Para consultora jurídica Patricia Diaz, exigência de teste de HIV para concurso da PM do Amazonas é ilegal e inconstitucional

A Polícia Militar do Estado do Amazonas publicou na sexta-feira (3) o edital 01/2021-PMAM abrindo as inscrições no Concurso Público para admissão no Curso de Formação Profissional para ingresso no Quadro de Oficiais Combatentes, Quadro de Oficiais de Saúde e Quadro de Praças Combatentes da Polícia Militar do Amazonas – PMAM. 

Uma exigência do edital provocou reação imediata no movimento social local: a apresentação de teste de HIV é critério eliminatório. Segundo os cidadãos amazonenses, “essa condição é uma violação da privacidade e dos direitos humanos das pessoas vivendo com HIV e ainda fere a Lei Federal nº 12984/2014 (leia), que define como crime de discriminação ‘negar emprego’ ou ‘divulgar a condição do portador do HIV ou de doente de aids, com intuito de ofender-lhe a dignidade”.

Foi iniciada, então, uma campanha nas redes sociais pressionando a Polícia Militar do AM para retificação do edital com a exclusão da exigência do exame de HIV. A campanha “HIV não é requisito”, idealizada pela organização Minha Manaus, reuniu até esta data mais de 300 pessoas que pedem pela revisão urgente dessa exigência para o certame, cujas inscrições se iniciaram na quinta-feira (9). A pressão é  direcionada ao comandante da PM AM, Marcus Vinicius Oliveira de Almeida.

A representante do Movimento Nacional das Cidadãs Posithivas (MNCP) e presidente da Associação de Redução de Danos do Amazonas, Evalcilene dos Santos, contou que os ativistas locais entraram com ação junto à Defensoria Pública do Estado e conseguiram mobilizar a imprensa local com reportagens sobre o assunto. 

“Este é um item que traz todo um transtorno de quebra de lei, o sigilo da sorologia da pessoa. No dia 8 deste mês foi reforçada no Senado novamente a lei que defende o sigilo e acrescentada outras patologias. Estamos indo pra cima deles. A única coisa que eles retificaram foi a questão do número de vagas, totalmente desequilibrada, com muitas vagas para homens e poucas para mulheres. Agora, desde a publicação, estamos tentando que se retire essa exigência, mas eles argumentam que é por conta da capacidade, colocando várias questões acima da lei que está aí exposta, aprovada, que foi cientificamente estudada, E eles estão em uma quebra de braço com a gente, nós não vamos desistir. Eles não querem obedecer a lei e aí fica difícil. Mas o movimento está entrando com ações contra o Estado junto aos órgãos que têm que fazer algo”, disse a ativista.

Na quarta-feira(8) uma retificação do edital foi publicada, mas as alterações não incluíram a retirada da exigência do teste de HIV. 

Contatada por e-mail pela Agência Aids e questionada sobre a legalidade da exigência do teste de HIV para os candidatos ao concurso da Polícia Militar, a Secretaria de Segurança Pública do Estado do Amazonas respondeu que “a Procuradoria Geral do Estado (PGE) informa que o critério segue estritamente a legislação militar e jurisprudência formada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ)”. 

Segundo Patricia Diez Rios, assessora e consultora jurídica em Direitos Humanos em HIV/aids, Saúde e Previdência Social, essa decisão no STJ se deu depois do desdobramento de uma ação civil pública que tinha como procurador Daniel Sarmento, hoje advogado e professor titular de direito constitucional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Essa ação foi elaborada com base em denúncias que constavam da dissertação de mestrado da ativista Angela Asher do Pela Vidda Rio, onde haviam vários rapazes que tinham sido reformados. A ação foi vitoriosa no sentido de manter os militares nos seus postos, mesmo após a descoberta da sorologia e para que eles pudessem avançar em suas carreiras. 

“Esta exigência tem por base uma legislação do ano de 1988, quando nós tínhamos no Brasil diversas violações e os militares que se descobriam com aids eram reformados sem direito aos proventos. Era uma época em que não havia os antirretrovirais, o coquetel, que chegou em 1996. Antigamente, algumas pessoas recebiam o diagnóstico e o médico dizia: você vai morrer em seis meses. Nós entendemos que a origem dessas exigências em concursos públicos se dá exatamente baseada nesta lei. A gente hoje fala de outra época, em que temos uma perspectiva de vida igual para todas as pessoas. Então, essa lei de 88 que garantia a reforma aos militares portadores de aids, veio para garantir a dignidade e o respeito à carreira deles. Eles eram reformados com a integralidade dos seus proventos e um cargo imediatamente superior”, explicou a advogada. 

Patrícia relata que a ação foi ganha em segunda instância e, anos depois, chegou ao STJ um recurso especial e ao STF um recurso extraordinário. O STF não acatou o recurso, mas o ministro do STJ  entendeu como legal essa exigência.

 “Então, a exigência do edital é com base nesse entendimento ilegal, porque ele simplesmente joga por terra a igualdade prevista na Constituição Federal, a legislação infraconstitucional que garante o acesso de todos, o respeito e a isonomia entre as pessoas e profere uma decisão que até hoje é usada. Nós temos a recomendação 200 da OIT, da qual o Brasil é signatário e que proíbe a exigência. Nós temos uma legislação infraconstitucional que proíbe a exigência de testagem em concurso público, nós temos a Constituição Federal que garante a igualdade de condição entre as pessoas. Quando nós encontramos exigência desse nível, nós temos que lutar pela sua inconstitucionalidade”, conclui ela.

Para ter mais informações sobre a mobilização virtual pela retirada da exigência do teste de HIV do edital da Polícia Militar do Amazonas, acesse: https://www.hivnaoerequisito.minhamanaus.org.br/ .

 

Mauricio Barreira

 

Dica de Entrevista:

 

Secretaria de Segurança Pública do Estado do Amazonas

Assessoria de Comunicação

E-mail: assessoriasspam@gmail.com

 

Evalcilene dos Santos

E-mail: evacilenesantos@hotmail.com

 

Patricia Diez Rios

E-mail: patriciadiezrios05@gmail.com

 

Minha Manaus

https://www.minhamanaus.org.br/