Desde que foi anunciada a vinda de Madonna ao Brasil para o último show de sua “Celebration Tour” gratuito na praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, os milhares de fãs brasileiros da cantora dominaram as conversas na internet relembrando todos seus feitos que revolucionaram a indústria da música e sacudiram a conservadora sociedade americana da década de 80. Além de pregar a libertação da sexualidade feminina e a legalização do aborto, Madonna sempre foi aliada da comunidade LGBTQIAP+ e durante os piores momentos da epidemia de aids no fim dos anos 80 e início dos 90, esteve à frente da luta contra a discriminação das pessoas vivendo com HIV, pregou o uso de preservativo no sexo quando ainda era proibido pela Igreja católica e se aliou a artistas e ONGs que pressionavam o governo americano para aprovar rapidamente os medicamentos para o tratamento do vírus com a intenção de conter a epidemia.

Na atual turnê, a Rainha do Pop, atualmente com 65 anos, faz uma homenagem às mais de 40 milhões de vítimas da aids durante a performance da música “Live to Tell”. Um telão gigante no fundo do palco projeta imagens de personalidades e pessoas anônimas que não sobreviveram à epidemia. No Rio de Janeiro, Madonna irá incluir fotos de Cazuza, Betinho e Renato Russo no que dizem os fãs brasileiros que será o maior show de sua carreira, com expectativa de público de mais de 1,5 milhão de pessoas. A performance será acompanhada pelos ativistas Marta Macbritton, do Barong, Americo Nunes, do Instituto Vida Nova, e Vinícius Borges, o Dr. Maravilha. De acordo com o governo da cidade, o show da artista teve um investimento de R$60 milhões, dos quais R$17 milhões são para pagar o cachê. A expectativa é de que a economia carioca movimente cerca de R$300 milhões durante a semana do evento, que deve receber mais de 150 mil turistas de todos os cantos do país.

A longa carreira de Madonna se confunde com a história da aids, ambas com pouco mais de 40 anos de história. Em seu segundo álbum “Like a Prayer” de 1989, a diva incluiu um folheto entitulado “Os Fatos Sobre a AIDS”, conscientizando seus fãs sobre sexo seguro e pedindo respeito e compaixão às pessoas adoecidas pela doença. “Pessoas com AIDS – independentemente de sua orientação sexual – merecem compaixão e apoio, não violência e intolerância”, dizia o folheto. Desde então, a diva Pop inclui em seus shows, apresentações e entrevistas falas sobre a necessidade de romper com o estigma sobre o HIV e o acesso ao tratamento antirretroviral. Em 1º de dezembro de 2015, no dia mundial de luta contra a aids, ela se apresentou em Londres e chamou a atenção para as milhares de crianças vitimadas pela aids desde o início da epidemia e que seguem morrendo nos dias atuais, apesar da existência de tratamento que poderia salvar suas vidas. Em entrevista em 2006, Madonna confessou que David Banda, um dos seus filhos adotivos, é órfão da aids.

Madonna e seu amigo Martin Burgoyne, vítima da aids

Ex-comungada pela Igreja católica por 3 vezes por desafiar dogmas preconceituosos, Madonna perdeu diversos amigos próximos para a doença ao longo dos anos 80 e 90. O primeiro deles foi Martin Burgoyne, com quem compartilhou um apartamento no Lower East Side de Nova York antes da ascensão à fama. Ela esteve ao seu lado durante todo o adoecimento até sua morte aos 23 anos de idade. A canção “In This Life”, do álbum “Erotica” de 1992 é uma homenagem a esse amigo. O renomado artista plástico americano Keith Haring foi mais um amigo que a cantora perdeu para a aids. Ele ficou conhecido por dedicar parte de sua obra à visibilização da epidemia, que era negligenciada pelo governo americano acusado de homofobia, e é o autor do quadro mundialmente famoso “Ignorância = medo; Silêncio=morte”.

Num tempo em que se acreditava que o simples ato de tocar uma pessoa vivendo com hiv garantia a transmissão do vírus, o posicionamento de Madonna para a visibilização da epidemia de aids era tão contundente que, durante muitas vezes, seus empresários, sua gravadora e ela própria foram obrigados a desmentir boatos de que vivia com HIV. Em 1991, no baile de gala da amfAR (The Foundation for AIDS Research), uma das principais organizações sem fins lucrativos dedicada ao apoio à pesquisa da aids e à prevenção do HIV fundada pela atriz Elizabeth Taylor, Madonna subiu ao palco para negar boatos de que vivia com o vírus. Na edição de 2023 desse mesmo evento, a cantora lembrou que atualmente mais de 39 milhões de pessoas vivem com HIV no mundo e pouco mais de 9 milhões ainda não têm acesso ao tratamento. “Devemos continuar usando nossas vozes e plataformas para garantir que todos tenham a oportunidade de viver vidas plenas e saudáveis”, falou no palco do evento.

Madonna e o artista plástico Keith Haring

A artista é uma fiel apoiadora dos eventos da amfAR e, em 1987, arrecadou $400 mil para a ONG em um show no Madison Square Garden, em Nova York, durante sua primeira turnê internacional intitulada “Who’s That Girl”. Em 1993, ela viajou o mundo com “The Girlie Show” e mais uma vez abordou abertamente o assunto tabu do HIV/aids. Madonna sempre usou sua fama para aumentar a conscientização, os investimentos e o acolhimento para a causa do HIV/aids. Em 1991, ela participou de um show em homenagem ao Freddie Mercury que visava atrair a atenção da sociedade e governos para a epidemia.

Além de militar pela causa desde o surgimento dos primeiros casos da doença em Nova York, ela foi e ainda é uma grande doadora para projetos sociais, instituições e eventos que protagonizam a resposta à aids. Durante o 61º Festival de Cinema de Cannes em 2008, a cantora leiloou um show privado e arrecadou 560 mil dólares para a amfAr.

Ainda no começo de sua carreira durante a turnê “Blonde Ambition”, Madonna já lutava contra o estigma e a falta de informação falando que a aids é uma doença que pode afetar qualquer pessoa, independentemente de gênero ou orientação sexual. “O preconceito é o nosso inimigo. A aids não sabe se você é gay ou hétero, ela não tem preferência sexual”, bradou ao microfone.

Engajados na luta contra a aids no Brasil foram ao Rio para o mega evento

Fãs declarados. Fãs absolutos e reverenciando o talento, trabalho e também seu compromisso com a causa da Aids foram ao Rio de Janeiro acompanhar este momento histórico do show bussines internacional. Confira: 

Marta McBritton – Presidente e uma das fundadoras (1995) da ONG Instituto Cultural Barong (www.barong.org.br), instituição cuja missão é a promoção da saúde sexual e prevenção das DST/Aids, hepatites, gravidez inesperada. Tem vasta experiência no Brasil e exterior com palestras sobre saúde sexual e reprodutiva, prevenção e IST há mais de 20 anos. Curso Superior de Formação Especifica em Gestão em Projetos Sociais – UNINOVE, Artes Cênicas e Produção Cultural – Teatro Escola Macunaíma. Advogacy” para a aprovação do Projeto de Lei 227 que obriga a realização de campanhas de prevenção às DST/Aids e consumo abusivo de bebidas alcoólicas e substâncias psicoativas (por meio do contexto da redução de danos) em eventos realizados no Estado de São Paulo, cujo embasamento da mesma tem origem no trabalho da ONG realizado em espaços públicos; Idealização e Coordenação do Projeto ‘Um Brinde à Saúde’, que visa à redução de vulnerabilidades ligadas ao consumo abusivo de álcool junto ao público jovem e estudantes universitários. Ver www.umbrindeasaude.org.br; Elaboração de Projetos para concorrência em editais públicos; Captação de Recursos junto à iniciativa privada; Administração e Coordenação de diversos projetos; Desenvolvimento, ampliação e promoção da estratégia de mercado social do preservativo.

Américo Nunes – A trajetória do ativista e empreendedor social Américo Nunes Neto é repleta de de trabalho, ações solidárias e sucesso a favor da cidadania das pessoas vivendo com HIV. Ele descobriu seu diagnóstico positivo para o HIV há 36 anos e conta que receber o resultado nos primeiros anos da epidemia era como uma sentença de morte. “Demorei para tornar isso público porque naquela época o estigma era muito grande. Só contei aos meus pais dez anos depois. Para minha surpresa, eles deram apoio. Nunca desenvolvi a doença. Descobri que estava infectado porque amigos de um ex-namorado estavam morrendo de aids e resolvi fazer o teste. Como não sentia nada, levei um tempo para aderir aos medicamentos, comecei a tomar remédio com a chegada dos antirretrovirais, em 1997.” Segundo Américo, o que o ajuda a se manter bem emocionalmente são os trabalhos voluntários que realiza com pessoas vivendo com HIV desde que descobriu seu diagnóstico. “Conheci meu atual marido, o ex-militar chileno Jorge Reyes Rodriguez, que também tem o vírus, em um desses projetos, e estamos juntos há mais de 30 anos”. Em maio de 2000, os dois fundaram o Instituto Vida Nova, em São Miguel Paulista, na Zona Leste, ONG que atende 900 pessoas com HIV. A ONG oferece apoio psicológico e atividades como hidroginástica e fisioterapia, além de grupos de convivência.

Dr. Maiky Prata – O médico infectologista Dr. Maiky Prata, atende no Centro de Referência e Treinamento DST/Aids de São Paulo e no Ambulatório Trans, do Município de Diadema. Além de cuidar de pessoas que vivem com HIV/aids, dedica-se ativamente às discussões sobre prevenção combinada. Ele acredita que todos são vulneráveis, por isso, especialmente nas redes, o especialista vêm compartilhando orientações sobre saúde sexual, diversidade, inclusão, desmistificando mitos e disseminando informações de combate ao preconceito.

Dr. Marcos Vinicius Borges (Doutor Maravilha) – Marcos Vinicius é também conhecido como Dr. Maravilha, nome de seu canal de saúde voltado para a população em geral e especialmente para a população LGBT+. Seu conteúdo nas redes sociais, em seu canal no Youtube e em seu blog tem ênfase em doenças infectocontagiosas, epidemias emergentes, novidades terapêuticas e bem-estar integral.
Infectologista formado pela Universidade Federal de Minas Gerais, decidiu criar estes canais de comunicação porque percebeu que havia um despreparo muito grande dos profissionais de saúde para lidar com a soropositividade e a questão da diversidade sexual.

Marina Vergueiro (marina@agenciaaids.com.br)