Como falar de aids quando toda a atenção está para a Covid? Essa foi a pergunta que jornalistas e influenciadores digitais responderam na tarde dessa quinta-feira (16), no II Comunicaids – Seminário Nacional sobre Comunicação, Aids e a Covid-19, promovido pela Gestos. Idealizador do site Saúde Pulsando, o jornalista e ativista do movimento aids, Paulo Giacomini, defendeu a comunicação como um direito. “A comunicação no campo da saúde deve estar alinhada com o conceito do direito à saúde. Ela é dirigida a cidadãos e não a consumidores de bens e serviços.”

A ativista Vanessa Campos, do canal Soroposidhiva e secretária de comunicação da Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/Aids (RNP+Brasil), tem apostado nas vivências das pessoas com HIV para ampliar as discussões sobre a temática nas redes sociais. “A voz de quem vive com HIV/aids alcança muitas pessoas, inclusive quem recebeu recentemente o diagnóstico e está em busca de informações. Nos meus perfis do Facebook e Instagram tem acontecido o acolhimento entre pares, tenho conversado com muitas mulheres. Também estou compartilhando a minha história e vivência, como as dificuldades que tive na adesão ao tratamento, na minha coluna Rosa Choque no site Saúde Pulsando.”

Não brigar com a pauta

Especialista em comunicação e saúde, a jornalista Roseli Tardelli, diretora da Agência Aids, contou que a Agência decidiu não brigar com a pauta de Covid. “Pegamos carona. Desde o começo da pandemia temos publicado as principais informações sobre Covid-19 e ampliado a pauta. Todos os dias vai ao ar uma boa notícia sobre Covid e nossa audiência aumentou seis vezes. Além disso, demos mais voz as pessoas vivendo com HIV/aids e ao movimento social. Tem muita gente se reinventando neste momento. Contar histórias e compartilhar iniciativas é humanizar a pauta.”

Todos concordaram que levar informações qualificadas e verdadeiras para a população tem sido um dos grandes desafios da ciência durante a atual pandemia. “O governo brasileiro está no hospital e precisaria se consultar com o otorrino para aprender a ouvir a sociedade civil. A luta contra aids avançou no Brasil e no mundo porque uniu vários atores na construção da política pública, inclusive pessoas vivendo, a comunidade cientifica e a comunicação”, apontou Roseli.

Participação

Paulo Giacomini também acredita que a comunicação em saúde exige participação e interação com o público. “A comunicação não pressupõe, ela considera. As informações sobre saúde não são recebidas apenas pelas instituições de saúde, estão em meio a um tiroteio de informações de todos os lados e tipos. As pessoas não mudam de comportamento apenas porque receberam e compreenderam uma informação, intercalamos as informações que recebemos com os nossos próprios conhecimentos, situações vividas, memórias, é esse arcabouço subjetivo que atribui sentido social à informação.”

O ativista acredita que para falar de aids em tempos de Covid é preciso focar na solidariedade. “O foco é não banalizar o HIV, é desestigmatizar a aids. É a produção de sentidos sociais que possam contribuir para a mudança de comportamento para o autocuidado.”

Paulo acrescentou que é importante unificar e alinhar as falas.  “A sociedade civil precisa alinhar os discursos e as terminologias. Por que falar enfrentamento no lugar de luta ou atingir no lugar de alcançar? Enfrentamento é uma palavra que minimiza o esforço da luta. Neste sentindo, um glossário de palavras e termos possam contribuir para um alinhamento gramatical.”

Mesmo considerando que há muitas pessoas falando sobre HIV, sexualidade e direitos humanos nas redes sociais, Vanessa disse que não é possível alcançar a grande massa se o governo federal não investir em campanhas. “A prevenção as ISTs/aids não funciona com a pedagogia do medo. Temos que levar a voz a comunidade. As falas das pessoas vivendo são fundamentais para a comunicação na luta contra a aids.”

Inovação

Na Agência, Roseli contou que ao longo desta pandemia tem apostado cada vez mais na arte e em lives para ampliar a pauta. “Neste ano, o tema da Parada do Orgulho LGBTQIA+ de São Paulo foi HIV/aids. Fizemos o Camarote Virtual Solidário e por mais de 7 horas debatemos os 40 anos de aids no mundo. Conseguimos arrecadar mais de duas toneladas e meia de alimentos que foram distribuídos para 10 ONGs que acolhem pessoas com HIV/aids. No mês da mulher, criamos uma série de debates sobre mulher e aids e as cidadãs apresentaram as nossas lives. Agora, estamos preparando um grande webinário para debater com especialistas e as pessoas vivendo o que queremos para os próximos 40 anos da luta contra aids. Que respostas podemos construir? Por que não uma vacina?”

Informação relevante

Representante do Movimento Aids no Conselho Nacional de Saúde, Moysés Toniolo, quis saber o que é a informação de relevância para o movimento aids hoje. “Temos debatido vivências e menos a política de aids. Os ataques contra o SUS vão matar a nossa política de aids.”

“O movimento aids precisa responder como que se colocar. Muitos setores estão sendo atacados neste momento, inclusive parte da grande imprensa nacional. Precisamos entender que as pautas concorrem. A humanização da dor tem sido pauta na mídia.”

A advogada Kariana Guérios, da Gestos, disse que a discussão precisa ir além do que é relevante. “Precisamos saber com que público é importante discutir a política de aids. Temos que mostrar a pauta, os retrocessos.”

A jornalista Alessandra Nilo, coordenadora da Gestos, observou que a pandemia de Covid-19 colocou luz nas desigualdades. “Do ponto de vista da comunicação, a aids tem muito a contribuir para o debate. O aspecto que o Moysés levantou é estruturante, mas um desafio imenso nesse contexto e no perfil de ativistas, que também mudou e isso precisa ser reconhecido para que tracemos estratégias.”

A segunda edição do Comunicaids chegou ao fim com o desafio de rearticular uma rede estratégica de profissionais e interessados no tema. Em breve, a Gestos vai publicar um novo documento com recomendações ao governo federal sobre como melhor implementar políticas efetivas de comunicação sobre HIV e Covid-19 no Brasil.

Talita Martins (talita@agenciaaids.com.br)

Dica de entrevista

Gestos

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Roseli Tardelli

E-mail: roseli@agenciaaids.com.br

Paulo Giacomini

E-mail: paulo.giacomini@gmail.com

Vanessa Campos

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