O Fundo Positivo nasceu em 2014 com a missão de mobilizar recursos para financiar centenas de ONGs no fortalecimento de ações de prevenção, assistência e garantia dos direitos humanos das pessoas que vivem e convivem com HIV e com hepatites virais. Desde de março, por conta da pandemia do novo coronavírus, a iniciativa vem se reinventando e flexibilizando sua área de atuação. Eles também estão atuando junto a diversas instituições na promoção do acolhimento de pessoas em situação de vulnerabilidade social. O tema foi debatido na noite desta terça-feira, 8 de dezembro, na live: “O Trabalho do Fundo Positivo em Destaque nesses Tempos de Pandemia”, da Agência Aids.

Liderado pelo ativista Harley Henriques, que atua no campo social do enfrentamento à epidemia de HIV/aids há quase 30 anos, o Fundo lançou em 2020 seu sexto edital de projetos. “O primeiro fundo que surgiu no Brasil foi o Fundo Elas, no início dos anos 2000. Hoje somos 12 fundos privados, temáticos, que compõem uma rede de fundos, como o Baobá, que trabalha equidade de raça. O Positivo nasceu fomentado por uma política de governo, dentro do antigo Departamento de HIV/Aids, do Ministério da Saúde, na gestão do Dr. Fábio Mesquita. A ideia era criar uma iniciativa que pudesse contribuir com a sustentabilidade das organizações de HIV, instituições essas que sempre contribuíram na resposta à aids no país”, destacou Harley, completando que logo no início o comitê de organização do Fundo decidiu que essa iniciativa seria autônoma e independente.

A gerente de projetos do Fundo Positivo também participou da live e contou que nem sempre o Movimento de aids fica contente com os projetos aprovados pelo fundo. “Sempre tem algumas reclamações, é um processo seletivo bem transparente e o Fundo amplia ao máximo a divulgação. O Comitê de seleção de projetos muda anualmente, muitas vezes a organização que foi contemplada no ano anterior não é aprovada no ano seguinte.”

A jornalista Roseli Tardelli, mediadora da conversa e diretora da Agência Aids, quis saber o porquê de um fundo especifico ligado para questões do HIV/aids.

“Sem dúvidas o movimento de HIV/Aids contribuiu e mostrou para diversas lutas a importância da integralidade com outras causas. Nos anos 90, conseguimos fazer com que essa epidemia tivesse ganhos para além da saúde, como foi a questão do genérico, da aprovação da lei universal do tratamento. É através deste movimento que a gente consegue trabalhar as especificidades e dar visibilidade para a nossa causa. Vale destacar que foi a partir do movimento de aids que o movimento LGBT pode se expressar. O HIV dialoga muito com a sociedade”, explicou Harley.

“Qual foi a ONG que mais surpreendeu quando a gente fala de projeto aprovado? ”, questionou Roseli.

“No universo de projetos já aprovados temos uma característica muito peculiar que é as mulheres trans coordenando os projetos nas bases. Elas passaram a assumir um protagonismo extraordinário com o apoio do Fundo Positivo, com mais visibilidade e ações desenvolvidas. Nós sabemos que as travestis e transexuais é um grupo que precisa efetivamente de apoio para o desenvolvimento de ações. Este foi um salto extremamente qualitativo para o Fundo Positivo. Outro dado interessante é que sempre tivemos dificuldades para encontrar projetos específicos para a população de homens trans. Neste ano, o Fundo começou a apoiar um projeto para este público”, comemorou Élida.

Mobilizar a iniciativa privada  

Sobre as dificuldades para trazer empresas e mobilizar recursos para o Fundo, Harley garantiu que muitas empresas entenderam perfeitamente o conceito desta iniciativa. “No lançamento do Fundo Positivo, em Brasília, algumas empresas que estavam presentes puderam conferir que se associar ao fundo era se o mesmo que apoiar uma iniciativa de HIV e ter a garantia que o recurso ia chegar a diferentes lugares do Brasil. Essa característica é muito interessante, é o sentido de expansão de um apoio. É fazer o recurso chegar a locais remotos, a gente tem projeto apoiado no interior de Roraima, na região ribeirinha. Essa particularidade fez com que as empresas se interessassem muito pelo fundo, a gente consegue potencializar o trabalho do investidor.”

Continuidade

Roseli perguntou ainda como o Fundo consegue se manter neste momento peculiar de Brasil. “Os processos de renovação com os financiadores se consolida e se renova exatamente pelos resultados das ações que as organizações desenvolvem. Apresentamos os indicadores qualitativos e quantitativos das ações desenvolvidas no território. Produzimos muitos materiais, o que traz credibilidade para o Fundo, é um trabalho bem transparente. O Fundo tem crescido diante dessa conjuntura como um todo. Nascemos mobilizando recursos e apoiando as organizações. No Primeiro ano atuação apoiamos três organizações via carta convite: Movimento de Adolescentes e Jovens Vivendo com HIV/aids, a Associação das Prostitutas do Belém do Pará e o Movimento Nacional de Cidadãs Posithivas”, descreveu Élida.

Outro que participou do debate foi o Kléber Santos, representado a Merck Sharp and Dohme. Ele trabalha na área de relacionamento com associações de pacientes e organizações da sociedade civil, além de responsabilidade social coorporativa, voluntariado. Kléber conheceu o Fundo antes de trabalhar na Merck, quando ainda estava na área de consultoria de políticas públicas de saúde. “Assim que eu migrei para a indústria farmacêutica comecei a acompanhar o Fundo mais de perto. Fizemos uma reunião e o Harley apresentou o Fundo a empresa, neste momento percebemos que tinha uma sinergia total e que fazia muito sentido a gente apoiar em conjunto o fortalecimento das organizações que trabalham na base. Eu sempre brinco com o Harley que nos conhecemos, depois tivemos um início de namoro formalmente e este ano já estamos renovando”, disse.

Harley foi além: “A equipe da MSD contribui muito, entendendo que a parceria é além do aporte financeiro, eles contribuem com ideias. O fundo positivo tem a sua política de não envolvimento do produto com a missão institucional, os parceiros também têm. As organizações e os apoiadores ficam sabendo juntos se o projeto foi contemplado ou não.”

Comitê de seleção

O Comitê de Seleção de Projetos é quem escolhe as instituições contempladas a cada edital. “Nosso edital tem algumas fases, é publicado em uma plataforma de gerenciamento de projetos, passa pela habilitação das propostas, lembrando que o fundo apoia organização da sociedade civil de base comunitária. A ONG precisa ter pelo menos um ano de constituição formal, ter toda documentação, com CNPJ ativo. O Comitê geralmente trabalha com duplas, são dois pareceristas que avaliam o projeto. Neste ano, o comitê trabalhou virtualmente. Os projetos com notas acima de 7 são os aprovados e seguem para a plenária do comitê. Depois são levados em conta mais alguns critérios, como os epidemiológicos, regionais… O comitê fica fechado no hotel, não pode sair ou ter contato com outras pessoas, é um processo rigoroso”, contou Élida. “Até o ano passado, 6 pessoas faziam parte deste comitê. Este ano foram quatro avaliadores. Sempre participam algum representante do Departamento, da Prefeitura de São Paulo, com a coordenação municipal e o CRT. Esses têm sempre um assento reservado. Os outros são convidados”, completou Harley.

Associação Gold

Um dos projetos aprovados é o liderado por Deborah Sabara, da Associação Gold (Associação Grupo Orgulho, Liberdade e Dignidade), no Espirito Santo. A instituição trabalha com a promoção dos direitos humanos, atendimentos a população LGBTI+ em combate a pandemia do coronavírus e jovens que estão cumprindo medidas socioeducativas. “A gente está muito feliz de ter um projeto contemplado pelo Fundo Positivo. O nosso projeto é o Papo Reto, que dialoga a prevenção, ISTs e higiene pessoal. É focado em adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas no Espirito Santo, atendemos todas as unidades socioeducativas do Estado. A gente conversa com aproximadamente 1100 adolescentes, de 600 a 800 técnicos, entre psicólogos, assistentes sociais, agentes, profissionais da área da limpeza. A gente convida todo mundo para sentar e conversar junto com os adolescentes sobre questões relacionadas a prevenção das ISTs, HIV e hepatites virais. A Gold existe há 15 anos para lutar pelos direitos da população LGBT, mas a gente se desenvolveu com a pegada dos direitos humanos. Estamos trabalhando com a população em situação de rua e distribuindo kits de higiene, máscaras, aferindo temperatura e também fazendo testes de HIV. Também estamos com um projeto de entrega de cestas para organizações que fazem comida para a população de rua. A gente tem apoio do Movimento Nacional de Direitos Humanos, Fundo Baobá e do Fundo Positivo.”

Atuação na pandemia

Para Harley, essa pandemia só fez escancarar ainda mais as desigualdades sociais. “Estamos num momento de maior visibilidade sobre a importância dos movimentos sociais. As ONGs não pararam duram a pandemia. Percebendo que as ONGs estavam respondendo a pandemia da covid-19, os fundos criaram um fundo emergencial para covid, inclusive nós. Neste ano, permitimos no edital que as propostas pudessem incluir ações de covid, como compras de EPIs, mas também apoiamos projetos exclusivos para covid. A seleção foi via carta convite. São instituições que estão trabalhando com pessoas trans, população em situação de rua e com moradores de favela no Rio de janeiro. A nossa rede de fundos já calculou que houve mais de seis milhões de reais destinaram para ações de covid.”

Deborah assegurou que a chegada e a entrega do recurso pelos fundos para instituição foi muito mais rápida do que a dos governos. “A gente está acompanhando o processo em alguns municípios que eles ainda estão fazendo a distribuição dos recursos nas periferias. Tudo aconteceu de forma democrática.”

Roseli lembrou que no começo da pandemia o governo estava pensando o que fazer para apoiar as pessoas e as ONGs já estavam dando uma resposta cidadã e solidária.

Para a iniciativa privada, segundo Kléber, ter parceiros como o fundo facilita a canalização de recursos. “Temos certeza de que o recurso chegará para entidades que realmente trabalham na base.

O que a aids ensinou

Roseli quis saber dos debatedores o que a aids ensinou e que pode ser replicado neste momento de covid.

Deborah disse que a aids trouxe visibilidade, empoderamento e protagonismo das pessoas trans. “Me sinto muito importante porque estou tendo condições para realizar projetos. Tivemos a triste notícia de que 129 pessoas trans foram assassinadas em plena pandemia.”

Para Élida, o movimento de aids traz a solidariedade. “As organizações que o fundo apoia não deixaram de atuar nos territórios, levando solidariedade, informações e insumos de prevenção, isso faz total diferença. Falávamos de isolamento, e o movimento de aids foi atuar com população em situação de rua, com jovens cumprindo medidas socioeducativa, com as comunidades indígenas, levando EPIs e insumos de prevenção. A pandemia nos fez rever as nossas posições individuais, como é que a gente se relaciona com o mundo, com o coletivo. Ela exige que a gente deixe de olhar para o nosso problema individual e olhe para o coletivo.”

Kléber concordou com Élida. “As palavras são solidariedade e acolhimento. Até setores da iniciativa privada que geralmente não trabalham com a área da responsabilidade social se engajaram neste momento de pandemia. Todos estamos sendo afetado pela covid, precisamos ter um pensamento cidadão e responsável e presar pela saúde pública e pelo nosso SUS, o quão é importante reforçar e defender o SUS, sem ele o que seria de nós neste momento.”

A conversa durou mais de uma hora e chegou ao fim com o desafio de resumir o momento atual em uma palavra. Roseli disse esperança, Deborah escolheu redução, Élida optou pela fé, Kléber, resiliência e Harley finalizou com força.

Talita Martins (talita@agenciaaids.com.br)

Dica de entrevista

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