No início da epidemia de aids no Brasil, no ano de 1984, muito se especulou sobre o que era a doença e como suas formas de transmissão. Hoje, apesar dos avanços em tecnologias de prevenção, tratamento e acesso à informação, muitos mitos ainda resistem e fazem com que sejam disseminados preconceito e estigma.

O médico sanitarista do Centro de Referência e Testagem em DST/Aids de São Paulo, Carué Contreiras , elencou os principais mitos e verdades sobre o HIV/aids e aproveitou para esclarecer algumas das dúvidas a respeito, por exemplo, de formas de transmissão, de prevenção e alguns direitos básicos.

Confira na íntegra: 

 

  1. O HIV pode ser transmitido por compartilhamento do vaso sanitário.

Mito. O vírus HIV não é transmitido através do contato com objetos não-perfurantes, como vaso sanitário, assentos de ônibus ou metrô. Beijo, abraço ou aperto de mão também não transmite o vírus. O HIV pode ser transmitido pelo sexo, pelo sangue, na gravidez, no parto ou na amamentação.

  1. A camisinha é a única forma de prevenção ao HIV.

Mito. A camisinha é o método mais completo porque previne o HIV, as outras infecções sexualmente transmissíveis e a gravidez. Mas, quanto ao HIV, podemos citar outras três formas, a PEP, a PrEP e o tratamento como prevenção (ver a seguir).

  1. Mesmo o teste tendo o resultado negativo, ainda pode ser que eu tenha HIV.

Verdade. O teste não consegue acusar a infecção logo no começo, porque ele detecta os anticorpos que o corpo produz para se defender da infecção. Esse período inicial que o teste não consegue detectar é chamado de janela imunológica. Para os exames que usamos geralmente no SUS, a janela é de cerca de 30 dias. Ou seja, se sua última situação de risco foi há mais de 30 dias, então você pode confiar que o resultado é negativo mesmo. Porém, se foi há menos de 30 dias, é preciso que se completem 30 dias para repetir o exame.

  1. Fiz sexo sem camisinha ontem e me arrependi, pois posso ter entrado em contato com o vírus. Só me resta lamentar e esperar 30 dias para poder fazer o teste.

Mito. Hoje temos a PEP (profilaxia pós-exposição). A pessoa que transou sem camisinha e acredita que possa ter entrado em contato com o vírus pode procurar a PEP, um tratamento preventivo de urgência que deve ser iniciado em até 72 horas após a relação sexual e que dura 28 dias.

  1. A pessoa com HIV sempre transmite o vírus pelo sexo.

Mito. O HIV não é transmitido quando a pessoa está se tratando e com o HIV controlado há pelo menos seis meses – ou seja, tomando as medicações diariamente e com o exame de controle chamado carga viral (que mede a quantidade de vírus no sangue) com resultado ‘indetectável’. Isso se chama “tratamento como prevenção”, e o lema utilizado para comunicar isso é “indetectável = intransmissível”. Não temos dados para dizer que o mesmo se aplica à amamentação e continua se recomendando que mulheres com HIV, mesmo estando indetectáveis, não amamentem.

  1. Eu já tentei muito, mas não consigo transar com camisinha 100% das vezes e tenho risco de me infectar. Só me resta lamentar e esperar o dia em que vou adquirir o HIV.

Mito. Desde o começo de 2018, o SUS oferece uma saída para essas pessoas. A PrEP (profilaxia pré-exposição), que é um medicamento diário que protege a pessoa mesmo que ela entre em contato com o vírus. Para ter a PrEP, a pessoa precisa estar em acompanhamento médico a cada três meses, fazendo exames periódicos de controle.

  1. A pessoa com HIV tem obrigação de contar para os parceiros que tem o vírus.

Mito. A pessoa com HIV tem direito à privacidade, já que revelar sua condição pode trazer consequências negativas em termos de discriminação e perda de emprego, por exemplo. Violar a privacidade da pessoa vivendo com HIV, contando para outros sua condição para prejudicá-la, é crime previsto em lei. É responsabilidade de cada um cuidar da sua prevenção, independentemente se o outro conta ou não que vive com HIV.

  1. É fácil adquirir HIV pelo sexo oral.

Mito. A possibilidade de transmissão do HIV em sexo oral feito em uma pessoa vivendo com HIV varia entre insignificante a nenhuma, mesmo quando não se usa camisinha ou a pessoa com HIV está com a carga viral alta. Nunca se provou uma transmissão por sexo oral. De qualquer forma, recomenda-se evitar ejaculação na boca.

  1. Trabalho de tatuagem e de manicure podem transmitir HIV. 
    Em parte. Quando falamos da transmissão por objetos cotidianos pérfuro-cortantes, ou seja, que entram em contato com sangue, a principal possibilidade é a transmissão dos vírus da hepatite B (para a qual existe vacina em qualquer posto de saúde) e da hepatite C, pois estes resistem vivos no ambiente por um período considerável. O HIV rapidamente morre fora do corpo. Influencia também o risco de transmissão a quantidade de sangue: tatuagem e piercing (quando usada agulha oca) poderão envolver mais sangue, enquanto que alicates de unha dificilmente carreariam sangue em quantidade suficiente para que houvesse transmissão do HIV. Por fim, é plausível que, se a pessoa vivendo com HIV/aids estiver com carga viral indetectável, a probabilidade de transmissão pelo sangue se reduza. Porém, os estudos que comprovaram que em pessoas com carga viral indetectável o vírus não é transmitido analisaram somente a via sexual. De qualquer forma, a recomendação geral segue sendo a utilização de agulhas e tintas descartáveis, no caso de tatuagem e piercing, e de instrumentos individuais ou esterilizados corretamente, no caso de manicure.
  2. Pessoas com HIV podem ter filhos normalmente sem que estes tenham HIV.

Verdade. A mulher vivendo com HIV que se trata e está com a infecção controlada reduz drasticamente a chance de transmitir o vírus para o bebê na gravidez ou no parto. Se a pessoa que tem o HIV é só pai, existem dois métodos preventivos que permitem que a mulher engravide sem adquirir o HIV – o tratamento como prevenção para o pai, combinado ou não ao uso da PrEP (profilaxia pré-exposição) pela mãe.