No ano passado, 140 pessoas trans brasileiras foram assassinadas, segundo levantamento realizado pela Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais) e divulgado nesta sexta-feira (27). Ainda de acordo com a Antra, em cada 10 homicídios contra trans no mundo, 4 ocorreram no Brasil. Embora menor do que no ano anterior, o número é superior à média registrada desde 2008 (123,8 ao ano), quando teve início o registro desse tipo de violência por parte da Antra. O preconceito, políticas institucionais antitrans, impunidade e desrespeito em geral são apontados pela associação como incentivo aos homicídios.

“As pessoas têm medo de se aproximar das pessoas trans/travestis. (Vivemos) sob uma tolerância muito frágil. Somos vistas como ameaça”, diz Bruna Benevides, mulher trans que, pelo quinto ano, produziu um dossiê sobre a violência contra essa população no país. A edição mais recente do documento será entregue nesta sexta-feira (28) à Organização Pan-Americana da Saúde (Opas/OMS), em Brasília. O dia seguinte, 29 de janeiro, é Dia Nacional da Visibilidade Trans.

O dossiê aponta que, das 140 pessoas trans assassinadas no país, 135 eram travestis e mulheres transexuais, e 5 homens trans e pessoas transmasculinas.

O dossiê da Antra mostra ainda que 138 pessoas trans brasileiras foram assassinadas no próprio país e outras duas no exterior —uma na França e outra em Portugal. Entre as vítimas de homicídio no Brasil, 25 foram mortas no estado de São Paulo, mais populoso do país e que também lidera o ranking de violência contra pessoas trans. Com relação às regiões, o Sudeste é o primeiro da lista, com 49 casos.

O Brasil continua sendo o país que mais mata trans no mundo

Pelo 13º ano, o Brasil continuou sendo o país onde mais se mata essa população, seguido pelo México e os Estados Unidos, de acordo com a ONG Transgender Europe (TGEU, na sigla em inglês), que reportou 375 assassinatos em todo o mundo no ano passado.

O relatório da Antra mostra ainda que as vítimas morrem cada vez mais cedo. Keron Ravach, de 13 anos, assassinada a pauladas no Ceará, ainda no começo de 2021, se tornou a vítima mais jovem conhecida nesses 5 anos de pesquisas da Antra.

Foi também a mais jovem registrada em todo o mundo em 2021, pela TGEU. Uma idade bem abaixo da já curta expectativa de vida de uma pessoa trans no Brasil, que é de 35 anos.

Só foi possível saber a idade de 100 das 140 assassinadas no ano passado; 53% delas tinham entre 18 e 29 anos. 5 vítimas tinham entre 13 e 17 anos; 53, entre 18 e 29 anos; 28, entre 30 e 39 anos; 10, entre 40 e 49 anos; 3, entre 50 e 59 anos; e 1 entre 60 e 69 anos.

O recorte racial também é prejudicado por falta de informações oficiais. Entretanto, por meio da análise da Antra de imagens e perfis encontrados em redes sociais, 81% eram travestis ou mulheres trans negras —pretas e pardas, de acordo com o Estatuto da Igualdade Racial.

Também foram identificados 5 assassinatos de defensores de direitos humanos, sendo 4 travestis e mulheres trans e 1 pessoa transmasculina, todas pessoas negras. Segundo a entidade, 3 em cada 4 mulheres trans ou travestis já foram vítimas de violência —a Antra aponta que, entre mulheres cisgênero esse indicador é de 1 em cada 4.

A associação mostra que 10% dos casos noticiados na imprensa não respeitaram a identidade de gênero das vítimas e 17% expuseram o nome de registro.

Entre os meios usados para cometer o homicídio, em 120 casos foi possível identificar a forma: 47% foram cometidos por armas de fogo, 24% por arma branca, 24% por espancamento, apedrejamento, asfixia e ou estrangulamento. Em 5%, foram usados outros meios, como pauladas, degolamento e ateamento de fogo.

Em 14 ocorrências, houve a associação de mais de um método, como assassinato e sequestro/rapto e/ou desaparecimento da vítima. E ao menos 5 casos em que a vítima havia sobrevivido a uma tentativa de assassinato anterior.

As vítimas

O relatório destacou que o raio-X das vítimas não mudou nos últimos anos. Em 2021, 81% eram travestis/mulheres trans negras. Uma era indígena. E 78% dos crimes foram contra travestis e mulheres trans profissionais do sexo, a maioria atuando nas ruas. Não à toa, 77,5% dos assassinatos aconteceram em espaços públicos.

Daí a avaliação de Bruna Benevides de que os casos de pessoas trans que conseguem “furar a bolha” e ter reconhecimento público não resolvem o problema como um todo. “Acreditamos que se mantém atual a estimativa de que apenas 4% da população trans feminina se encontra em empregos formais, com possibilidade de promoção e progressão de carreira”, escreveu no relatório da Antra.

Subempregos

Ainda segundo a associação, 6% estão em atividades informais e subempregos. E 90% da população de travestis e mulheres transexuais utiliza a prostituição como fonte primária de renda.

Para a pesquisadora, não falta visibilidade para a população trans, mas é preciso mudar o que é evidenciado: uma imagem de abjeção e medo. “Precisamos de uma visibilidade que saia desse paradigma da dor, da violência. E não é só pegar casos excepcionais, de pessoas que se deram bem na vida. É um processo que envolve um esforço de toda a sociedade”, explica Bruna Benevides.

“Na verdade, as pessoas trans que são assassinadas, que têm esse perfil já conhecido, elas já são vistas como culpadas acima de qualquer coisa. Independente do que lhes aconteça. É isso que precisa ser vencido”, conclui.

Faltam dados oficiais

A pesquisa realizada pela Antra é feita a partir de relatos obtidos junto a órgãos de segurança pública, organizações ligadas aos direitos humanos e à população LGBTQIA+, reportagens e redes sociais: não há dados oficiais sobre a população trans no país.

De acordo com a Antra, isso pode significar um número ainda maior de vítimas que o contabilizado em 2021 e nos anos anteriores. Em 2020, foram 175, um recorde. “Por isso não é possível dizer que, na realidade, a violência está diminuindo”, pontua.

O Atlas da Violência 2021 trouxe dados relativos à quantidade de pessoas LGBTQIA+ que passaram pelo sistema de saúde em 2019, sem especificar, por insuficiência de informações, a motivação das violências sofridas por elas.

O levantamento é feito pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), do Ministério da Economia, e o Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN), ligado ao governo do Espírito Santo.

A base do Atlas são os registros do Sistema de Informação de Agravos de Notificação. “É assustador pensar que 98,8% dos registros (do Sinan) não possuem a informação sobre a identidade de gênero das pessoas”, aponta o dossiê da Antra.

Redação da Agência de Notícias da Aids

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