A publicação feita no perfil oficial da Igreja Universal do Reino de Deus na qual afirma que um casal vivendo com aids abandonou o tratamento para o HIV e se curou após entrar para uma corrente de orações continua repercutindo entre autoridades da luta contra aids no Brasil.

Nesta sexta-feira (18), uma das médicas referência no enfrentamento ao HIV e que preferiu não se identificar, contou à Agência de Notícias da Aids que a atual defesa da religião como cura para o HIV a fez reviver momentos delicados que enfrentou em sua prática médica ao longo dos 40 anos de aids.

Segundo a especialista, assim como o Casal que foi encorajado a abandonar os antirretrovirais, o tratamento de muitas crianças com HIV foi interrompido nos primeiros anos da pandemia. “Sem comprovação cientifica, muitos pais que frequentavam os cultos relatavam que eram orientados pelos pastores a não dar a medicação porque a criança já estava curada.”

“Tínhamos um número pequeno de antirretrovirais naquela época, lembro de uma criança que estava indo bem com a medicação, com um quadro clínico estável, e com o tempo começou a apresentar doenças oportunistas. Conversamos com a família para entender o que estava acontecendo e foi aí que descobrimos que, por orientação do pastor, a criança não estava sendo medicada. Foi uma situação bem delicada. A família só voltou a dar o coquetel de antirretrovirais para a criança porque ameaçamos processar o pastor”, disse a médica que atendia no Instituto de Infectologia Emílio Ribas e em outros hospitais.

Em contrapartida, a equipe médica atendia muitas famílias que seguiam à risca as orientações do tratamento. “As mães chegavam no consultório e nos falavam que viam claramente a melhora nas crianças depois do tratamento.”

A postagem no perfil da Universal foi feita na última terça-feira. Nela, há duas fotos: de um casal, identificado como Manoel e Rosemeire, na praia, e outra do homem deitado num leito hospitalar. O texto diz que os dois não aceitaram o tratamento e cita que “o tempo de milagres não acabou”. E finaliza: “Você também precisa de uma cura que é impossível para a medicina? A sua fé pode fazer o milagre acontecer, participe da Corrente dos 70, em uma Universal mais próxima”.

A fé

Para a médica, que é religiosa, “a fé é importantíssima, te ajuda a acreditar na melhora, te dá forças. Mas nenhum padre ou pastor é médico, eles não têm o direito de interferir na medicina. Casos como este da Igreja Universal do Reino de Deus é um desserviço na luta contra a aids. Gostaria de ver quais exames este casal fez que comprova a cura. É inaceitável ver que os pastores interferem na prática médica. Temos pacientes que se infectaram há quase 40 anos, fazem o tratamento e vivem completamente bem. Isso é medicina, é ciência.”

A especialista alertou ainda que hoje as pessoas que morrem em decorrência da aids não fazem tratamento ou descobrem a infecção tardiamente. “O HIV é uma patologia controlável. Os líderes religiosos que usam a fé e encorajam pessoas com HIV a abandonarem o tratamento devem ser criminalizados, responder judicialmente por homicídio doloso.”

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Redação da Agência de Notícias da Aids