Evento também discutirá também as vantagens da vacina contra febre amarela e a ausência de terapia eficaz para a Doença Hepática Gordurosa Não-Alcoólica, considerada um dos males do século XXI

Pesquisadores de infectologia e hepatologia estarão reunidos de 29 de abril a 1º de maio, na cidade de São Paulo, na primeira edição do simpósio Meeting the Experts, para debater os avanços e as defasagens dos protocolos de atenção aos pacientes portadores de hepatite C, febre amarela, HIV/AIDS, DHGNA (Doença Hepática Gordurosa Não-Alcoólica) e de outras doenças infecciosas. O evento é uma iniciativa da gestora de eventos científicos CCM Congresses, em parceria com a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) e Sociedade Brasileira de Hepatologia (SBH).

“O Brasil oferece atualmente um dos melhores tratamentos do mundo para os seis genótipos da hepatite C, sobretudo os três primeiros, mais comuns no país, e também os quatro graus de fibrose ou endurecimento do fígado, que leva a complicações como a cirrose e o câncer hepático”, afirma o doutor em infectologia Sérgio Cimerman, coordenador científico do evento, presidente da SBI e médico do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, em São Paulo.

Segundo o especialista, o tratamento é universal, rápido (entre 12 e 24 semanas) e o mais atualizado para todos os cerca de 1,5 milhão de pacientes no país. Ele elogia a aprovação deste ano pelo SUS de mais dois medicamentos inovadores. A combinação ledipasvir + sufosbuvir é o primeiro comprimido único diário para tratar o genótipo 1 da doença, que acomete mais de 70% dos pacientes e garante taxa de controle de 95%.  Outro composto – elbasvir + grazoprevir – tratam os genótipos 1 e 4 da hepatite C, com resposta favorável superior a 90%. Ambos com menos efeitos colaterais.

“O genótipo 3 é o que responde menos aos tratamentos clínicos. No Brasil, embora seja o menos presente entre os seis genótipos, sua incidência é verificada mais na população do Rio Grande do Sul, ainda por razões desconhecidas dos pesquisadores”, explica Dr. Cimerman.

FEBRE AMARELA – Durante o evento, os especialistas discutirão se o Brasil está preparado para enfrentar uma nova epidemia de Zika vírus, febre chikungunya e dengue. Também será debatido por que a febre amarela extrapolou a área considerada endêmica (região amazônica), alastra-se em áreas silvestres onde vivem comunidades de macacos (epizootia em primatas não-humanos – PNH), aproximando-se de regiões metropolitanas adensadas no Centro-Oeste, Sudeste e Sul do país, infestadas de Aedes aegypti e com população ainda não-vacinada.

“Vamos analisar esta situação epidemiológica da febre amarela, se a incidência atual em humanos é grave e destrinchar mitos e verdades sobre a vacinação, para mostrar que seu custo-benefício é bem maior do que eventuais efeitos adversos”, adverte Dr. Cimerman.

Segundo boletim do Ministério da Saúde, datado de 27 de março, desde julho do ano passado foram confirmadas 665 epizootias em PNH e 1.131 casos humanos (338 óbitos), 99,9% destes casos na região Sudeste. No período anterior de monitoramento (2016/2017) foram 660 casos humanos e 210 óbitos. O boletim destaca que, embora tenha crescido o número absoluto de casos, a incidência por 100 mil habitantes diminuiu (6,68 vs 3,00) entre os dois períodos, porque o surto de febre amarela ocorreu agora em maiores contingentes populacionais, em estados como Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo.

Os especialistas avaliarão medidas adotadas por Ministério da Saúde, estados e municípios para combater as arboviroses transmitidas pelo Aedes aegypti. Dentre as abordagens e tecnologias voltadas ao controle vetorial estão armadilhas disseminadoras de larvicidas; estratégias ecobiosocial e de mapeamento e estratificação de risco; borrifação residual intradomiciliar. No âmbito da pesquisa, a utilização da bactéria Wolbachia para supressão da população e bloqueio da transmissão viral; insetos transgênicos e irradiados.

HIV/AIDS – O programa brasileiro de assistência ao paciente com HIV/aids é considerado inspirador pela comunidade científica internacional por suas inovações ao longo de mais de 30 anos, com investimentos de R$ 1,1 bilhão por ano somente em medicamentos e com recursos exclusivos da União. Dentre os avanços nesta trajetória, a lei 9.313/1996 que assegura os antirretrovirais a todos os pacientes do SUS, o acesso aos antirretrovirais às pessoas com carga viral detectável a despeito dos níveis de CD4 (linfócitos atacados pelo retrovírus), a Rede Nacional de Genotipagem (teste para detectar resistência genética do retrovírus aos medicamentos), o teste de carga viral (PCR) e o teste do nível de linfócitos CD4, entre outros.

No evento, Adele Benzaquen, diretora do Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das IST, do Ministério da Saúde, destacará as recentes atualizações na profilaxia pós-exposição ao vírus (PEP), com a oferta do dolutegravir junto com o composto 2 em 1 (tenofovir + lamivudina) e dos inibidores da integrase (enzima que espalha o DNA viral nas células infectadas), além da exclusão de fármacos com alto efeito colateral, como o efavirenz, com base em evidências científicas. Os novos protocolos clínicos cobrem todos os casos de contaminação: sexo consentido, acidente ocupacional e violência sexual. A estratégia de prevenção combinada amplia a profilaxia pré-exposição (PREP) com o composto tenofovir + emtricitabina. Outras intervenções estruturais incluem fortalecer a política de redução de danos nos serviços estaduais e municipais de saúde, para orientar os pacientes usuários de drogas, silicone industrial e hormônios, assim como criar marcos legais para proteção de direitos como a aposentadoria especial.

“Temos muito a comemorar. Foram mais de 87 mil PEP em 2017. Até maio deste ano, vamos oferecer PREP em 65 serviços em todos os estados. A meta é realizar nove mil profilaxias pré-vírus. Mas ainda persistem desafios, como educar para o uso permanente dos preservativos, obter a adesão das populações mais periféricas, pobres, jovens e vulneráveis, além de reduzir o índice de internação por aids”, adverte Dra. Benzaquen, que é doutora em Saúde Pública.

A CAMINHO DA CURA – O infectologista Ricardo Diaz, professor e pesquisador da Escola de Medicina da Unifesp, analisará estudos que sinalizam em breve a cura funcional (controle) ou até mesmo a cura esterilizante (definitiva) do HIV/aids.

Um dos testes em laboratório busca ativar o HIV encontrado nas células latentes de vida longa, que não são infectadas de imediato e servem de esconderijo para o retrovírus despistar o sistema imunológico. Assim, possibilita que antirretrovirais mais potentes possam eliminá-lo. Outra terapia utiliza sais de ouro (auranofin) para modificar o fenótipo dessas células latentes para o de células de vida curta, vulneráveis à ação dos antirretrovirais. A genética também busca uma saída, com a mudança do gene que codifica o receptor CCR5, essencial para a entrada do HIV nas células sãs do organismo.

“A cura esterilizante é viável porque o HIV não infecta células definitivas como as do sistema nervoso central, trato gastrointestinal, testículos e ovários. Somente as células passíveis de reposição no organismo. A cura deverá chegar primeiramente aos pacientes tratados precocemente, com menor carga viral, maior taxa de linfócitos e menor quantidade de células latentes”, explica Dr. Diaz.

“Vacinas, transplante de medula óssea e fármacos inovadores podem trazer em breve a cura esterilizante ou expandir os níveis de cura funcional, que já pode ser verificada nos grupos de pacientes que chamamos de ‘controladores de elite’, pois apresentam carga viral indetectável e taxa elevadas de linfócitos CD4 por longo período”, complementa.

Para ele, os efeitos colaterais dos medicamentos nem de longe se igualam às degenerações inflamatórias provocadas pelo vírus em órgãos como cérebro, artérias, fígado, rins e coração, acelerando o envelhecimento em 15 anos e precipitando doenças como câncer.

SUPERBACTÉRIAS – A programação do Meeting the Experts debaterá temas que inquietam os cientistas, como por exemplo a resistência cada vez maior das bactérias aos antibióticos. “O problema é mundial. Prescrição errada e uso irracional de antimicrobianos têm transformado as comuns pneumococos e estafilococos em superbactérias e gerado mais internação, mais custos de tratamento e falta de controle de doenças”, avalia Dr. Cimerman.

DHGNA – Os especialistas também debaterão a Doença Hepática Gordurosa Não Alcoólica (DHGNA), já batizada como um dos “males do século XXI”. Intimamente ligada à síndrome metabólica, que reúne diabetes, obesidade, hipertensão e outras enfermidades, a DHGNA não tem atualmente um tratamento eficaz, seja dieta, exercício físico ou remédio. Ela começa com uma esteatose e evolui para esteato-hepatite (fibrose), cirrose e carcinoma hepato (câncer), nesta ordem.

“Vamos debater a perspectiva aprovação e acesso a cinco drogas que estão em fase 3 de pesquisa e que poderão trazer um alento para esses pacientes”, informa o pós-doutor em hepatologista Mário Reis, em referências às substâncias selonsertib, elafibranor, cenicriviroc, ácido obeticólico e liraglutida.

Professor da Universidade Federal do Rio grande do Sul (UFRGS) e um dos coordenadores científicos do evento, Dr. Reis será moderador de debate com especialistas latino-americanos sobre o Projeto ECHO, desenvolvido pela UFRGS e pela Universidade Novo México (EUA) como uma rede online de produção e intercâmbio de conhecimentos sobre o tratamento de doenças crônicas, epidêmicas e complexas, a começar pela hepatite C. O ensino é conduzido por mentores que agilizam a atualização de médicos, enfermeiros e outros especialistas no que há de melhor em boas práticas clínicas.

Fonte: Destak