Autoconhecimento, presença de Deus, solidariedade, inclusão e respeito foram as palavras mais ditas na noite dessa terça-feira (15), na live “A vocação, o compromisso e o trabalho do Padre Manoel Olavo Amarante”, da Agência Aids. A jornalista Roseli Tardelli, diretora dessa Agência, conversou com o presbítero de tradição católica por mais de uma hora. Ele elogiou a atuação do Papa Francisco, falou sobre as mudanças na igreja, defendeu o respeito as outras religiões, pregou o amor ao próximo e a fé. Progressista que é, Padre Olavo disse que todos são bem-vindos na Paróquia Santa’Ana, diocese de São Miguel Paulista, na zona leste de São Paulo, onde é o pároco titular.

“A minha experiência de Deus é muito eclética, sempre cultivei mente e coração abertos. O mais importante é fazermos parte da jornada da caravana do amor. Procuro cultivar a experiência de Deus com amor. Jesus asseverou que devemos amar a Deus acima de tudo e todos, acima de todas as religiões, com toda força, com toda alma. Temos também que amar o próximo como a si mesmo. Caminho sempre nessa direção com leveza e muitas dificuldades. A minha ancestralidade religiosa é a experiência de Deus católica, eu amo a igreja, mas sou uma alma livre. Cultivo a minha liberdade. De uma dimensão mais cientifica, posso dizer que sou filósofo e um homem de Deus.”

Ele continua: “Penso que o homem deve ser livre, sou um espírito encarnado, não sou espirito puro e não sou corpo. Estou encarnado e preciso das instituições. Eu procuro salvaguardar a minha alma e espírito. Nas constelações familiares, a gente trabalha a dimensão do espelho, o outro é o espelho.”

Ser padre

Roseli quis saber como foi a escolha de padre. “Em uma visão mais completa, penso que vim com essa programação espiritual. Tenho absoluta certeza que sai do mundo espiritual para ser presbítero, sacerdote. Não me preocupo em saber os por quês. Me preocupo em ser um bom padre, um padre santo naquilo que eu penso que é ser santo. Talvez o conceito de santidade que eu tenho seja distinto do imaginário do povo católico. Minhas tias e minha mãe me disseram que desde pequeno eu já demonstrava eu ia ser padre. Desde os 7 anos eu tenho a consciência de que eu queria ser padre. Sempre fui muito crítico, entrei cedo nos encontros vocacionais. Me dediquei aos movimentos pastorais e sociais, não namorei na adolescência e agradeço a Deus e a minha alma por não ter tido essa experiência.”

Já em São Paulo, padre Olavo descobriu que sua vocação não era ser padre religioso. Ele fez a imigração para a diocese de São Miguel Paulista e disse que foi bem recebido. Já são 29 anos nesta caminhada, 20 deles como padre. “Logo que me ordenei, meu bispo percebeu que eu era bom para formar futuros padres. Fui a Roma estudar, fazer um curso de formadores. Fiquei um tempo nesta função. Hoje, só cuido da minha paróquia.”

Acertos e erros

“Como o senhor lida com os acertos e os equívocos da igreja?”, questionou Roseli

“André Luiz, que é tradição espírita, fala nas obras psicografadas que enquanto estamos encarnados não somos 100% espíritos e nem somos 100% corpos. Estamos encarnados e sofremos os impactos da trajetória desse planeta. Eu milito e me relaciono com as contradições da minha tradição religiosa com muita beleza, mas com dificuldades e muita dor. Sou uma pessoa mística, de profunda fé. Busco ser coerente e isso me traz dor e sofrimento. Meu espirito é muito atrevido e ousado. Vivo isso com tranquilidade.  A vida da gente é um paradoxo. Eu não estou falando de teorias, estou falando de emoções, sentimentos. É difícil traduzir.”

Roseli quis saber também como o padre usa o templo que ele administra para o viés social. “A nossa paróquia tem uma obra social muito famosa na região, é o Centro Social Fé e Alegria. Herança dos padres espanhóis. No campo social, eu procuro trabalhar na pastoral a abertura da nossa paróquia. Temos o Albert, também conhecido como Dindry Buck, que é homoafetivo. Lá ele é bem aceito e amado. Nossos párocos o aceita. Trabalhamos ainda com a questão do ecumenismo e do diálogo inter-religioso. Nos dois últimos anos, recebemos em nossa igreja, na celebração de Santa Ana, um pai de santo e seu povo. Vieram todos paramentados com as vestes do candomblé, foi uma experiência profunda de Deus. Gosto sempre de dizer que cada missa que eu presido é como se fosse a última, eu não tenho o domínio da vida.”

O publicitário Albert Roggenbuck , criador da personagem Drag Queen Dindry Buck, do Esquadrão das Drags, também foi chamado para live e confirmou as palavras do padre Olavo. “Fui criado pela minha mãe na religião católica. Sempre tiveram párocos em minha vida que me acolhem, é um privilégio. Existem párocos que não deixam homossexuais participar ativamente da igreja. Ainda bem que esse não é o meu caso, sempre estou à disposição para tudo que me chamam. Na igreja Santa’Ana sempre conseguimos viver o respeito, o amor e a acolhida.”

Drag na igreja

Para Roseli, a casa de Deus cabe todo mundo: umbandistas, kardecistas, o pessoal do candomblé, os gays, as lésbicas, palmeirenses, corintianos… “O senhor também pensa assim? Sofreu resistência por isso?”

“Não me preocupo com as resistências e os aplausos. A minha preocupação fundamental é com a minha interioridade e com a presença de Deus nesse processo interior que faço. Nunca sofri nenhuma resistência. Há mais ou menos seis anos, na preparação da festa de Santa Ana, era o Dia Internacional da Drag Queen, o Albert entrou na igreja revestido com suas vestes de Dindry e eu dei o microfone para que ele falasse alguns minutos. Gravaram e enviaram para o Bispo Bom Manoel. Fui chamado para esclarecer. Expliquei para o bispo todo o andamento da paróquia, falei como eu via essa situação e pronto.

Albert acrescentou que foi apenas uma reunião de preparação. “Teve essa benção em nome de todas as drags. Se lá todos os paroquianos respeitam a diversidade é porque o exemplo vem do padre”, reafirmou.

Conhecimento inter-religioso

A jornalista Cristina Angelini, especialista em religiões e idealizadora do Canal Angelini Informações e Espiritualidades, no Youtube, também participou da live e trouxe palavras de amor e acolhimento.

“Acredito que a ignorância é pior do que ódio, a gente precisa ter conhecimento para ter respeito. Ao invés de ficar discutindo sobre religião, pensei em conversar com os religiosos e começar a saber como é a religião do outro. O que acreditam, o que pensa após a morte, o que pensa que deve ser feito pelo ser humano. Para 91% dos brasileiros, a fé é um valor. Esse é um país majoritariamente cristão, que não pode ser a favor do armamento, do racismo. O maior mandamento que Jesus disse é amai-vos uns aos outros como a si mesmo. Se as pessoas começassem a entender mais a fé que elas processam, o mundo poderia ser muito melhor. A igreja tem pessoas como o Padre Olavo há muito tempo, se você pegar os padres que trabalham no nordeste e no norte do país, vai ver que a teologia da libertação continua. As comunidades de base mudaram muito o Brasil. A diferença é que agora você tem o Papa Francisco, que é uma pessoa que sabia quanto custava o pãozinho, ele andava de metrô, ônibus, visitavas as famílias. Isso é o que deve fazer também o Padre Olavo. Quando você sabe a realidade das pessoas seu comportamento é outro. Quando o Papa Francisco assumiu a primeira atitude dele foi pagar o hotel onde ficou hospedado. O Papa tinha um helicóptero que era só para ele. Junto ao Vaticano tem um hospital de transplante de órgãos infantil. Quando o hospital precisava, pedia o helicóptero emprestado. O Papa Francisco fez o contrário. Deixou o helicóptero com o hospital e disse que quando ele precisar, se o hospital não estiver usando, ele usa. O Papa Francisco vive na realidade.”

Roseli perguntou ao padre Olavo qual é o motivo que faz o Papa Francisco ter consciência social. “É fundamentalmente a experiência de Deus nele e a compreensão que ele tem de Deus, do homem e do mundo. São vivências diferentes. O Papa Francisco tem uma visão do poder baseado no ser, fazer e construir. Esses são os atributos próprios de Deus. O poder não corrompe. Ele é coerente com aquilo que pensa. Em Jesus, palavras e gestos não têm contradição.”

A igreja está compreendendo o que o Papa Francisco veio fazer na terra neste momento?

Para o religioso, é preciso situarmos o Papa Francisco em alguns processos de mudanças que a igreja passou nos últimos séculos, com o movimento litúrgico e o movimento bíblico. “O Papa Francisco é fruto disso, é fruto de uma vivência dos princípios de mudanças. O Papa encontra muitas resistências, porque isso requer uma configuração nova na microfísica do poder dentro da igreja, isso não agrada aquelas almas que, por ignorância, se comporta de modo diferente. Dom Paulo Evaristo dizia que a paz vem de dentro para fora. Nem todos estão neste processo.”

Constelação familiar

Recentemente, o padre Olavo, que é formado em teologia e filosofia, tem se dedicado aos estudos sobre constelação familiar. A Constelação é um método psicoterápico ou ferramenta e estuda as emoções e energias que, consciente e inconscientemente, acumulamos. De acordo com os ensinamentos de Bert, as pessoas trazem no DNA a herança dos antepassados e as células do corpo carregam memórias ancestrais. “Por que o senhor foi buscar constelação? E como o senhor vai fazer para que a igreja compreenda a abertura que as constelações podem fazer?”, perguntou Roseli.

“Eu vou fazer o meu caminho. O meu caminho é uma abertura dentro do sistema. A mudança será feita na base, eu sou a base. Quando fala de igreja, parece que está falando de algo fora de nós. A instituição tem as pessoas e são essas pessoas que precisam mudar. Me parece que todo processo histórico começa na base e vai tomando força. Fui fazer constelação familiar porque a minha alma pediu. Eu procuro ouvir meu coração e minha mente. Neste sentido, sou muito livre. Deus está acima de tudo. Tenho profundas leituras e aberturas ao movimento espírita. Também aprendo com os muçulmanos e com os irmãos do candomblé. O espiritismo tem me ajudado bastante, a pessoa do Divaldo Pereira Franco tem influenciado muito na minha formação humana. O amor dele a Jesus me encanta. O mundo precisa de líderes religiosos coerentes. O mundo está carente de profetas e líderes reais. O Papa Francisco para mim é um desse líderes.”

Sobre a pandemia do novo coronavírus, Padre Olavo disse que “estamos necessitando de passar por esse processo. É um processo de dor e sofrimento, mas estamos evoluindo com o nosso modo de pensar. Nesta direção, acredito que Deus está no dando a oportunidade de repensarmos nossas atitudes, nosso modo de ser e pensar. É o momento de vivermos o que estamos vivendo. Em todo processo histórico, nunca houve avanços na história do mundo sem sofrimentos. Temos que evitar a histeria coletiva, o negacionismo e o pessimismo. Nada se conquista sem a dor e o sofrimento. O mal faz parte do processo de evolução da pessoa humana e do planeta.”

A live chegou ao fim com a missão de cada um presentear a humanidade neste natal. Roseli deixou de presente a alegria, Cristina presenteou com esperança. Albert escolheu a permissão. Padre Olavo encerrou com amor. “Sem o amor a humanidade estruge a beira da violência. Que o amor reine em nossa mente e coração.”

É possível rever a livre no Facebook da Agência Aids. Fizemos uma seleção dos melhores momentos que estão publicadas na TV Agência Aids. Também temos a versão do bate-papo em podcast.

Talita Martins (talita@agenciaaids.com.br)

 

Dica de entrevista

Paróquia Santa’Ana

Tel.: (11) 2052-9503