03/01/2021 - 17h15
RETROSPECTIVA 2020: Monja Coen diz que um dos aprendizados desta pandemia é a solidariedade

 

“Não existe nada nem ninguém separado. Somos a vida da Terra em transformação e pertencemos a uma única espécie, a espécie humana. O que o coronavírus veio mostrar é que somos todos seres humanos. Isso é o importante para romper as barreiras de discriminações e preconceitos.” A fala é da missionária Monja Coen. Ela participou nesta terça (4), da live “Conceitos e Reflexões da Monja Coen em Tempos de Pandemia”, da Agência Aids. No bate-papo com a jornalista Roseli Tardelli, a líder religiosa e fundadora da Comunidade Zen Budista recomendou respiração consciente para lidar melhor com os desafios da pandemia. “É uma consciência do corpo e da mente no que está acontecendo agora”, explicou. Ela também falou sobre como podemos aproveitar positivamente a quarentena e os aprendizados que este momento nos impõem e defendeu o resgate da solidariedade. Confira a seguir:

Recebo a senhora com muita gratidão, alegria, serenidade e vontade de ouvir suas reflexões. Já o mundo nos recebe em meio a uma pandemia que registra 18,3 milhões de casos de covid-19 e 635 mil mortes. No Brasil, temos mais de 2 milhões de pessoas infectadas e 96 mil mortes. Além disso, o mundo nos recebe com uma explosão, em Beirute, na capital do Líbano com pelo menos 78 mortos e quase 4 mil feridos. Com lidar com estes dados e com questões mais complexas com um pouco mais de esperança e fé?

Não é uma situação muito fácil, ao mesmo tempo em que o mundo vive tudo isso estamos encontrando remédios para aids, fazendo pesquisas em Israel que pode fazer com que a aids seja extinta, temos ainda um processo muito grande. Se ao mesmo tempo coisas errôneas estão acontecendo, muito prejudicial à saúde e vida humana, existem pesquisas que podem libertar e trazer melhor saúde para o ser humano. Sempre temos que olhar os dois lados da moeda, claro que foi medonho hoje. Estava vendo o que aconteceu lá no Líbano, não sabemos ainda se foi por acaso, mas foi uma explosão gravíssima. Fiquei me lembrando de Hiroshima. No dia 06 de agosto vai completar 75 anos da bomba de Hiroshima. Parece que aprendemos pouco, estamos vendo a pandemia, todos os médicos pedindo para que as pessoas fiquem em casa, andem de máscara, mantenham o distanciamento social. As pessoas não conseguem, muitas estão até fazendo festa. Se fosse só adolescente, a gente até poderia entender, mas tem adultos que agem feito crianças, estão se reunindo porque não aguentam ficar sozinhos, precisam sair. A gente entende que tem um aspecto psicológico/emocional de cada um de nós que é único, mas temos que respeitar o distanciamento para não infectarmos outras pessoas e não sermos infectados. Existem seres humanos bons, boas pesquisas, existe um grupo de pessoas que está pensando no bem coletivo e existem também alguns que não estão nesta jornada. Sabemos que tudo que começa inevitavelmente termina, essa pandemia terá o seu fim, mas está longe isso. Há pessoas que pensam que já acabou e esse é o motivo de estar aumentando os novos casos no Estado de São Paulo. Muita gente acreditou que já tínhamos passado do pico, na verdade estamos no pico, mantendo altos índices de transmissão e mortes. É hora de o povo prestar atenção. Sou muito amiga da Dra. Glória Brunetti, que trabalha no Instituto de Infectologia Emilio Ribas. Ela é a médica que conseguiu o voluntariado neste instituto. Era proibido, principalmente por ser um hospital de doenças infectocontagiosas. Ela começou um projeto lindo e me convidou para ensinar a respirar, não só pacientes, mas também os parentes dos pacientes, os médicos, o pessoal do administrativo e até a enfermagem. A respiração nos coloca no eixo de equilíbrio e é isso que eu tenho falado para todo mundo. Parece uma coisa tão complicada, mas pode ser simples, você inspira e ao inspirar a caixa torácica se expande. Quando expirar, abre a glote e solta pela boca bem devagar. Se fizermos isso umas três vezes com atenção, encontramos a nossa presença pura no agora, encontramos o nosso eixo de equilíbrio. Nos Estados Unidos, em São Francisco, havia um monge e seu companheiro se tornou soropositivo, ele criou o primeiro atendimento terminal e transformou o templo zen em um local de atendimento de soropositivos. Esteve com seu companheiro até o fim e continua com uma jornada muito importante.

Por que é tão difícil ficar sozinho e isolado?

Porque não gostamos de olhar para nós. Se a pessoa olhar para si mesmo vai ver que aqui dentro existem inúmeros universos, inúmeros seres que nos habitam, desde a nossa ancestralidade. Estamos acostumados a nos distrair, a não prestar atenção em nós mesmos. Neste momento, podemos utilizar o isolamento social para nos conhecer o mais íntimo que temos, o corpo e a mente. Olha que oportunidade, ainda mais quem está em isolamento. Olha para você, o que estou sentindo agora, que emoção, sentimento, que pensamento é este. Não há nada fixo ou permanente, está tudo fluindo o tempo todo, inclusive a nossa mente, essas sinapses neurais são incessantes. Somos a vida da terra, do planeta, estamos grudadinhos na força da gravidade, girando junto com a terra, em torno de si mesmo e do sol, a terra não dá uma parada, ela não diz antes era melhor, ela não tem a nostalgia do passado e nem a ansiedade do futuro, é cada instante. Esta é a grande sabedoria, estar presente neste instante. Como é que posso melhorar isso para o maior número de seres? Eu saio daquele que possa ser meu bem-estar pessoal para pensar o que eu posso utilizar minha inteligência e capacidade de comunicação para que muitos seres fiquem bem. Há pessoas aflitas, tem até pessoas que frequentam a comunidade que a família teve que internar, tiveram surtos psicóticos por ficar muito presos, sozinhos em casa. Teve um senhor que parou de comer, ficou fraco e acabou morrendo. O restaurante que ele costumava ir fechou e ele não sabia pedir comida pelo telefone. Todas essas coisas estão acontecendo, ao mesmo tempo há pessoas que estão ajudando aqueles que não sabem ler, escrever, os povos indígenas para requerer ajuda do governo. Tem pessoas que estão se disponibilizando a fazer o bem, tem alguns que roubam e querem tirar vantagem do momento, outros estão sofrendo. Tínhamos que dar um jeito de pôr tudo isso funcionando junto, ao invés de tirar vantagem, eu vou tirar vantagem se eu arrumar um emprego, uma profissão ou ação que vai beneficiar outras pessoas. Tem gente que diz que está sem emprego, mas os empregos estão mudando, a maior fonte de renda hoje são vendas online e delivery, se a pessoa não tem carro, moto ou bicicleta, não tem importância, carteiro anda a pé. Se você quer trabalhar, você vai nas lojas. Quem não está perdendo dinheiro é quem entrou em vendas online. Tem fatores da economia que estão afundando, mas há outras possibilidades, inclusive tecnologia. O que aprendi de tecnologia nos últimos seis meses não é brincadeira, eu nunca tinha feito lives, de repente estamos aqui, e isso é o mundo do futuro que é o presente, que é agora. Parece que fomos preparados, surgiram os computadores nas casas, depois os celulares, ai começaram a ter programas de aulas online. Eu mesma gravei aulas que só dava presencial, disponibilizamos nas redes sociais. Fiz tudo isso sem projetar ou programar para o que está acontecendo, parece que o universo nos preparou.

Solidão

Tenho dois netos e não posso encontrar com eles, mas os vejo pelo celular. Em vez de lamentar porque não posso encontra-los, me alegro porque posso vê-los, se isso acontecesse há 20 anos não teríamos nada disso, neste momento nós temos tecnologia e meios de lidar até com a nossa solidão. Uma coisa é estar só e apreciar estar só, outra é sofrer por estar só. Até escrevi um livro dizendo: o sofrimento é opcional, a dor existe, temos muitas dores, de todos os tipos, mas é como se você levasse uma flechada da vida e em vez de tirar a flecha e fazer a cura, fica colocando a fecha mais para dentro e apertando para mostrar como eu sofro, como sou infeliz, comigo nunca dá certo. A gente precisa parar de se vitimar e começar a atuar neste mundo para que seja melhor para você e todos em sua volta.

Respiração consciente

O segredo é a respiração consciente. As pessoas não acreditam, acha que é besteira, mas nós funcionamos respirando. A gente pode ficar sem comer, beber, mas não pode ficar sem respirar. A respiração é muito importante e a gente pode respirar sem aparelho, podemos agradecer e sentir o prazer do ar entrar e sair e todo o seu corpo respira, não é só o pulmão. Temos que pensar naqueles que estão sofrendo, nos que foram contaminados. Os que tem a covid-19 no pulmão é medonho, o pulmão fica duro, não faz o movimento de expansão e retração, por isso, fica sufocado. Um aluno meu teve trombose venosa cerebral, começou com dor de cabeça. Outros têm nos rins, no coração, a covid pode pegar em qualquer lugar, a gente tem de tomar cuidado, cuidado amoroso, respeitoso.

A senhora é muito requisitada, como está se cuidando?

Eu fico muito tempo sentada na frente das telas, mas não saio de jeito nenhum, tenho 73 anos, não posso sair e tenho uma guardiã, uma monja que é minha discípula. Ela mora comigo, já teve trombose, tem asma e sempre diz: nós duas não podemos sair daqui de jeito nenhum, tem até um cadeado na porta, estamos aqui em isolamento social. Pedimos coisas por delivery, tem um jovem que nos ajuda, vai ao supermercado, traz comida, mas estamos em casa. Ficar em casa aumentaram as atividades, tem de lavar roupa, passar, fazer comida, limpar a casa, tenho três cadelas, um gato, eles deixam pelos pela casa inteira, não posso ficar não limpar. A casa que era um lugar de descanso, virou lugar de trabalho, todas as funções são feitas no mesmo local. A vantagem de estar convivendo com outra monja é que quando a gente começa a ficar muito aflita, nervosa e brava, que é o que acontece, ser humano briga um com o outro, a gente é capaz de rir…

A senhora fala muito que temos que estar presentes, o que significa estar presente?

É presente no agora, a nossa vida está acontecendo onde nós estamos, ela não está na nostalgia do passado e nem a expectativa do futuro. Quando acontecer isso vai ser bom, não, tenho que estar presente no agora, esse agora me faz fazer projetos. Pode acontecer ou não, e se não acontecer como foi projetado, nós nos adaptamos, mas eu projeto e faço as projeções no momento em que eu estou. Eu não fiz ontem, eu tenho que fazer na hora, onde eu estou. Onde eu estou projeto o futuro, faço uma revisão do passado, mas eu sinto a minha presença aqui, não estou lamentando das coisas que se passaram e nem esperando o que vem.  O Mário Sérgio Cortela diz o seguinte: esperança de esperançar, até Paulo Freire falava isso:  o que eu faço para que seja melhor? O que nós podemos fazer para que seja melhor?

Renascimento da humanidade

Estão me passando manifestos para assinar pelas artes, pela cultura, pela não discriminação, pelo não preconceito, contra feminicídio, estou assinando tudo porque eu concordo, contra autoritarismo, sou contra tudo isso, homofobia. Como é que nós podemos querer controlar a vida alheia, dizer o que é certo ou errado, quando nós humanos nos reconhecemos semelhantes a qualquer outro ser humano? Somos únicos, com necessidades diferentes, mas uma coisa comum que é a nossa humanidade, está em tempo de a gente fazer essa humanidade funcionar. Dra Glória me pediu para fazer um live para o voluntariado Emílio Ribas e ela disse assim: Monja fale que depois das grandes doenças na idade média surgiu o renascimento e o ilusionismo. Será que não podemos ter o renascimento da humanidade? Daquilo que é humano que significa a empatia? Eu me reconheço no outro e por isso eu cuido. É um semelhante a mim, eu me reconheço nas necessidades. Por exemplo, neste momento os países estão oferecendo ajuda ao Líbano, mais de quatro mil pessoas estão feridas, quase 100 morreram. Isso aconteceu no momento em que se tem a covid-19, os hospitais estão lotados, é muito grave. O que a gente faz com isso? Os países que tem condições vão dar apoio, mesmo que não seja amiguinho, essa hora é preciso ir além, independentemente de ser amigo, parceiro ou jogar no mesmo time, só tem um time, é o time vida humana.

O que podemos fazer para que a vida seja melhor para cada um de nós?

Temos que começar conosco e com o que nos cerca. Neste momento da pandemia, é ficar em casa, isolamento social, se sair na sua, se proteger e distanciamento, isso é a única coisa que todo mundo garante que funciona. Se ficarmos doentes nós vamos ter lugar no hospital e vamos ter atendimento, o atendimento não é o mesmo para todo mundo, nossos corpos e necessidades são diferentes. Emocionalmente a mesma coisa, não somos iguais. Algumas pessoas vão fazer meditação, Ioga, respirar, outros vão correr em casa, fazer atividade física, outros vão ler, se envolver em projetos sociais. Temos que estar envolvidos para fazer o bem, e não é o bem para mim, é pensar em como fazer o bem para o maior número de pessoas, onde eu me engajo, com quem me conecto para fazer da minha vida útil ao mundo, essa é a única maneira de nós atravessarmos essa pandemia com menos dor. Se eu souber que estou minimizando dor de alguém, se estou minimizando sofrimento de outras pessoas. Enquanto eu pensar só em como vou ficar bem, eu não vou ficar bem, eu nunca vou ficar bem porque não estou separada, eu não existo sem o outro, é o outro que me torna possível, é a vida que me torna possível, por isso que a gente fala de biocentrismo, a vida é o centro da vida e nós temos que cuidar de todas as formas de vida para que a nossa vida humana seja possível.

Covid

Fico imaginando o morceguinho, ser de uma sensibilidade incrível, funciona pelo radar, manda um som para lá, imagina esses seres dentro de uma jaula, sabendo que vão ser mortos, que estado de instabilidade esse sistema se tornou. Dessa instabilidade o vírus sai, quando esse corpo vivo não está mais em harmonia ele vai procurar um outro hospedeiro, ele foi encontrar seres humanos e alguns humanos recebem muito bem, ficam parceiros e nada acontece, outros morrem. Em todos os lugares que eu vou eu falo respira, esteja presente onde você está, tome decisões adequadas, tenha sabedoria, capacidade de ver em profundidade a realidade e atuar de forma decisiva. Envolva-se em alguns grupos, ajude pessoas, se você tem meios financeiros, faça doações, se você não tem, convoque pessoas. Tem muita gente fazendo campanhas, como o pessoal do voluntariado Emilio Ribas. Dá leite para as crianças, cestas básicas. O que dá felicidade e bem-estar ao ser humano é doação, entrega, participação. Ficar sozinho só traz dor e sofrimento. As pessoas que percebem isso vivem com plenitude, mesmo na dor.

A senhora está contando para nós que um dos aprendizados da pandemia é a solidariedade. O que mais estamos aprendendo?

Que somos uma só espécie, tem diferentes cores de pele, formatos de olhos e nariz, mas somos uma única família humana. O que acontece do outro lado da terra chega até nós e temos que cuidar de tudo, temos que cuidar da mãe terra, a nossa casa comum, não podemos deixar ela de lado, não podemos abusar dela. Temos que retribuir, cuidar dos povos indígenas, todas as pessoas são importantes. Cada vida humana importa e nós temos que cuidar. A gente percebe a solidariedade no sentido não só das coisas materiais, mas de oferecer meios espirituais e psicológicos de atravessar suas dificuldades e estar em paz, tranquilo. No meio de tudo isso podemos encontrar um estado de tranquilidade que vai levar um raciocínio correto para tomar decisões acertadas. Alguns vão sair melhores daqui. Tem gente que vai perceber que é possível viver com menos, ser mais solidário, que podemos usar transporte coletivo, poluir menos. Estamos mais sensíveis e percebemos que em isolamento somos capazes de nos conhecer melhor e conhecer quem mora perto de nós. Que a gente sabia aprender com isso alguma coisa, perceber que somos um só corpo, uma só vida e vamos cuidar com fé e respeito em todos os seres.

Roseli pediu para a Monja Coen finalizar a live com uma palavra e ela escolheu cuidado, o cuidado que abraça e que aperta. Você pode assistir a live na página oficial da Agência Aids no Facebook ou na TV Agência Aids.

Dica de entrevista

Monja Coen

www.monjacoen.com.br

* Texto publicado em 5 de agosto de 2020.

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