Ativistas brasileiros receberam com cautela a notícia de que pessoas com HIV no Reino Unido já terão acesso ao tratamento injetável. Cerca de 13.000 pessoas serão elegíveis para o tratamento injetável na Inglaterra, o que significa que não precisam mais de tratamento diário, mas receberão duas injeções a cada dois meses.

No Brasil, a preocupação de quem atua na defesa de direitos e acolhimento de pessoas que vivem com HIV está direcionada à desigualdade social e dificulda de acesso à saúde. Para eles, a dificulade de continuidade ao tramento nas populações mais vulenráveis vai além dos comprimidos. Confira:

 

Jenice Pizão, Movimento Nacional das Cidadãs Posithivas: “Imagino que tudo que é relatado por pessoas que vivem com HIV devem ser ouvidas, pensado e atendido, sendo assim, a noticia é excelente pois resolve as dificuldades deste grupo. Porém, em meu modo de ver, as dificuldades vão muito além de tomar ou não pílulas diariamente. Atualmente, no mundo, existe um contingente de PVHA que não usa antirretrovirais para controlar sua carga viral pois não tem condições econômicas, e politicas, para acessá-los. Outros têm acesso, mas não fazem uma adesão adequada pois as dificuldades para acessar trabalho, alimentação, moradia, os fazem adoecer e morrer, sem nenhum estímulo para viver com dignidade e prazer. Sem esquecer da violência de gênero, do racimo, da lgbtfobia, que escancaram uma sociedade que é racista, preconceituosa, machista, perigosa e violenta. Até onde nossa “humanidade”, baseada nos lucros e numa falsa “moral cristã”, consegue atender essas pessoas? Voltando a pergunta inicial, penso que o buraco é mais embaixo.”

Beto de Jesus – Diretor da Aids Healthcare Foundation – AHF no Brasil: “Qualquer avanço científico que venha a melhorar a adesão ao tratamento e a qualidade de vida das pessoas com HIV é bem-vindo. Porém, o tratamento injetável de longa duração impõe um debate primordial em um país extremamente desigual como o Brasil, que é a garantia do acesso universal por meio do Sistema Único de Saúde. Não podemos, em hipótese alguma, retroceder à época do fim dos anos 80 e início dos 90, quando surgiram os primeiros antirretrovirais, como o AZT, e apenas um grupo muito reduzido de pessoas tinham os recursos necessários para adquirir os medicamentos. É fundamental lembrar que o tratamento anti-aids é garantido no SUS pela lei 9313, que acaba de completar 25 anos. Por isso, devemos sempre lembrar a luta de todo o movimento social de saúde pública, com o objetivo de assegurar que todas as pessoas vivendo com HIV tenham acesso ao melhor tratamento disponível no SUS.”

 

Jadilson Neto, articulador da Rede de Jovens Vivendo com HIV/Aids no Maranhão e Presidente da ONG EMPODERARTE: “Para o controle das endemias e epidemias, todos os esforços devem ser combinados para prevenir sua disseminação, com a educação continuada de todos em relação aos métodos preventivos entre eles o testar e tratar como metodologia, lembrando que o acesso a camada menos favorecida do mundo tem uma necessidade de envolvimento global pois somente assim nesse conjunto de esforços vamos conseguir direcionar o acesso de fato a quem precisa.”

 

Fabiana Oliveira, Movimento Nacional das Cidadãs Posithivas: “O acesso à saúde pública é um dos grandes desafios mundiais, e a maneira como os países enfrentam a epidemia do HIV/aids diz muito sobre o compromisso ou não destes em investir em políticas sociais que alcancem as milhares de pessoas menos favorecidas. É notório a desigualdade na expansão do acesso ao tratamento. Muitas pessoas estão sendo deixadas para trás e morrerão sem acesso se não houver esforços redobrados para que o tratamento chegue a elas e, isso significa investimento orçamentário em infraestrutura, saúde, educação, trabalho, dentre outros. É preciso que haja políticas públicas de combate ao HIV/aids e essas devem ser permeadas por aspectos sociais que foquem em soluções igualitárias, coletivas e não pontuais, ainda que estas sejam encaradas como política de Estado e não de governo. É preciso ética, compromisso, investimento pesado em pesquisas, planejamento de soluções, campanhas eficientes. Enfim, o tratamento somente chegará a todos quando o poder público tiver, muito mais que vontade política, tiver verdadeiro amor ao ser humano, quando entender a urgência pelo direito à vida.”

Rodrigo Pinheiro, Fórum de ONGs Aids de São Paulo: “A gente vem há um tempo discutindo a colocação de novos medicamentos. Se não me engano, a última incorporação foi só no ano de 2018. E a gente tem mantido diálogo com o DCCI sobre essas discussões. Temos cobrado do governo a implementação dessa solução injetável, mas para a implementação no Brasil são necessários mais estudos sobre como aconteceria essa distribuição nos serviços e como esses serviços precisariam se adaptar. Mas essa discussão já deveria ter começado no Brasil, como também a discussão da TARV para tratamento, além dos tratamentos de dose única. Há várias medicações de dose única, alguns ainda não estão registrados no Brasil e isso deve ao fato de o governo não estar fazendo essas discussões de incorporação.”

 

 

Toni Reis, presidente da Aliança Nacional LGBT+: “Primeiro essa notícia é espetacular. Nós temos uma grande dificuldade na adesão ao tratamento das pessoas que vivem com HIV/aids. Esse tratamento é uma miragem para as pessoas que vivem com o vírus. Então, é importante que esse tratamento também venha para os países que não são desenvolvidos. É uma notícia alvissareira.”

 

David Oliveira, comunicador e ativista: “A gente precisa falar ainda de questões básicas de acesso. É um tratamento de longa duração, que facilita muito, mas para quem vai chegar esse tratamento? É uma tecnologia que é promissora e fico bem esperançoso, mas a gente ainda precisa falar de direitos básicos da pessoa vivendo com HIV. A gente fala sobre novas tecnologias, facilidades, mas o tratamento que nós temos é eficas, de ótima qualidade, mas a gente não fala sobre questões de saneamento básicos, garantia do sigilo, acesso a empregos, a qualidade de vida. Se essa nova tecnologia vier aliada a uma melhoria da qualidade de vida das pessoas que vivem com HIV, pensando de uma mais ampla possível, aí sim vejo como uma grande vantagem e uma grande aliada.”

 

Evalcilene Santos, Movimento Nacional das Cidadãs Posithivas: “Muito importante esse tratamento. Os Brasil é um dos países que faz essa pergunta: quando chegará às pessoas menos favorecidas? As pessoas que vivem, por exemplo, em situação de rua que morrem de tuberculose e aids e esquecem de tomar seus medicamentos. As pessoas que não conseguem deixar seus medicamentos em casa e precisam esconder, e não tomam com medo do estigma nas empresas onde trabalham ou em seu próprio lar. É de suma importância que o governo brasileiro se empenhe em trazer também essa novo formato de medicação que ajudará muitas pessoas que vivem em vulnerabilidade social. Pessoas que não têm condições de irem com frequência buscarem seus medicamentos, há casos em que pessoas precisam pegar um barco de sete dias para conseguir medicamentos. Já pensou não ter que tomar medicamentos todos os dias? É importante que o governo brasileiro se empenhe em cuidar da vida das pessoas que vivem com HIV/aids, que são menos favorecidas e que não conseguem nem pegar seus medicamentos, as trabalhadoras sexuais, os indígenas também.”

 

 

Dica de entrevista

Jadilson Neto

Tel.: (98) 9128-2711

Movimento Nacional das Cidadãs Posithivas

Site: mncp.org.br

Beto de Jesus

E-mail:  beto.jesus@aidshealth.org

Aliança Nacional LGBT+

Telefone: (41) 3222 3999

David Oliveira

E-mail: doliveira1402@gmail.com