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Quando o assunto são as ISTs (infecções sexualmente transmissíveis), não se pode perder tempo. Continuamente novos conhecimentos são produzidos e divulgados em estudos científicos. Se eles não forem incorporados às recomendações de enfrentamento dessas infecções, perde-se a oportunidade de controlar de forma eficaz essas epidemias.

Uma prova evidente disso é o Guia Atualizado de Tratamento de ISTs recentemente publicado pelo CDC (Centro de Controle de Doenças) dos Estados Unidos. Nele encontramos o que há de mais recente e embasado cientificamente sobre o tema, e para argumentar o meu ponto resolvi pegar como exemplo a sua proposta de abordagem e tratamento das uretrites e proctites.
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Uretrites e proctites são as situações em que temos uma infecção bacteriana causando sintomas na uretra e no reto, respectivamente. As queixas mais comumente relatadas nessas ISTs são a ardência para urinar com saída de secreção purulenta pela uretra e a dor à evacuação com sangramento ou muco nas fezes.

Estas são literalmente as duas ISTs mais comuns do planeta, chegando a cerca de 1 milhão de novos casos todos os dias, segundo estimativa da OMS (Organização Mundial da Saúde) em seu Relatório Global de Vigilância de ISTs.

As principais bactérias envolvidas são a Neisseria gonorrhoeae (gonorreia) e a Chlamydia trachomatis (clamídia), que por muito tempo foram o alvo dos tratamentos antibióticos recomendados. Nos últimos anos, porém, com o crescimento do número de casos de uretrites e proctites causadas por outro agente, o Mycoplasma genitalium (micoplasma), percebemos que as recomendações de tratamento em algum momento precisariam ser revistas.

O tratamento antibiótico empírico recomendado no Brasil para uretrites e proctites focado na gonorreia e na clamídia (ceftriaxona e azitromicina) foi por anos muito prático e resolutivo. No entanto, em todas as vezes em que foi prescrito de forma equivocada por se tratar de uma infecção por Micoplasma, impulsiono a seleção de cepas resistentes dessa bactéria.

Em países que fazem a vigilância para o aumento dos casos de M. genitalium, os dados mostram que até um quarto das uretrites já são causadas por essa bactéria. Esse número sobe para 40%, considerando apenas os casos que não se resolveram após o tratamento antibiótico empírico.

A mudança no perfil bacteriano das ISTs fez com que no guia de tratamento norte-americano citado acima o esquema antibiótico empírico fosse alterado. Para segurar o crescimento do micoplasma e da resistência aos antibióticos, a azitromicina em dose única passou a dar lugar à doxiciclina tomada durante 7 dias.

A alteração se baseou em uma série de estudos recentes que demonstraram que a nova recomendação é tão eficaz ou até melhor para o tratamento da clamídia, e não causa os efeitos indesejados no micoplasma.

No Brasil ainda sabemos muito pouco sobre a atual situação epidemiológica do Mycoplasma genitalium para essas ISTs. A recomendação do esquema antibiótico empírico ainda é a antiga, mas na prática clínica já se nota o aumento no número de pacientes que não melhoram dos seus sintomas de uretrite ou proctite com o esquema empírico.

Precisamos no Brasil, antes de mais nada, produzir dados confiáveis sobre a prevalência de agentes bacterianos causadores de ISTs e seus perfis de resistência aos antibióticos utilizados.

Mais do que isso, precisamos que os profissionais da saúde incorporem com rapidez as recomendações atualizadas. É inaceitável, por exemplo, que ainda em 2022 tenhamos médicos tentando tratar casos de IST por gonorreia com ciprofloxacino, antibiótico que desde 2017 foi contraindicado pelo Ministério da Saúde para essa situação por conta do desenvolvimento de resistência bacteriana.

Precisamos estar atentos e atualizados, senão em breve teremos no Brasil não só uma epidemia descontrolada de ISTs bacterianas, mas de bactérias multirresistentes.

Fonte: Viva Bem (UOL) / Coluna Rico Vasconcelos