Alguns dizem que ser mãe é ver mudar o eixo do seu mundo, que é ter um ou mais corações batendo fora do peito, é mais do que amar profundamente. Outros falam que é saber amar alguém mais do que a si própria. É bem mais do que aprender e ensinar sobre amor incondicional. É ser o exemplo desse amor. Neste Dia das Mães, comemorado no domingo (8), estamos homenageando Mães que Acolhem. Nesta reportagem, convidamos você a conhecer histórias de superação, amor incondicional e luta pela vida. São mulheres que são mães e avós e, depois que receberem o diagnóstico positivo para o HIV, foram acolhidas pelo Movimento Nacional das Cidadãs Posithivas (MNCP). Hoje, com muita resiliência, continuam dando conta da maternidade, acolhem outras mulheres e lutam incansavelmente pela garantia da saúde integral de quem vive com HIV e contra o preconceito.

Há quase duas décadas, o MNCP tem trabalhado para garantir o fortalecimento das mulheres vivendo com HIV/aids e para promover o acesso a informações corretas, com evidências científicas, na prevenção e o tratamento do HIV. O movimento une esforços de mulheres de diversas cidades brasileiras, com o objetivo de visibilizar a realidade das mulheres posithivas, promover o diálogo e eliminar a discriminação relacionada ao HIV/aids. Muitas integrantes são mães, com trajetórias marcadas pela coragem na busca por autonomia, direitos, acesso à tratamento e tantos outros desafios presentes na vida daquelas que vivem e convivem com o HIV. O MNCP nasceu com a missão de acolher a todas, independente de credo, orientação sexual, raça ou cor, ou orientação político-partidária e identidade de gênero. O movimento reúne biografias marcadas por desigualdades sociais e de gênero, são mulheres que ano a ano contribuem para a reconstrução da identidade e apoio social.

“Minha primeira vitória contra aids foi receber a confirmação de que a minha filha não tinha sido infectada”

Cleusa e sua filha Sara.

Cleusa Helena tem 52 anos, é mãe da Sara dos Santos e traz em sua trajetória uma vida de superação. Ela vive com o HIV há 31 anos, descobriu a sorologia em um momento delicado, quando sua filha tinha apenas 8 meses e estava na fase da amamentação. “Foi um susto, mas com certeza minha primeira vitória contra a aids foi receber o resultado negativo do teste da minha menina, foi Deus. O HIV também é transmitido de mãe para filho, durante a gravidez, o parto ou na amamentação. Claro que nos primeiros anos da epidemia de aids tudo era mais desconhecido. A minha filha ficou em acompanhamento médico por um tempo e a cada consulta meu coração ia na boca”, contou.

A ativista lembra que a situação ficou ainda mais difícil naquela época porque seu marido adoeceu com tuberculose e pneumonia. “Parecia que a minha família ia desmoronar, eu não sabia se ficava assustada ou se cuidava do meu companheiro e da minha filha… Fiz o teste de HIV porque o meu marido adoeceu, o resultado positivo foi um susto muito grande.”

Há cinco anos Cleusa conheceu o Movimento Nacional das Cidadãs Posithivas e teve contato com outras histórias parecidas com a sua. Chegou no MNCP com muito receio, tinha medo do preconceito. Hoje, tudo mudou, e ela se sente tão à vontade que consegue acolher outras mulheres. “Não é fácil enfrentar o HIV sozinha. Me sinto acolhida pelo MNCP, gosto de participar das discussões com essas mulheres guerreiras e cheias de vida.”

“Quando descobri minha sorologia a minha vida parou, eu acreditava que era uma sentença de morte. Mas logo voltei a estudar, fiz faculdade e fui caminhando. Hoje estou muito orgulhosa da pessoa que me tornei. Como qualquer outra pessoa que vive com HIV, tomo minhas medicações e vou seguindo e trabalhando do jeito deve ser.”

Para Cleusa, a maternidade despertou nela a vontade de continuar viva. “O HIV fortaleceu ainda mais a minha relação com a minha menina. Ela já tem 30 anos, é minha melhor amiga, cuidadora e companheira. Se existe coisa mais unida do que nós duas eu desconheço, a nossa ligação é muito forte. Somos uma pela outra, eu nem consigo descrever a nossa conexão”, disse emocionada.

Neste Dia das Mães, a mensagem de Cleusa vai para todas as mulheres que estão passando ou passaram recentemente por situações parecidas. “O amor é mágico. Ser mãe é a melhor coisa do mundo, ouvir alguém te chamando de mãe é indescritível. Até hoje meu coração aquece quando ouço minha menina dizer mãe.”

Encontrei nos meus filhos a força para continuar viva

Gina e os filhos Vinícius e Marina.

Gina Hermann é mãe, avó, tem 53 anos, mora no Rio Grande do Sul, é assistente social e atualmente coordenadora estadual e regional MNCP.

Ela conta que entrou no movimento social a procura de acolhimento e informações sobre viver com HIV e acabou ganhando uma família. Gina recebeu o diagnóstico há 16 anos. “Entrei no movimento social porque considerei que se ficasse perto de pessoas que entendessem minha patologia seria mais fácil me aceitar. E por surpresa descobri o Movimento das Cidadãs Posithivas, me apaixonei pela força das mulheres com HIV. Foi ai que despertou em mim a vontade de voltar a estudar e cursar serviço social.”

Assim como muitas mulheres, Gina descobriu o diagnóstico o HIV tardiamente, quando já enfrentava o quadro de aids. “Eu estava no leito de hospital, com oxigênio e enfrentando uma pneumocistose, tinha certeza que ia morrer.”

Foi no amor incondicional dos filhos que ela encontrou forças para viver. “Meu filho Vinicius Hermann tinha 21 anos e minha filha Marina Hermann 6. Fiquei desesperada, pensava o tempo todo em quem poderia cuidar da minha pequena. Foi minha filha quem me deu uma força imensa para querer viver”, relembrou.

Além de aprender a lidar com a condição sorológica, as pessoas com HIV precisam focar no autocuidado, no tratamento e se blindar contra o preconceito. Gina lembrou que o apoio da família foi fundamental nesta fase. “Minha família é incrível, eles sempre me apoiam em tudo, meus filhos nunca tiveram vergonha de mim. Lembro que nem sempre estava atenta aos horários das medicações e minha filha me ajudou muito. Tomava remédios para a saúde mental e para o HIV. Dizia que uma medicação era para a paz e outra para a vida e que eu precisava de paz para viver e continuar com ela, e minha filha entendeu isso, e todo dia ela me lembrava dos remédios da paz e da vida.”

E no momento de enfrentar o preconceito, Gina teve o apoio do filho mais velho. “Meu filho me fez ver que eu me excluía por viver com HIV, eu tinha medo de alguém fazer mal a mim ou a minha família. Ele me ajudou a lidar com o autopreconceito”

“A princípio a aids veio para tentar me matar, mas foi o contrário, o HIV me deu gás para a vida”, finalizou.

Hoje, depois de fortalecida e acolhida, ela tem usado sua história para acolher outras mulheres. “Todos os dias aparecem mulheres, geralmente são mães. Lembro de uma que acolhi, o sonho dela era ser mãe e acreditava que não poderia ser pelo fato de viver com HIV. Conversamos muito e hoje ela tem um filho de 5 anos. Ou seja, há vida depois do HIV.”

Gina diz que “vale apena lutar, vale apena cada dia, cada comprimido. Acompanhar o crescimento dos nossos filhos não tem preço, temos que nos cuidar para ver nossos netos, e acreditar que é possível se tornar mãe e criar filhos livres do preconceito. A luta social por direitos continua sendo fundamental”, conclui.

 

Depois do HIV, converso abertamente sobre educação sexual e prevenção com os meus filhos

Credileuda e seu esposo Judevan.

Credileuda tem 51 anos e vive há quase três décadas com HIV. É mãe do Kefferson, de 32 anos, e da Ieza, de 26. Seus filhos não vivem com HIV, a mais nova nasceu depois do diagnóstico e todos os cuidados foram tomados durante o pré-natal e o parto. Ela fala com muito orgulho que é avó da Jeniffer, do Reginaldo e da Isa. É casada há 10 anos com Judevan.

Já foi representante estadual do MNCP no Ceará e fez parte da Secretaria Política Nacional do MNCP entre 2018 e 2021.

Entrou no Movimento das Cidadãs Posithivas a partir de um convite. “Estava fazendo um curso de liderança e ativismo quando recebi a proposta para trabalhar com mulheres, tratando sobre as nossas especificidades, achei legal e importante, porque em muitos lugares não temos essa liberdade.” A partir daí se juntou ao MNCP, onde está até hoje, ajudando e acolhendo outras mulheres.

“Me senti acolhida quando entrei no movimento porque via mulheres se colocando e se posicionando pela nossa causa, vi elas trabalhando o coletivo e procurando ajudar outras mulheres”, relatou Credileuda.

A ajuda, segundo ela, vem do grupo que se reúne para fazer o bem e amparar outras mulheres. “Todo dia temos uma nova demanda de mulheres que estão acamadas e outras que não tem o que comer, diariamente fazemos algo para tentar amenizar o sofrimento delas e garantir pelo menos o básico.”

O relacionamento de Credileuda com os filhos melhorou muito depois do diagnóstico e foi o ponto de partida para ela reforçar ainda mais as informações sobre educação sexual. “Sempre conversei com as pessoas abertamente sobre a minha sorologia e com meus filhos não foi diferente, isso me deu abertura para conversar com ele sobre educação sexual e a importância do uso de preservativos em todas as relações sexuais.”

A ativista tem um recado para todas as mães nesta data especial: “Não desistam nunca da vida, mantenham sempre um sorriso no rosto. Viva com alegria porque isso é importante.”

Gisele Souza (gisele@agenciaaids.com.br)

 

Dicas de entrevista

Cleusa Helena

E-mail: cleo_helena@hotmail.com

Gina Herman

E-mail: ginahermann@hotmail.com

Credilueda Azevedo

E-mail: credileudaazevedo@gmail.com