Entre pessoas com mais de 50 anos, pessoas LGBTs têm pior acesso ao sistema de saúde, público e privado, no Brasil.

Jill, 59, Rosangela, 66, e Luís, 62, lutam pelo acesso à saúde nas velhices LGBTs - Arquivo pessoal

O que aconteceu

De acordo com o estudo, 53% das pessoas LGBTs acreditam que os profissionais não estão preparados para lidar com suas particularidades de saúde.

O resultado principal do estudo demonstra que orientação sexual e identidade de gênero são determinantes para um pior acesso aos serviços de saúde no país.

A pior pontuação de acesso à saúde é da população LGBT+ negra: 41%. Pessoas LGBTs brancas ficaram com 29%. Por outro lado, apenas 17% das pessoas cisgêneras e heterossexuais brancas avaliaram como ruim seu acesso à saúde contra 28% da população cis e hétero negra.

A pesquisa “Transformando o invisível em visível: disparidades no acesso à saúde em idosos LGBTs” foi realizada por pesquisadores do Hospital Albert Einstein, da Faculdade de Medicina da USP e Universidade de São Caetano do Sul.

Despreparo dos profissionais de saúde

Foram entrevistadas 6.693 pessoas, sendo que 1.332 se identificam como LGBT+, que usam a rede pública e privada de saúde.

O policial penal aposentado Jill Alves de Moraes, 59, faz parte do menor recorte da pesquisa, a dos homens trans. Jill faz o processo hormonal com testosterona pelo SUS desde 2015 e enxerga o despreparo da medicina com os corpos trans.

“A medicina desconhece os nossos corpos, não estudaram nem sabem o que estão aplicando”, lamentou. “Estou envelhecendo, mas posso ter uma velhice curta, porque o limite para homens é 77 anos, mas, até agora, nenhum homem trans chegou [nessa idade].”

Jill optou pelo tratamento hormonal mesmo sabendo dos riscos que poderia ter a sua saúde, já que ainda não existem estudos aprofundados sobre esses efeitos.

Precisamos de um protocolo único para todo o sistema de saúde. Sem entender os efeitos do hormônio esse corpo vai morrer, a médio e longo prazo. Eu pago esse risco porque estou pleno e feliz.”
Jill, homem trans de 59 anos

Mulher lésbica negra, Rosangela Castro, 66, encara dificuldades nos atendimentos há anos. “Quando falei para uma ginecologista que eu era lésbica, ela falou que não havia me perguntado minha ‘opção sexual’, que não era importante saber”, lembrou.

“Outro médico não fez exames das minhas mamas e eu perguntei se ele não iria fazer. Ele, sabendo que sou lésbica, respondeu ‘se você não amamenta… não amamenta com leite’.”

O fato de ser uma mulher lésbica e negra, aponta Rosangela, piora o seu atendimento —não importando a especialidade médica que procure. “Eles desconhecem nossas especificidades, nos atendem como se fossemos brancas.”

Uma das coisas que o racismo institucional faz é que esse profissional não olhe para o nosso rosto.”
Rosangela, mulher cis lésbica negra de 66 anos

Agora, aos 66 anos, ela explica que os profissionais limitam a existência da mulher ativa sexualmente. “A partir de uma certa idade, eles não fazem determinadas perguntas. Eles desconhecem que mulheres idosas se relacionam sexualmente”, apontou.

De acordo com o estudo, 74% das mulheres cisgêneras e heterossexuais relataram ter realizado pelo menos uma mamografia na vida, o número despenca em pessoas LGBTs: 40%.

O número de pessoas LGBTs que realizaram triagem preventiva para câncer de colo de útero também foi menor: 73% das mulheres cis hétero afirmaram ter realizado exames de rastreamento para câncer de colo de útero e apenas 39% das pessoas LGBTs fizeram tais procedimentos.

Luís Baron, 62, presidente de ONG EternamenteSou, espaço de convivência para idosos LGBTs, acredita na importância de “cuidar do terreno” para uma velhice adequada. “É um direito da pessoa LGBTs estarem no espaço de tratamento e ser respeitada em sua integridade.”

Baron lembra que, a população LGBT+ idosa no Brasil, tem um “histórico de existência muito mais complexo do que se pode imaginar” e por isso não pode ser comparada com pessoas cis héteros.

As velhices LGBTs passaram pela epidemia do HIV/Aids, por ditaduras militares, deixaram seus núcleos familiares para existir.”
Luís Baron, presidente da EternamenteSou

Medicina sem preconceitos

Para o médico Milton Crenitte, geriatra do Einstein e um dos autores da pesquisa, a produção de dados é importante para conhecer a realidade desse público.

“A população idosa é que mais vai precisar de cuidados de saúde, seja pra fazer a promoção da saúde ou cuidar das doenças crônicas”, afirmou.

Segundo Crenitte, a medicina precisa refletir sobre os preconceitos. “O ódio à diversidade é aprendido. Somos fruto dessa cultura que é machista, transfóbica, LGBTfóbica, racista e capacitista”, apontou.

Para todo mundo envelhecer é preciso ter perspectiva de futuro. Envelhecer no Brasil não é um direito, é um privilégio. Temos que garantir que envelhecer seja um direito.”

Fonte: Uol