Segundo uma pesquisa recente do Datafolha, saúde é a maior preocupação dos brasileiros, com 23% da população (quase um entre quatro) citando a questão como a mais importante da atualidade. Saúde superou segurança, que dominava a lista das maiores preocupações nacionais.

Dois especialistas da área de saúde analisaram as propostas dos candidatos Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT) nesse campo: Gonzalo Vecina Neto, professor da Universidade de São Paulo (USP), ex-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), ex-Secretário Municipal de Saúde de São Paulo e ex-CEO do Hospital Sírio-Libanês; e Gulnar Azevedo, presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e professora e diretora no Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

De modo geral, as duas candidaturas trazem algumas propostas boas e outras equivocadas, mas o plano para a saúde de Bolsonaro foi mais criticado por dizer que não aumentará investimentos na saúde e no SUS e por ser generalista, não explicando com mais profundidade a viabilidade das ideias. Os especialistas concordam com Bolsonaro ao dizer que, claro, há ineficiência no setor e dá para fazer mais com o mesmo dinheiro. Isso não quer dizer, contudo, que a área não precise de mais verba. Nesse ponto, criticam o candidato do PSL por sugerir erroneamente, com um gráfico da OCDE mal-interpretado, que o Brasil gasta o suficiente.

Já o plano de Haddad prevê o aumento dos investimentos no SUS e na área de saúde e também cita ações para a regionalização da saúde, onde estado e municípios se especializam no atendimento primário, em uma rede interligada. Mais regionalização e menos federalização é visto como uma prioridade para a saúde brasileira entre os especialistas. Portanto, uma proposta acertada.

Ambos os programas, contudo, trazem ideias que vão na contramão de tal regionalização. Algumas propostas soam antiquadas quando o governo federal promete coisas para a saúde fora de sua alçada – tarefas que deveriam ser de prefeitos ou governadores -, indicando assim uma centralização ou federalização dos programas da área. Ambos os planos dos presidenciáveis citam, por exemplo, um prontuário eletrônico nacional. Gonzalo Vecina Neto diz que qualquer proposta de “refederalização” da Saúde é ultrapassada, uma vez que nas últimas décadas a Saúde no Brasil passou pelo oposto, a regionalização dos trabalhos na área, com tal organização prevista em lei.

A Lei 6.229 de 1975, a Lei Orgânica da Saúde de 1980 e a criação do SUS com a Constituição de 1988 já demonstram um sistema de saúde descentralizado, cabendo ao governo federal o repasse de recursos enquanto estados e municípios planejam e executam as ações.

“Tudo o que pensa em ‘refederalizar’ é antigo. A história da criação do SUS é a história da descentralização da Saúde no Brasil. Tínhamos órgãos federais como o Inamps (Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Privada), tínhamos o Funrural (Fundo de Assistência do Trabalhador Rural). Isso mudou. A tarefa da atenção básica e dos cuidados primários de saúde é tarefa dos municípios e estados. Com repasse de verbas, cabe o governo federal induzir e incentivar os programas de saúde nas esferas estadual e municipal. Os dois programas trazem propostas que sugerem medidas centralizadoras do governo para a Saúde, mas isso não é tarefa dele. A construção do SUS significou a redução da federação nos estados. Trinta anos atrás não tínhamos secretarias municipais de saúde na maioria dos municípios brasileiros. Hoje toda cidade brasileira tem uma secretaria de saúde”, diz Gonzalo Vecina Neto.

O consenso entre os dois especialistas ouvidos é que a prioridade para a Saúde no Brasil deve ser o fortalecimento das regiões de saúde, com ampliação da rede de atendimento básico e atenção primária em nível municipal e estadual. O maior financiamento do SUS também é visto como essencial para o Brasil dar o salto de qualidade que tanto precisa nessa área.

Fonte: Exame