Jennifer Besse, 32 anos, é professora de francês - Arquivo pessoal

“Em 1995, minha mãe faleceu por causa de complicações decorrentes da aids. Após a perda e ainda lidando com aquela dor, eu e meu pai tivemos de fazer o teste de HIV. O meu resultado foi reagente (positivo) e o do meu pai, não reagente (negativo). Nem ele, nem a esposa, e nem o filho que tiveram anos depois, em 2001, vivem com o vírus hoje. Eu tinha 6 anos quando descobri ter HIV, mas só muito depois eu entendi o que isso significava.

Eu sou o que chamamos tecnicamente de Transmissão Vertical, que é quando o bebê ‘herda’ (como gosto de chamar carinhosamente) o HIV da mãe. Isso pode acontecer durante o parto ou no momento em que o bebê toma o leite materno HIV+.

Uma mãe HIV+, mesmo indetectável há anos, não pode amamentar o seu bebê por causa do risco de transmissão para a criança. E o bebê, ao nascer, precisa tomar um remedinho para ‘bloquear’ o possível acesso do vírus ao seu corpo.

Em 2019, São Paulo e outras três cidades do Brasil receberam títulos por zerar os casos de transmissão vertical entre mães positivas. Essa notícia passou a me inspirar muito.

Jennifer Besse - Arquivo pessoal - Arquivo pessoalHoje, aos 32 anos, posso dizer que a convivência com o vírus não é nada fácil. São muitos altos e baixos ao longo do caminho. Antigamente, não tinha youtubers, influencers e toda essa informação na internet. Se hoje a ignorância ainda reina, imagina nos anos 1990.

Minha infância e minha adolescência foram bem complicadas psicologicamente. Os baixos envolvem fatores como crescer sem mãe e aprender a se virar desde muito cedo sozinha.

O preconceito que a gente passa sem entender o porquê de ser marginalizado, criminalizado, julgado enquanto não entendemos nem o que é sexo direito.

As primeiras paqueras são bem difíceis. O primeiro amor, então… Nem se fala. Pânico total. Perder a virgindade, a primeira menstruação? Há muita ansiedade e medo envolvidos.

Eu sempre me senti muito sozinha mesmo tendo privilégios enormes.

Nunca fui de muitos amigos e sempre procurei andar com gente mais velha, que me ensinava mais sobre a vida. Tive por muito tempo síndrome do pânico achando que eu ia morrer mesmo, de passar mal.

Até que cheguei ao fundo do poço, quando parei de tomar os remédios aos 22 anos e um tempo depois me encontrei com quatro milhões de cópias do vírus e um CD4 (meu nível de imunidade) de 3%.

O médico decretou o fim da linha para mim na época. Disse que eu já vinha com pneumonias, uma atrás da outra, e que não havia remédio no Brasil que eu pudesse tomar, pois ela não faria mais efeito no corpo.

Jennifer  - Arquivo pessoal - Arquivo pessoalO ponto positivo foi quando comecei uma nova medicação, há 6 anos, que salvou a minha vida. Quero inclusive registrar aqui também o encontro que tive com minha médica infectologista, que me acompanha desde o começo do tratamento com este novo remédio que me salvou, Dra. Simone Tenore.

‘Universo me deu segunda chance’

Minha carga viral caiu, meu CD4 subiu muito e o universo me deu uma segunda chance. Sinto-me cada dia mais forte psicologicamente e emocionalmente, com menos medo e segura. A novidade me mostrou que eu teria uma vida longa pela frente e veio a louca vontade de viver e gritar para o mundo que era possível ser feliz vivendo com HIV.

Eu nunca acreditei que ia chegar aos 30 anos, vivendo com HIV e saudável. Primeiro, eu tinha certeza de que ia morrer aos 27 anos, como os meus ídolos do rock. Ao passar pelos 27, eu já nem sabia mais o que fazer. Não tinha o hábito de planejar a vida.

Quando cheguei aos 30 anos, em 2019, o meu coração estava quase explodindo de alegria e eu queria gritar isso para o mundo.

Eu estava feliz, estava com a saúde ótima, namorando o Gui, que me deu bastante força e segurança para falar. Ele sempre me disse que estaria do meu lado, eu queria me libertar dessas correntes que tanto me machucavam e já não queria mais relações que me deixavam com medo de quando descobrissem que eu vivia com HIV.

Queria também ter a oportunidade de contar para todo mundo sem passar pelo mesmo sofrimento várias vezes. Então, pensei em um vídeo na internet para que todos vissem, inclusive as pessoas com quem eu já tinha ficado, e decidi usar o Instagram para falar sobre o assunto.

Comecei a falar para me ajudar e descobri que ajudo e posso ajudar outras pessoas. Isso me faz muito bem e diariamente agradeço essa oportunidade da vida. Ter pessoas ao seu lado que te aceitam, não te julgam ou criminalizam tira um peso enorme das nossas costas.

Eu sou exatamente o espelho de cada coração bom que passa pela minha vida. Quem me inspira são essas pessoas que eu olho e falo: é isso que eu quero passar para o mundo. O mundo precisa de amor.

Estou tentando ser uma pessoa melhor todo dia e as incentivo a serem também. Procuro falar sempre com bom humor sobre o vírus, quero que as pessoas olhem e vejam o quão normal eu sou. E que tenham esperança no futuro delas, parem de se culpar, acreditem na ciência e amem suas vidas, que valem ouro.

Uma pessoa que vive com HIV não é o HIV

O vírus não define quem você é e nem aonde você pode chegar. Hoje é sinônimo de vida, de que podemos conquistar o mundo e ser feliz. Você vai passar por todas as fases: o luto, a raiva, vai pensar em desistir, vai ter medo, vai chorar, vai se revoltar. Mas, como diz o craque Neymar, ‘tudo passa’.

E aí vem o interesse em acompanhar as pesquisar, conhecer pessoas, abrir a sua mente, voltar a sorrir, mudar o seu jeito de retratar o HIV e tudo vai clarear. As coisas vão se acertar. Você vai conhecer pessoas legais e aos poucos voltar a ser feliz. Tudo depende de você. Coragem. Não romantizo nem digo que é fácil, apenas mostro com exemplos que isso é possível.”

* Jennifer Besse, 32 anos, é professora de francês, nasceu em Botafogo (RJ) e mora na Saúde, em São Paulo (SP).

Fonte: UOL