O HIV é uma partícula minúscula, formada de proteína e RNA. Mas com seus poucos nanômetros de diâmetro, foi sem dúvida o vírus que provocou o maior impacto na humanidade.

Muito além dos impactos biológicos provocados no corpo de quem se infecta com ele, o HIV, sua epidemia e tudo mais que ocorreu em decorrência deles mudaram a forma como a sociedade enxerga o sexo e a sexualidade.

Sendo assim, um ser humano só estará adequadamente capacitado para viver nesse mundo no período pós-década de 1980, se conhecer conceitos básicos sobre a epidemia de HIV e tiver encontrado uma maneira de lidar com esse vírus de forma saudável, seja ela para sua prevenção ou para seu tratamento.

Essa “capacitação em HIV”, no entanto, quando se dá moldada pelo senso comum, na maioria das vezes desemboca em construções equivocadas de estigmatização e culpabilização das pessoas que vivem com HIV/Aids, provocando sobre elas um marcado sentimento de julgamento e discriminação, ao que damos o nome de sorofobia.

Qualquer cidadão, portanto, que nasce no Brasil e cresce no piloto automático, tem grandes chances de ser sorofóbico.

Exemplos dessas construções equivocadas que circulam de forma corriqueira são ideias como “Para acabarmos com a epidemia de HIV é fácil, basta usar camisinha” ou então “Pegou HIV porque fez coisa errada”.

Construções como essas não só não ajudam no controle das novas infecções, como também colocam o enorme peso da culpa da epidemia sobre os ombros das pessoas que vivem com esse vírus. Afinal, por elas se conclui que “pegaram porque quiseram”.

A dinâmica da epidemia de HIV/Aids é bem mais complexa que isso. É influenciada por inúmeros fatores que passam, sim, por aqueles individuais e biológicos, como por exemplo o número de parcerias sexuais de um indivíduo, o tipo de sexo praticado e o uso de métodos de prevenção; mas também por determinantes sociais, tais as barreiras de acesso à educação, saúde, segurança e cidadania.

Dito de forma direta, além do sexo sem camisinha, a LGBTfobia, a pobreza, a falta de educação, o machismo, o abuso de substâncias, a ausência de uma rede de acolhimento e a não implementação de políticas públicas de prevenção funcionam também como combustíveis para a disseminação do HIV.

O ensino e a compreensão dessas complexidades e das dimensões que permeiam as formas com que o HIV interage com a sociedade podem se dar de muitas formas além daquelas acadêmicas e universitárias, promovendo essa discussão em ambientes alternativos e leigos, e melhorando aquilo que chamei acima de “capacitação em HIV”.

Ao longo dos 43 anos de epidemia de HIV/Aids, muitos livros, músicas e produções teatrais ou audiovisuais se propuseram a trazer por meio da arte essa discussão para a vida real das pessoas que não vivem com HIV, levando-as a refletirem sobre os equívocos que acreditavam ser verdades sobre essa epidemia.

Entre as obras que o fizeram de maneira primorosa e bem-sucedida está a “Trilogia para a Vida” de teatro musical realizada pelo Núcleo Experimental de São Paulo (@nucleoexp), recém-lançada na forma de livros pela Editora Ercolano (@ercolanoeditora).

São 3 peças que abordam diferentes aspectos do impacto do HIV/Aids na sociedade. Na primeira, “Lembro todo dia de você”, um jovem rapaz gay busca formas de lidar com seu diagnóstico e com a sorofobia do mundo em que vive.

Na segunda, “Brenda Lee e o Palácio das Princesas”, a vida de uma figura história da epidemia paulistana de HIV é usada como argumento para discutir o universo das travestis e mulheres trans. E na última, “Codinome Daniel”, é retratada a trajetória de uma vida inteira de luta do ativista importante, mas pouco conhecido, Herbert Daniel.

Por darem o tamanho certo tanto para o vírus quanto para a sorofobia, e por seu potencial de ajuda na “capacitação em HIV”, eu recomendo as três obras como porta de entrada nessa temática para todos os brasileiros.

Se quisermos avançar no controle dessa epidemia de estigmas, precisamos falar mais sobre o assunto com a população geral, mas não com o tom sombrio de busca por culpados, e, sim, com acolhimento e vida.

Fonte: UOL / Rico Vasconcelos