O webinário “A Pandemia na Pandemia” chegou ao fim com uma roda de conversas totalmente feminina. Por mais de uma hora, especialistas na temática, lideradas pela jornalista Fabiana Mesquita, debateram HIV, covid-19 e os impactos globais e nas gestões públicas.

A infectologista Adele Benzaken, Diretora do Programa Médico Global da AHF, abriu a conversa dizendo “estamos aqui para elevar a voz e dizer que não podemos ficar à mercê do novo coronavírus. A covid vai deixar 47 milhões de mulheres na pobreza. As profissionais do sexo ficaram desempregadas nesta pandemia”, afirmou, homenageando ainda as mulheres que trabalham no sistema de saúde. “Na pandemia, devemos priorizar todos os serviços de proteção social.”

De São Paulo, a coordenadora-adjunta do Programa Estadual de DST/Aids, Dra. Maria Clara Gianna, disse que é uma entusiasta do trabalho. “Adoro o que faço, gosto de estar no CRT em contato com as pessoas que vivem com HIV/aids e o movimento social. Gosto de conversar com as pessoas. Tenho acreditado cada vez mais no diálogo e na juventude. Para empoderar as mulheres o caminho é a educação. Precisamos discutir HIV e sexualidade no espaço escolar.”

Ariadne Ribeiro, do Unaids Brasil, completou o time. “Descobri o HIV em 1999, aos 18 anos. Estou viva porque fui acolhida no CRT São Paulo. É sempre bom lembrar que o SUS foi criado para ser universal, com equidade. O estigma estrutural é um problema grave e impede avanços. Sou trans, mas sou privilegiada porque sou branca. As pessoas negras, trans e de periferias precisam do nosso olhar.”

Fabiana, aproveitou a fala de Ariadne para lembrar que ter privilégios não é pecado, mas é preciso reconhecer. “Não estamos todos no mesmo barco, mas estamos na mesma maré.”

Impacto da pandemia na questão do tratamento e da prevenção

Citando um documento do Unaids do qual participou, “Prevenindo contra epidemias: colocando as pessoas no centro da resposta”, Dra. Adele disse que houve declínio na questão do tratamento, com desabastecimento em 27 países da Europa. “Chama atenção um dado sobre o futuro aumento do preço dos antirretrovirais decorrente do impacto da covid. Talvez os países devam ficar alertas na negociação da compra dos medicamentos desde já, prevenindo esse aumento.” Ela também informou que o relatório estima que a pandemia atual vai resultar em 300 mil infecções e 150 mil mortes adicionais, além do previsto.

Dra. Maria Clara contou sobre a situação do atendimento ao HIV/aids em São Paulo. “Nós tivemos que nos adequar, um processo de grande aprendizado. Houve um impacto significativo no diagnóstico de novos casos. Em um primeiro momento, diminuímos muito os testes. Estamos retomando. No ano passado a gente chegou a 640 municípios com a campanha fique sabendo e este ano chegamos a 550, por conta da pandemia, um resultado importante em um ano em que achamos que nem teríamos a campanha”.  No entanto, houve um impacto inicial muito grande na PrEP. “O movimento e agilidade na inclusão de novos municípios e novos usuários foram muito prejudicados. Mas a gente está retomando.”

Uma questão também levantada por Dra. Maria Clara foi o número cada vez menor de profissionais de saúde dentro das unidades públicas de saúde. “Não adianta dizer que existem leitos para os doentes de saúde, se não tem profissionais de saúde que possam estar trabalhando nesses leitos”.

Ariadne relatou que o Unaids fez duas pesquisas em momentos específicos. Uma no início da pandemia pra saber como as pessoas vivendo com HIV e as populações chave estavam se sentindo afetadas. “Houve um número muito grande de relatos de questões de saúde mental. Então,  a gente lançou um guia para poder ser utilizada a técnica de terapia comunitária sistêmica no ambiente virtual. Ela pode ser usada em plataformas virtuais, proporcionando um maior contato com as pessoas”, informou Ariadne.

Ela também destacou o empobrecimento das populações. “Este é um problema que deve ser lidado em todos os níveis. Todo mundo precisar fazer um esforço agora de olhar para essas populações de forma mais intersetorial, entendendo que o estigma e discriminação levaram essas pessoas a um lugar diferente de falta de oportunidade, de falta de acesso, e foram afetadas pelo impacto socioeconômico da covid-19”, disse ela.

O que fazer e o que está sendo feito para mitigar o impacto da pandemia

Dra. Adele cita algumas estratégias de mitigação da pandemia, algumas que já foram e outras que poderiam ser adotadas:

– dispensa de medicamentos por um período maior (de 3 a 6 meses);

– pré-empacotamento dos medicamentos, para diminuir o tempo de permanência nos serviços;

– adoção da telemedicina;

– uso de mídias sociais para aumentar a adesão e consultas;

– horário estendido das clínicas;

– alternativa de meio de envio de entrega dos ARV;

– equipamentos de proteção para os profissionais de saúde;

– aceleração do processo de utilização do autoteste.

Dra. Maria Clara contou o que o CRT tem feito em São Paulo. “Temos distribuído o autoteste em nossas ações e envolvendo os municípios para que esse processo possa se dar.” Ela também disse que passaram um questionário para todos os serviços de saúde do Estado para identificar o que estava sendo mais comprometido com a pandemia. “A maioria dos serviços já está fornecendo a dispensa dos medicamentos para 60 dias”.

Com a parceira do Instituto Cultural Barong, das Cidadãs Posithivas e apoio do UNAIDS, o CRT iniciou um projeto que começou a entregar medicamentos para pessoas que tinham medo de comparecer aos serviços. “Aqui no Brasil a gente não tinha ainda a experiência de distribuição de medicação liderada pela comunidade e foi uma iniciativa absolutamente bem sucedida. Esta também é uma medida eficaz pra chegar onde as pessoas não conseguem chegar”, explicou Ariadne.

“A AHF tem sido uma parceria muito importante também, trabalhando com vinculação e retenção de usuários nos serviços do município de São Paulo”, pontuou Maria Clara. Além disso, o CRT criou um espaço mensal chamado Manhãs Positivas, onde é discutido com os programas municipais como se organizar para a pandemia.

Como lidar com o estigma

Fabi observou que a discriminação hoje mata muito mais que o HIV e quis saber das convidadas o que pode ser feito dentro dessa perspectiva, do estigma e da discriminação. “O que a gente faz com essa sobreposição de estigmas para as pessoas vivendo com HIV, que são vulneráveis, que muitas vezes já são gays, ou negras, ou de periferia ou profissionais do sexo?”

“Nós temos que enxergar uma forma de trabalhar intersetorialmente com algumas populações específicas que já tem esse trabalho intersetorial, como é o caso de usuários de substâncias psicoativas e pessoas em situação de rua. Essa sobreposição de vulnerabilidades precisa ser o foco do nosso primeiro contato. Porque quando a gente pega aqueles que eram mais difíceis de tratar, de ter adesão, e consegue de alguma forma ressignificar o sentido do autocuidado, do amor próprio, da autonomia, a gente tem condição de mostrar que esse trabalho intersetorial é possível e ele pode ser aplicado em outras áreas também”, salientou Ariadne Ribeiro.

“Como amazonense, me sinto na obrigação de lembrar no aumento da pobreza em povos indígenas, as dificuldades e medos enfrentados pela própria liderança e, principalmente, a insuficiência da resposta governamental as demandas dessas comunidades aldeadas”, reiterou Dra. Adele. Ela ainda destacou que os números mostram que determinadas etnias podem ser dizimadas pelo covid e que existe um problema adicional: como acessar essas comunidades no caso da vacina ser implementada. Ela pede o alinhamento da ciência e ações governamentais. “Temos que exigir que o governo federal avalie essas políticas públicas junto às populações indígenas.”

Dra. Maria Clara trouxe para a conversa a questão do legislativo. “No país hoje a gente precisa de aliados, tivemos uma emenda super importante para a questão da sífilis. Temos que pensar no custeio dessas ações”, ressaltou. “Nós temos uma questão emergencial que precisa de uma mobilização maior. Seria importante que o legislativo também pudesse olhar para essas questões da cesta básica, da educação. É importante a gente encontrar parcerias que possam viabilizar o enfrentamento de uma questão tão grave. A gente precisa de alianças muito maiores, do governo federal, do legislativo, que olhem para essas questões com a prioridade e a urgência que elas têm.”

O webinário faz parte de uma série de ações que a Agência Aids vem realizando em homenagem ao Dia Mundial de Luta Contra Aids. O webinário tem o apoio da DKT do Brasil, da GSK/ViiV, da Gilead, da MSD, do Senac São Paulo e do Fundo Positivo.

Redação da Agência de Notícias da Aids