O post da Igreja Universal do Reino de Deus, na última terça-feira (16), em seus perfis oficiais nas redes sociais, continua repercutindo. A entidade afirmou que um casal que vive com aids e não aderiu ao tratamento antirretroviral e foi curado ‘através da fé’ ao realizar a ‘Corrente dos 70’. A Agência de Notícias da Aids ouviu especialistas que ficaram apreensivos com a publicação. Segundo o dr. Rico Vasconcelos, do Hospital das Clínicas, o conteúdo publicado pela Universal é uma sequência de equívocos. “Eu classificaria a veiculação de uma informação como essa como um crime. Porque eles vão fazer com que pessoas abandonem o tratamento e, ao abonar o tratamento, sabemos o que acontece.” O epidemiologista Pedro Chequer disse que “não se pode confundir a liberdade de expressão e liberdade religiosa, garantidos constitucionalmente, com esses atos enganosos que tem ceifado vidas e extorquido financeiramente milhões de brasileiros.” A médica Maria Clara Gianna chamou atenção para a importância do tratamento. “Vimos com muita preocupação que informações equivocadas possam desestimular as pessoas com HIV e aids a manterem o tratamento antirretroviral. O tratamento com os antirretrovirais está indicado para todos que tiverem o diagnóstico e deve ser mantido sem interrupção.”

Confira a seguir:

 Dra. Zarifa Khoury, infectologista, coordenadora do ambulatório no Hospital Emilio Ribas e médica no Hospital Israelita Albert Einstein e na Coordenadoria de IST/Aids de São Paulo: “Infelizmente a infecção pelo HIV não tem cura até o momento, mas o tratamento evoluiu bastante. Existe um controle. Temos remédios que podem ser tomados a cada 24 horas e com efeitos colaterais quase imperceptíveis. A pessoa tem de enfrentar o problema de frente, não adianta ficar fugindo e se escondendo. A religião é importante, mas a gente tem de ser forte para lidar com o diagnóstico. É sempre importante informar que depois que o vírus é controlado com medicamentos, a imunidade sobe e as infecções oportunistas desaparecem. A pessoa pode ter uma vida normal, basta aderir ao tratamento. Se não tomar o remédio vai infectar outras pessoas.”

Dr. Pedro Chequer, médico epidemiologista e ex-diretor do antigo Programa Nacional de Aids: “Charlatanismo, curandeirismo e prática ilegal da medicina são crimes tipificados no Código Penal. Em seu  Art. 283 – “Inculcar ou anunciar cura por meio secreto ou infalível” prevê a  pena  de detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa e em seu Art. 284 – Exercer o curandeirismo: I – prescrevendo, ministrando ou aplicando, habitualmente, qualquer substância; II – usando gestos, palavras ou qualquer outro meio; III – fazendo diagnósticos, detenção de seis meses a dois anos. Em 2012, estando ainda à frente do Escritório do Unaids no Brasil, entramos com uma denúncia junto ao Conselho Federal de Medicina (CFM) e para tal, buscamos a parceria do Departamento de Aids do Ministério da Saúde.  Infelizmente, que seja do meu conhecimento nada aconteceu.  Essa gente continua a extorquir, enganar e praticar o curandeirismo impunemente. Na época recebemos de várias ONGS provas documentais de óbitos de pacientes que foram induzidos a abandonar o tratamento e deixar os medicamentos “no altar do Senhor”, que fez parte da representação junto ao Conselho. A sociedade e a Justiça continuam omissas e coniventes e sem dúvida, também o CFM, órgão que por sinal, vem ultimamente apoiando a prática de charlatanismo em relação a Covid-19 e tem sido objeto de ação pelo MP.  Não se pode confundir a liberdade de expressão e liberdade religiosa, garantidos constitucionalmente, com esses atos enganosos que tem ceifado vidas e extorquido financeiramente milhões de brasileiros.”

Rico Vasconcelos, médico infectologista no Ambulatório especializado em HIV do Hospital das Clínicas de São Paulo: “O conteúdo publicado pela Universal é uma sequência de equívocos. Dá a impressão de que infecção por HIV é apenas para pessoas que tem um passado de prostituição e drogas, como se uma pessoa que não tivesse esse histórico não precisasse passar por isso. Depois eles trazem a ideia de que o tratamento antirretroviral hoje é uma coisa horrorosa, em que a pessoa vai passar muito mal, o que não é verdade. Os tratamentos hoje são muito bem tolerados e bastante potentes no tratamento da infecção. Em seguida, eles falam que há a cura feita pela igreja, o que é uma grande mentira, a gente sabe que até existem casos de cura, mas não é com água abençoada da igreja. Se fosse assim, claro que a gente já teria mais pessoas curados. Além disso, eles usam o termo “ficamos totalmente limpos” para se referir à cura, passando a impressão de que a infecção por HIV fosse algo de sujeira no corpo da pessoa, o que é uma informação bastante sorofóbica e que deve ser evitada. Eu classificaria a veiculação de uma informação como essa como um crime. Porque eles vão fazer com que pessoas abandonem o tratamento e, ao abonar o tratamento, sabemos o que acontece. A história dos 40 anos de epidemia já nos mostrou o que acontece quando uma pessoa não faz o tratamento do HIV. Então, até acho que a igreja Universal deveria ser responsabilizada por esse tipo de publicação, que é negacionista, já que está na moda esse termo, e que é bastante prejudicial para a saúde da população brasileira.”

 Dra. Rosana Del Bianco, diretora da Internação do Centro de Referência e Treinamento em DST/Aids do Estado de São Paulo e assessora Clínica da Coordenadoria de IST/Aids da Cidade de São Paulo: “A fé move montanhas, mas temos que comprovar que este casal não tenha mais vírus do HIV circulante no organismo dos mesmos fazendo o exame de carga viral, que é a contagem de vírus circulante no organismo. O nosso maior avanço na epidemia de aids foi aumentar a sobrevida dos pacientes utilizando os remédios, os famosos coquetéis. É uma irresponsabilidade divulgar casos de cura, sem tratamento e sem comprovação cientifica deste fato.”

 Dra. Maria Clara Gianna, médica sanitarista e coordenadora-adjunta do Programa Estadual de IST/Aids de São Paulo: “Vimos com muita preocupação que informações equivocadas possam desestimular as pessoas com HIV e aids a manterem o tratamento antirretroviral. O tratamento com os antirretrovirais está indicado para todos que tiverem o diagnóstico e deve ser mantido sem interrupção. Precisamos interromper com urgência esta corrente!”

 

Dr. Robinson Camargo, coordenador de assistência da Coordenadoria de IST/Aids da Cidade de São Paulo: “Nem sei o que dizer, a exploração do desespero humano é por si só um ato abjeto. Coisas desse tipo, que claramente não tem nada de religioso, merece além de um profundo desprezo responderem na justiça por colocar esses indivíduos em risco de adoeceram e ir a óbito. Oxalá Deus queira, Oxalá tomará haja uma maneira desse meu Brasil melhorar.”

Dr. Vinícius Borges, infectologista e idealizador do Canal Dr. Maravilha: “Acho criminoso. Mesmo após 40 anos de mortes pela aids, a igreja não aprendeu o papel crucial que ela tem na manutenção da pandemia, perpetuando o medo e o preconceito. Um país em que ocorrem mais 10 mil de mortes por aids por ano não deve aceitar posicionamentos assim. É um atentado à saúde pública, principalmente se tratando de uma condição tratável, de bom prognóstico e com tratamento gratuito.”

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Igreja Universal diz que casal com HIV foi curado ‘através da fé’ ao realizar a ‘Corrente dos 70’; Foaesp aciona MPF para averiguar se existe crime

Redação da Agência de Notícias da Aids

 

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