Nas últimas décadas, a prevenção ao HIV/aids se resumiu ao uso do preservativo, mas hoje as possibilidades são muitas. A chamada prevenção combinada consiste na combinação dos diferentes métodos de prevenção existentes, são eles: a profilaxia pré-exposição (PrEP); profilaxia pós-exposição (PEP); redução de danos; testagem regular para o HIV; testagem das ISTs (Infecções sexualmente transmissíveis) e hepatites virais; imunização para as hepatites A e B; tratamento de pessoas que vivem com HIV/aids; prevenção da transmissão vertical; uso de preservativo interno e externo e gel lubrificante.

O infectologista Álvaro Furtado, do Centro de Referência e treinamento, em São Paulo, explica que a PrEP é utilizada de forma preventiva, ou seja, antes do ato sexual. “A profilaxia pré-exposição é estudada desde 2010 e está disponível nos postos de saúde. Utilizando o medicamento corretamente todos os dias, antes da exposição, diminui para quase 1% a chance de contrair o vírus.”

Já a PEP, segundo o médico, tem o sentido contrário, ela serve em situações de emergência, por exemplo, em caso de rompimento da camisinha durante uma relação sexual. Se o medicamente for utilizado em até 72h depois da exposição ao vírus e durante 28 dias ininterruptos, as chances de contrair HIV/aids também são mínimas.

Como é um atendimento de urgência, a PEP está disponível em todos os serviços de urgência e emergência do estado de São Paulo.

Dados epidemiológicos

Dados levantados pela Organização das Nações Unidas (ONU) evidenciam que em todo o mundo, quase 38 milhões de pessoas estão vivendo com HIV/aids.

No Brasil, segundo dados do Ministério da Saúde, cerca de 920 mil pessoas vivem com HIV. Dessas, 89% foram diagnosticadas, 77% fazem tratamento com antirretroviral e 94% das pessoas em tratamento não transmitem o HIV por via sexual por terem atingido carga viral indetectável. A epidemia de HIV/aids no país é concentrada em alguns segmentos populacionais mais vulneráveis a doença e que apresentam prevalência superior à média nacional, que é de 0,4%. Essas populações são: gays e outros homens que fazem sexo com homens; pessoas trans; pessoas que usam álcool e outras drogas; pessoas privadas de liberdade e trabalhadores sexuais.

Testagem regular

Segundo o dr. Álvaro, a testagem regular e em massa da população é uma estratégia muito eficaz, pois a partir do conhecimento acerca da condição sorológica, é possível traçar os próximos passos. “O tratamento de pessoas soropositivas, além de prolongar seu ciclo de vida e proporcionar melhor qualidade de vida para as mesmas, acelera o enfrentamento da doença no país. Tratando todas as pessoas que vivem com HIV/aids, existe a chance de o vírus chegar a um nível tão baixo no corpo que os pacientes se tornam i=i, ou seja, indetectável é igual a intransmissível, consequentemente a circulação do vírus é barrada.”

Já a redução de danos consiste em um conjunto de medidas que visam reduzir os impactos físicos e psíquicos causados pelos psicoativos em dependentes químicos. Dentre as medidas, está, por exemplo, a troca de seringas para usuários de drogas injetáveis.

Testagem em gestantes e realização de pré-natal desde o início da gestação, são ações que evitam a transmissão vertical, ou seja, que vírus seja passado da mãe para o bebê.

Vacinar contra as hepatites A e B e realizar testagem para demais ISTs também são importantes. Estudos comprovam que pessoas positivas para algum tipo de IST estão mais vulneráveis a contrair outras infecções.

O uso do gel lubrificante junto a camisinha interna ou externa ajuda a evitar possíveis fissuras na região vaginal ou perianal, evitando o vírus HIV adentrar ao corpo.

Mandala da prevenção

Todas essas estratégias estão na Mandala de Prevenção, que é uma espécie de gráfico circular ou gráfico de pizza, como é popularmente conhecido. Criada no ano de 2016 pelo Ministério da Saúde, através do Departamento de Doenças de Condições Crônicas e ISTs, ela é muito utilizada por especialistas, por exemplo, em capacitações para exemplificar de forma lúdica e didática o conceito de cada uma das prevenções, facilitando então o entendimento.

Médicos e demais profissionais da saúde não descartam a camisinha, mas afirmam que não se pode continuar acreditando que o uso do preservativo comum é a única forma válida e eficaz de prevenção. Para eles, as outras estratégias de prevenção combinadas entre si são de suma importância, pois consideram o contexto de vida de cada indivíduo e aceleram o enfrentamento da doença no país.

“A camisinha ainda é extremamente válida e os inquéritos do Brasil mostram que a maioria das pessoas optam pela camisinha’’, afirmou dr. Álvaro Furtado.

Ivone de Paula, gerente de Prevenção da Coordenação Estadual de IST/Aids de São Paulo compartilha da mesma opinião. “O uso do preservativo continua sendo uma referência estratégica de prevenção, diferente do que pensam, ele continua na moda sim, é importante que as pessoas saibam usar e que saibam que podem encontrar na rede pública de forma gratuita. Nós inclusive temos um projeto juntos na prevenção, que engloba diferentes pessoas: a oficina mecânica, os donos de carrinhos de cachorro quente… Estamos fazendo todo um movimento no sentido de distribuir preservativos em mais lugares: no metrô, em frente ao serviço das pessoas, o nosso objetivo é facilitar o acesso aos insumos de prevenção. Sabemos que muitas pessoas não costumam ir ar serviço de saúde e se estiver no caminho do jovem facilita o acesso e facilita o uso’’, explicou, completando que “existem outras possibilidades de prevenção.”

“Tem gente que opta por uma forma, tem gente que opta por outra e tem gente que combina. É importante conhecer as possiblidades, principalmente as pessoas mais vulneráveis e poderem contar com a ajuda de um profissional”, diz o infectologista.

Ivone relembrou e atentou para o fato de que existem estratégias de prevenção que previnem somente do HIV e não incluem outras ISTs, como a sífilis e gonorreia.”

Os dois consideram que as possiblidades de prevenção e tratamento são muitas, mas pouco conhecidas pelas pessoas.

“A gente precisa levar esse conhecimento para o jovem que está na escola, aqueles que ainda não iniciaram a vida sexual, precisamos levar os métodos de prevenção principalmente para as periferias, para a população negra, a população pobre. A gente tem a política, temos um rede especializada, mas o acesso não é igual. O menino branco, rico ou de classe média acessa, mas aquele rapaz negro e homossexual da periferia ele não tem o mesmo acesso. Estamos trabalhando com o projeto Partiu PrEP Perifa, que é uma estratégia estadual para levar prevenção até as periferias e em locais que os jovens se reúnem. Começamos pelos municípios da grande São Paulo’’, contou Ivone de Paula.

Comunicação direcionada e clara

Para ela, precisamos mudar a forma de comunicar sobre HIV/aids e esse trabalho não deve acontecer somente pelos serviços de saúde, é necessária mobilização de escolas, e de toda a sociedade civil. “É preciso saber comunicar, levar a informação certa, da forma certa, para a pessoa certa e no momento certo, então, um desafio bem importante é como vamos comunicar com os jovens sobre tudo isso. Precisamos de uma linguagem apropriada, meios de comunicação apropriados. Se antigamente fazíamos um folder e o jovem pegava e achava bacana, hoje os jovens já não querem saber de papel, eles não têm nem bolso para guardar o papel. Então a gente precisa ir para as redes sociais, para os aplicativos de relacionamento. Nós da prevenção precisamos estar nestes lugares para falar com este público, mas falar de uma forma bacana também para que eles se interessem’’, disse.

Ambos foram questionados sobre como enxergam o atual cenário de enfrentamento do HIV/aids no Brasil e sobre os desafios ainda a serem enfrentados.

Para Ivone, avançamos, mas também tivemos um retrocesso imenso nos últimos 4 anos. Ela espera com entusiasmo que possamos voltar a olhar para as questões de orientação sexual e identidade de gênero e todas as questões sociais, entendendo que a diversidade é algo natural da vida e tratar devidamente como crime a violação desses direitos.

“Temos que nos indignar e temos que falar para que possamos mudar essas questões, assim teremos uma sociedade e um mundo melhor, mas isso é um trabalho de formiguinha e é um trabalho de toda a sociedade.”

Dr. Álvaro partilha da mesma opinião e também expressa otimismo para os próximos anos.

“A nossa maior dificuldade é fazer com que a informação chegue na população de forma universal, são muitas as disparidades. Precisamos falar longe dos centros urbanos, precisamos falar onde as pessoas pretas, as pessoas trans moram. Mas apesar do conhecimento da população ainda ser escasso, se o nosso planejamento englobar todas as estratégias, eu acredito que conseguiremos avançar”

O infectologista acredita que é preciso falar com clareza sobre a importância do sexo seguro. “Falar de sexo é tabu num país como o Brasil que é tradicionalmente machista, é difícil falar de educação sexual, tratar a questão do sexo nas escolas, falar das pessoas gays, trans, isso gera dificuldade em a informação chegar nas pessoas’’, concluiu.

Kéren Morais (keren@agenciaaids.com.br)

 

Dica de entrevista

Coordenação Estadual de IST/Aids de São Paulo

Tel.: (11) 5087-9933