A estratégia do governo federal para combater a gravidez precoce na adolescência e as infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), de orientar jovens, nas escolas brasileiras, a não fazer sexo, “causa surpresa a quem trabalha com a epidemia de aids”, diz o médico infectologista Ronaldo Hallal, que entre 2011 e 2013 foi coordenador-geral de Cuidado e Qualidade de Vida do Departamento de IST/Aids do Ministério da Saúde. Ele diz que a abstinência sexual enquanto política pública “não tem base científica”.

“Há grandes estudos mostrando que a educação sexual, em comparação com a abstinência, causa iniciação sexual mais tardia, menos parceiros e maior uso de preservativos. O PEPFAR, um fundo constituído pelos Estados Unidos durante o governo Bush para investir no combate ao HIV na África, descartou a abstinência sexual porque não havia impacto relevante na redução de casos de HIV. A abstinência e o uso da camisinha não são políticas conciliáveis”, afirma Hallal, que também faz parte da Sociedade Brasileira de Infectologia (Sbin).

Ainda não foram divulgados os detalhes sobre a política pública, capitaneada pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), de Damares Alves – sabe-se que as ações começarão em 3 de fevereiro nas redes sociais. A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) considera adolescente quem tem entre 10 e 20 anos.​ O Brasil teve queda nas taxas de gravidez de jovens na última década, mas a média é uma das maiores da América Latina.

A SBP não quis conceder entrevista sobre o assunto e, por nota, defendeu que adolescentes devem conhecer a biologia do próprio corpo. Segundo a entidade, “é direito do indivíduo conhecer seu próprio corpo e receber informações e cuidados adequados à saúde reprodutiva”. O texto ainda diz que, para a entidade, “essas ações contribuem para prevenir uma gravidez não planejada, adotar práticas de planejamento familiar e prevenir o aparecimento de Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs)”.

A Organização das Nações Unidas para a Educação, Cultura e Esporte (Unesco) elaborou um guia para orientar médicos e professores do mundo inteiro sobre como tratar da educação sexual em escolas. Dentre os conteúdos que devem ser ensinados, estão fisiologia e anatomia sexual, puberdade e menstruação, saúde reprodutiva, métodos contraceptivos, ISTs, diversidade sexual, violência de gênero, amor, orientação sexual e igualdade de gênero. Análises estatísticas mostram que países que implementaram educação sexual têm melhores índices de gravidez precoce.

A psiquiatra Carmita Abdo, coordenadora do grupo de Estudos em Sexualidade da Universidade de São Paulo (USP), afirma que uma política pública estimulando a abstinência irá apenas respaldar jovens que já se identificam com a prática. Ela foi líder de um estudo, feito em parceria com o laboratório Pfizer, que estimou que brasileiros perdem a virgindade entre os 13 e 17 anos, com maior incidência aos 15.

“O jovem sabe que a camisinha protege. Fizemos um estudo no início dos anos 2000 em escolas públicas e privadas e vimos que 97,5% dos adolescentes sabiam. Para escolher o melhor momento, que de fato é o seu, ele precisa entender o que está acontecendo consigo, precisa estar suficientemente orientado. E orientar é explicar o que ele está vivendo. Muitas vezes, a menina quer ser mãe porque quer ter casa, quer ter filha, quer ter algo seu. Quem sabe sugerir para ela investir em algo só seu, como o próprio futuro?”

Fonte: Zero Hora