Chemsex pode ser uma palavra nova, mas esse tipo de prática sexual vem se tornando cada vez mais frequente e trazendo alguns problemas para a comunidade LGBT. Mas afinal, o que é o Chemsex?
Chemsex, ou “sexo químico”, é o termo utilizado para o uso de substâncias psicoativas durante o ato sexual com o intuito de provocar uma desinibição ou aumentar a percepção de prazer, como explica o dr. Vinícius Borges, médico infectologista, ativista de direitos humanos e idealizador do Canal Doutor Maravilha, que trata de saúde LGBTQIA+, diversidade e HIV.
“O sexo químico pode ser praticado por vários motivos e por vários perfis de indivíduos, embora tenha se popularizado entre os homens que fazem sexo com homens (HSH). É uma questão de saúde pública que envolve tanto a prevenção das infecções sexualmente transmissíveis, já que durante o sexo químico há um risco aumentado de transmissão de HIV e ISTs, e também a redução de danos sobre o uso e a dependência de substâncias psicoativas em si”, explica o infectologista.
A Agência Aids conversou com especialistas no assunto sobre medidas de redução de danos no sexo químico. Além do dr. Vinicius Borges, os infectologistas Mateus Cardoso, do Centro de Referência e Treinamento em IST/Aids de São Paulo, e Eduarda Prestes, idealizadora da LiBerTa, iniciativa voltada para saúde LGBTQIA+ com ênfase em Mulheres Cis e Trans em sua pluralidade, compartilharam dicas.
Na avaliação dos três, para reduzir os riscos de IST no sexo quimíco, o ideal é aderir a estratégias de prevenção combinada, para não depender apenas do uso do preservativo. A PrEP, PEP e as vacinas contra a hepatite A, B, meningite e HPV são algumas delas.
“O uso de substâncias psicoativas nas atividades sexuais pode diminuir potencialmente o autogerenciamento de risco. Inclusive, no protocolo atual do Ministério da Saúde, praticantes do sexo químico têm indicação formal de PrEP. Então, as pessoas que normalmente teriam mais cuidado ao usarem camisinha, um lubrificante, no momento em que estão sob o efeito das substâncias, não fazem isso”, informou Dr. Vinicius Borges.
O dr. Mateus Cardoso acrescentou que o uso de substância lícitas ou ilícitas está diretamente a desinibição das práticas que pode acarretar a maior exposição/vulnerabilidade, “por isso vale reforçar a importância da disseminação do conhecimento sobre a prevenção combinada, que consiste no uso de métodos sociais, culturais e comportamentais na prevenção, sendo um dos métodos amplamente discutidos a PrEP – Profilaxia Pré Exposição”.
Substâncias mais comuns
As drogas mais comumente associadas ao sexo químico, de acordo com a infectologista Eduarda Prestes incluem substancias lícitas e ilícitas, como o próprio álcool, a maconha, LSD, Cogumelo, MD, Ketamina, GHB, Cocaína, Poppers, Viagra, dentre outras.
“Muitas substâncias provocam alterações no sistema nervoso central. Caso a pessoa opte pelo uso de drogas, este deve ser feito em ambiente onde a pessoa se sinta segura e protegida. Saber a origem, o efeito dessas substâncias e a dose que pode ser usada também ajuda a prevenir situações mais dramáticas, como overdoses ou até mesmo a morte”, reforçou a especialista.
Redução de danos
Para aqueles que fazem sexo químico, segundo os especialistas, a redução de danos é uma boa estratégia para minimizar os riscos à saúde física e mental. Nesse sentido, os entrevistados listaram algumas diretrizes importantes:
- Estude sobre a prática
Dra. Eduarda Prestes: Primeiramente, entender seu uso; entender se a pessoa que está usando aquela substância possa, de fato, busca ter uma experiência sexual mais prazerosa ou deseja somente porque o grupo de amigos no local a que ela pertence estão usando. Posteriormente, esclarecer quais são os efeitos daquela substância no organismo e com o que não deve misturar. Esclarecer se a pessoa faz tratamento de ansiedade, depressão ou alguma outra patologia psiquiátrica e trabalhar em cima de redução de danos quanto ao uso de drogas lícitas e ilícitas durante a prática sexual.
Dr. Vinicius Borges: Eu sempre oriento que a pessoa estude, leia sobre a substância que vai consumir para saber quais são os efeitos, como utilizar, quais os sintomas e eventos adversos que ela pode esperar… e se possível, tentar saber também da procedência.
Dr. Mateus Cardoso: O uso consciente das substâncias lícitas ou ilícitas pode promover decréscimo do risco de aquisição de infecções que são transmitidas de maneira parenteral e promover uma saúde sexual de maior qualidade.
- Evite misturar substâncias
Dr Vinicius Borges: Infelizmente, no Brasil, a gente não tem controle sob estas substâncias e da qualidade; [é importante] evitar o máximo possível de combinações de substâncias, porque isso gera interação entre as drogas e pode aumentar o risco de overdose.
- Hidrate-se e alimente-se
Dr. Vinicius Borges: Também é importante tentar utilizar as menores doses possíveis, se alimentar, se hidratar durante o período de uso da droga, sempre ter uma rede de contato, de suporte, um amigo que não vai utilizar droga naquele momento para que ele ajude caso alguma coisa mais grave aconteça, e ter supervisão também em saúde mental, seja de um psicólogo e/ou de um psiquiatra, para verificar potenciais sinais de adesão.
- Não compartilhe objetos
Dr. Mateus Cardoso: Ter cuidado no compartilhamento de seringas/canudos. Testar substâncias utilizadas através de métodos de espectrometria.
Dr. Vinicius Borges: Nunca compartilhar objetos de uso, como canudos, seringas, agulhas, cachimbos… E tentar não fazer usos prolongados, sempre dando um espaço entre as utilizações, justamente para que você não vá aumentando a dosagem e com isso aumente a chance de intoxicação.
- Conheça seus limites
Dr. Vinicius Borges: Conheça os efeitos das substâncias que está usando, dosagens seguras e saiba quando parar.
- Previna-se
Dr.Vinicius Borges: Os métodos mais eficazes são utilizar a PrEP (Profilaxia Pré-Exposição), se você não utiliza e tem uma exposição, procurar a PEP (Profilaxia Pós-Exposição); se você faz tratamento de HIV, fazer o tratamento regular para manter a indetectabilidade, tomar todas as vacinas disponíveis que previnem ISTs (Infecções Sexualmente Transmissíveis), Hepatites A e B, Meningite B e C, HPV; e ter os insumos de proteção: preservativo, lubrificante; fazer testagem frequente inclusive para Gonorreia e Clamídia, nos sítios de faringe, vagina, ânus e uretra.
Os especialistas entendem que a chave para praticar o sexo químico de forma mais segura está na educação, no consentimento e na redução de danos, por isso, é essencial que cada indivíduo tome decisões informadas e cuide de sua saúde física e emocional ao explorar essa prática.
“Creio que tratar disso como um assunto que está presente em nosso dia, na sala do consultório ou no nosso grupo de amigos próximos é o que pode levar a conscientização das pessoas sobre como ter sua vivência sexual em segurança. Assim como tantas outras questões polemicas que vivemos em nosso país, fingir que o sexo químico não existe e pode causar danos irreversíveis a saúde de quem o pratica, nunca será a saída. Não fará esse assunto sumir”, afirmou a dra. Eduarda, que assegurou que, para ampliar o acesso às estratégias de redução de danos no âmbito do SUS, requer fortalecimento de políticas públicas para pessoas que fazem uso de substâncias químicas e álcool, independentemente se estes são usados para fins sexuais ou não.
Já dr. Cardoso, nesse sentido, contribuiu lamentando que o uso de drogas no Brasil passe por discussões culturais e religiosas com a visão de privação, negação do uso, sem o ensino básico para que as pessoas recusem baseadas em suas decisões pautadas em conhecimento das consequências.
“O que conseguimos trabalhar na consulta é com relação ao ensino de algumas técnicas de prevenção quanto ao compartilhamento de seringas/agulhas, canudos. Uma visão importante é compreender o indivíduo como todo e todo contexto biopsicossocial para aproximar e vincular o paciente de uma forma fornecer conhecimento, sem julgamento”, finalizou.
Kéren Morais (keren@agenciaaids.com.br)
Dica de entrevista
Dra. Eduarda Prestes
E-mail: eduardaprestes@libertasaude.com
Instagram: @liberta.saude
Dr. Vinícius Borges
E-mail: doutormaravilha@gmail.com
Instagram: @doutormaravilha
Dr. Mateus Cardoso
E-mail: mateus.cardoso@crt.saude.sp.gov.br
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