Os médicos não cogitaram que Andréa Morais pudesse ter o vírus

A escritora Andréa Morais, 44, relata que foi infectada pelo HIV em 2017. Atualmente, a gaúcha está indetectável e leva uma vida tranquila com as filhas em Três Coroas (RS). Mas a realidade nem sempre foi essa: ela sofreu para conseguir o diagnóstico, porque os médicos nem sequer cogitavam a infecção e ela não imaginava que seu parceiro era HIV+.

“Me infectei no dia 12 de fevereiro de 2017. Me lembro até o horário: por volta das 17h30. Foi com um rapaz que eu conhecia havia dois anos. Eu o considerava meu amigo e, depois, ele se tornou meu marido. Foi um abuso sexual, em que ele forçou a penetração, sangrou e ainda ejaculou dentro, justamente para ter a infecção”, lembra.

Três semanas depois da relação sexual desprotegida, Morais começou a apresentar os sintomas associados à infecção aguda causada pelo HIV. “Eu tive dor de garganta, ardência nos olhos e gânglios inchados”, relata.

Ao procurar pelo posto de saúde, a escritora conta que o médico nem sequer olhou no seu rosto e só receitou amoxicilina. “No outro dia, acordei com febre de 41 graus, rash (erupção cutânea) e uma moleza em que eu não conseguia levantar da cama. Minha mãe teve que me buscar e me levou para a Santa Casa de Porto Alegre”, lembra.

Morais fez diversos exames, inclusive em rede particular, para tentar descobrir o que tinha. Só que nenhum médico cogitou a possibilidade de ser HIV e pediu um teste. A suspeita só apareceu quando a tia da escritora, que é pediatra, sugeriu a coleta.

A gaúcha contou para a tia que tinha feito o exame em outubro de 2016 e usou preservativo com a única pessoa com quem se envolveu depois do teste. Morais foi questionada, então, sobre o homem com quem havia se casado. “Eu disse que ele tinha exames e, então, ela me perguntou se eu os tinha visto. Me gelou a espinha na hora”, lembra.

Como acontece com diversas mulheres, a escritora demorou para entender que havia sofrido uma agressão sexual.

A descoberta do HIV e de como foi infectada

Morais fez o teste de HIV 32 dias depois de ter a relação sexual com quem a transmitiu o vírus e o resultado foi indeterminado. Quando o repetiu, com 44 dias, o positivo veio.

A minha reação foi querer me jogar no mar. Quem me segurou foi minha mãe. Ela disse que nunca imaginou que teria uma filha com HIV, mas que iríamos passar por essa juntas.”

A infectologista Gisele Gosuen, coordenadora do Ambulatório de HIV e o Envelhecer da Escola Paulista de Medicina/Universidade de São Paulo (EPM-Unifesp) e do Comitê de Comorbidades da Sociedade Brasileira de Infectologia, explica que o tempo para detectar a infecção pelo HIV varia de uma pessoa para outra. Mas, geralmente, o diagnóstico é confirmado 30 dias após a relação sexual desprotegida.

“A condição pode ser detectada por exame de sorologia e testes rápidos, em que o paciente faz a coleta de sangue com um furo no dedo ou através de uma escova que é passada na bochecha, na parte de dentro, da mucosa da boca”, detalha Gosuen.

Com o resultado em mãos, a escritora decidiu não contar para as filhas logo de cara. Mas, assim que foi para casa, revelou ao parceiro o que estava acontecendo. Na época, ela ainda não tinha entendido que era ele que a havia infectado e não o contrário.

“Quando eu contei, ele só respirou fundo e disse que estávamos juntos nessa. Eu não me dei conta. Eu só sentia gratidão por ter um homem tão maravilhoso que me aceitava”, relata.

A gaúcha instruiu o parceiro a fazer o exame para saber se ele tinha sido infectado também. Ele evitava fazer qualquer tipo de teste e a escritora não entendia o porquê. “Quando ele fez o exame, deu positivo e mostrou que a carga dele estava muito mais alta do que a minha. Já no meu papel, estava escrito ‘infecção recente’”, conta.

Apesar de estar em um relacionamento abusivo, em que este homem dizia que Morais jamais conseguiria se envolver com outra pessoa porque ela não aceitaria o HIV, a gaúcha conseguiu se separar dele.

O tratamento para o HIV

Gosuen explica que o tratamento para o HIV é realizado com antirretrovirais. Os principais são: lamivudina, tenofovir e dolutegravir. Todos são disponibilizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Logo que Morais descobriu que havia sido infectada, ela começou o tratamento. Atualmente, ela faz uso do dolutegravir e tenofovir. “Os únicos efeitos colaterais que eu tive foi um pouco de queda de cabelo e pesadelo, no começo da medicação, mas depois estabilizou”, conta.

A minha saúde hoje é fantástica. Eu estou sempre indetectável, com a minha vitalidade lá em cima”, afirma Andréa Morais.

A gaúcha diz que, aos 41 anos, descobriu o transtorno bipolar afetivo (TAB). Desde então, além do tratamento medicamentoso, redobrou os cuidados com o sono, exercício físico e boa alimentação. Ela acredita que isso também contribui para uma boa resposta aos remédios associados ao HIV.

Morais tem uma saúde ótima hoje — Foto: Arquivo pessoal

“Com o advento da terapia antirretroviral altamente potente, uma pessoa que vive com HIV pode ter sobrevida semelhante à de uma pessoa não infectada, desde que ela faça o tratamento correto”, enfatiza Gosuen.

Meios de transmissão do HIV

As formas de infecção pelo HIV ainda refletem o preconceito que existe em relação ao vírus. Com isso em mente, a infectologista explica que o HIV pode ser transmitido por:

– Relação sexual vaginal e anal desprotegida;
– Sexo oral caso haja presença de sangue visível e dentes mal preservados;
– Compartilhamento de seringas por usuários de drogas injetáveis;
– Objetos cortantes, como alicate de unha e aparelho de barbear, compartilhados com pessoas infectadas;
– Tatuagens e piercings realizados sem materiais descartáveis.

“O HIV não deve ser transmitido se um indivíduo tiver relação com uma pessoa vivendo com HIV e essa esteja com carga viral indetectável por mais de seis meses”, explica Gosuen.

A infectologista reforça que o vírus não é transmitido por beijo, abraço, compartilhamento de talheres e/ou utensílios domésticos.

Fonte: Marie Claire