentes exemplos de lideranças evangélicas, umbandistas, candomblecistas,  xamanistas que se envolveram e se envolvem na resposta ao HIV desempenhando um papel fundamental como a Igreja Cristã Contemporânea,  a Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde (liderado pelo saudoso José Marmo) e muitas outras. Todas as entidades religiosas precisam olhar para os exemplos das lideranças religiosas que tiveram a coragem de assumir a responsabilidade social da causa do HIV, atualizando-se e incentivando seus fiéis a envolverem-se na resposta ao HIV, disseminando prevenção, tratamento e direitos humanos. O passado e o presente mostram como as igrejas podem ser fonte de solidariedade na resposta ao HIV. Casos que prometem cura, devem ser julgados como crimes que são, e nós como sociedade temos o desafio de despertar essas entidades que insistem em repetir os erros do passado. Todas as pessoas com HIV devem ter o direito ao tratamento preservado, da mesma forma em que o direito à fé deve ser garantido sem abusos de disseminação de doença. Quando converso com o povo de fé sobre prevenção costumo dizer que se a sabedoria divina nos garantiu a possibilidade de acessar o tratamento, quem somos nós para negar?! Pelo contrário, precisamos ampliar, disseminar a saúde para todos. Vamos ocupar as igrejas com informações e, principalmente, com a mobilização afetiva e solidária de seus líderes para a causa do HIV! Como sempre nos inspira o Betinho, Herbert de Souza: “A democratização das nossas sociedades se constrói a partir da democratização das informações, do conhecimento, das mídias, da formulação e debate dos caminhos e dos processos de mudança.”

Américo Nunes Neto, fundador do Instituto Vida Nova: “Lamentável, parace que voltamos as décadas de 80/90. Já perdemos vidas por conta desta conduta de alguns religiosos desqualificados e sem conhecimento sobre a ciência e evolução das novas tecnologias para o tratamento e prevenção do HIV. Usam das fragilidades dos seus fiéis para a promoção de uma doutrina que deveria cuidar do bem-estar e da fé com acompanhamento da ciência. Espero que o ministério público tome as medidas cabíveis. Viver com HIV não é simples, rotinas de consultas, exames e tomar medicamentos diariamente e até com outras comorbidades, a pessoa que houve esse DEServiço pode abandonar o tratamento e colocar em risco sua vida. Cabe destacar que temos milhares de pessoas com HIV/aids com baixo nível de escolaridade, com dificuldade de compreensão sobre a doença e aceitação do diagnóstico. O SUS e as ONGs cuidam da saúde mental dessas pessoas com muito comprometimento quebrando estigmas, preconceitos e em pleno século 21. Com 40 anos da epidemia da AIDS, proferir esse má fé é crime a vai contra os direitos humanos e os direitos das pessoas vivendo com HIV/AIDS. A fé seja qual for a matriz religiosa, deve caminhar junto com a ciência, ambas fortalecem o corpo, a alma, a mente e promovem o bem está. Viva a vida!”

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Redação da Agência de Notícias da Aids

 

Dicas de entrevista

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Tel.: (41) 99602-8906

Mopaids

Tel.: (11) 3259-2149

Salvador Correa

E-mail: salvadorcamposcorrea@gmail.com

Instituto Vida Nova

Tel.: (11) 2297-1516