Especialistas brasileiros defendem que avanço da Covid-19 poderia ter sido evitado com lições aprendidas da aids

Dos mares para a história! A primeira medalha de ouro para o Brasil nos Jogos Olímpicos de Tóquio veio no surfe. Com ótimo desempenho na final, Italo Ferreira venceu o japonês Kanoa Igarashi por 15,14 a 6,60. Como a modalidade estreou no programa do evento nesta edição, ele se tornou o primeiro campeão olímpico do surfe na história.

 

O que ainda não ganhou medalha de ouro foi a luta contra a Covid-19 no Japão, no Brasil e no mundo. Sede dos Jogos Olímpicos, Tóquio registrou nesta terça-feira (27) o maior número de casos de coronavírus em um só dia desde o início da pandemia: 2.848 diagnósticos de Covid-19 nas últimas 24 horas, contra 2.520 do recorde anterior, registrado em 7 de janeiro.

 

Não há como confirmar que a tendência de alta nos novos casos esteja relacionada às Olimpíadas na capital do Japão — embora mais de 150 pessoas ligadas ao evento tenham contraído o vírus, apesar dos rigorosíssimos protocolos de segurança dos Jogos, que incluem disputas sem público.

 

Porém, de acordo com a agência Reuters, a situação é preocupante porque autoridades falam em maior procura por atendimento hospitalar, inclusive com pedidos para que hospitais aumentem suas capacidades de atendimento.

 

O Japão tem conseguido evitar uma explosão no número de mortes, como visto em outros países. A média móvel de novas vítimas da Covid na capital japonesa estava em 1 óbito por dia na segunda-feira. Tóquio tem quase 14 milhões de moradores.

 

Entretanto, as autoridades sanitárias estão preocupadas com o avanço da variante delta, mais transmissível, e com a lenta vacinação no país sede dos Jogos Olímpicos.

Covid poderia aprender com a aids

Ao longo desta pandemia de Covid-19, especialistas de diversas partes do mundo vem dizendo o quanto foram necessárias décadas de pesquisa sobre questões que nada têm a ver com um coronavírus para que os protótipos de vacinas contra a covid-19 pudessem ser desenvolvidos em questão de meses.

Professor de Harvard diz que não devemos contar com uma vacina para salvar nossas vidas do coronavírus | Terra da Gente | G1É o que explica o fundador das unidades de Pesquisa do HIV e Câncer da Universidade Harvard, William Hasseltine, que liderou o trabalho de sequenciar o genoma do HIV na década de 1980.

“A pesquisa sobre o HIV foi absolutamente vital para a covid-19: legou muitos dos cientistas que agora lideram a pesquisa sobre o novo vírus junto com a infraestrutura para realizar estudos e ensaios clínicos. Os primeiros fármacos efetivos contra a aids, por sua vez, eram medicamentos que tinham sido rejeitados para o câncer”, conta Hasseltine que, por coincidência, foi uma das primeiras pessoas a se salvarem de morrer graças a outra inovação, a penicilina, em 1945.

“A ciência foi estelar tanto no caso do HIV como da covid-19, mas não é suficiente. É preciso ter liderança política e solidariedade social para controlar estas pandemias”, concluiu Hasseltine.

“Sem o fracasso das vacinas contra o HIV não teríamos o sucesso das vacinas contra o SARS-CoV-2” observa José Alcamí, que dirige a Unidade da Imunopatologia da Aids do Instituto de Saúde Carlos III, em Madri.

Os recursos para pesquisa sobre a covid-19 se concentraram no desenvolvimento de vacinas, deixando o desenvolvimento de fármacos em um segundo plano. Isso apesar de a luta contra o HIV já ter revelado a falsa dicotomia entre prevenção e tratamento e o fato de não haver panaceia, e sim uma combinação de ferramentas, segundo a diretora do Centro Internacional de Pesquisa Clínica da Universidade de Washington, Connie Celum. “O HIV nos ensinou que o tratamento também é prevenção, no sentido de que diminui a carga viral a ponto de evitar a transmissão” diz, apontando algo que poderia ocorrer também com a covid-19.

Do ponto de vista social, o médico Dirceu Greco, professor emérito da Faculdade de Medicina da UFMG lembrou que “no começo da epidemia da aids, em 1985, houve uma resposta importantíssima e multissetorial, com as ONGs, academias e o Estado entrando bem, montando um programa de aids que foi exemplo no mundo inteiro.”

 

“Nós deveríamos ter aprendido com a aids que para resolver qualquer problema desse porte, é preciso colocar as pessoas afetadas no centro da reposta. Só conseguimos mudar o cenário da aids porque as pessoas afetadas estavam no centro da discussão. Isso não está acontecendo de forma alguma com a Covid-19. É um absurdo, por exemplo, todas as noites aparecer no Jornal Nacional um consórcio de veículos informando dados de saúde”, defendeu Alessandra Nilo, da Gestos de Pernambuco, em dezembro, no Webinário sobre as pandemias de Aids e Covid, da Agência Aids.

 

Medalha de ouro para o Brasil 

Há 19 anos, Ítalo Ferreira era uma criança em Baía Formosa, no Rio Grande do Norte, que pegava ondas com a tampa de uma caixa isopor enquanto o pai Luís vendia peixes frescos na praia de Pipa. O tempo passou como um estalar de dedos e a brincadeira virou coisa séria: campeão do mundo em 2019, ele conquistou hoje (27) a primeira medalha de ouro da história do surfe brasileiro.

“Nasci em um lugar lindo e que quase ninguém conhece. Comecei aos oito anos, pegando espuminha com um pedaço de madeira, só que não dava para ficar em pé. Aí eu pegava as tampas da caixa de isopor que meu pai usava para vender peixes. Aí, sim”, contou Ítalo.

Depois do isopor, tudo aconteceu rápido na vida do potiguar. Com apoio dos pais Luís e Katiane, saiu de uma cidade com cerca de 9 mil habitantes para abraçar todas as oportunidades que apareciam em sua vida. O título do circuito do surfe mundial em 2019 colocou o morador mais ilustre de Baía Formosa no topo do esporte.

Na praia de Tsugaraki, onde a competição olímpica foi realizada, ele entrou no Olimpo do esporte brasileiro. Com um torneio consistente, Ítalo superou até mesmo uma prancha quebrada na final para conquistar a medalha de ouro. Foi o primeiro do Brasil nos Jogos Olímpicos de Tóquio e a primeira medalha de ouro da história do surfe olímpico —já que a final feminina aconteceu logo depois da vitória de Ítalo.

Redação da Agência Aids com informações