O Grupo Pela Vidda São Paulo, uma das ONGs mais antigas do Brasil no combate ao HIV/aids, celebra 35 anos de ativismo, solidariedade, apoio e acolhimento às pessoas vivendo com HIV/aids. Fundado por pessoas diretamente afetadas pela epidemia, o grupo acaba de completar mais de três décadas de esforços contínuos em defesa das populações vulneráveis, especialmente aquelas vivendo com HIV/aids.

Em entrevista à Agência Aids, membros históricos da organização relembraram sua trajetória. “Os 35 anos do Pela Vidda São Paulo precisam ser reverenciados, pois contêm muita história. O que mantém um grupo comunitário e ativista de pé e de portas abertas por tanto tempo, mesmo diante de inúmeras adversidades? Primeiro, é o engajamento pessoal de muitos que merecem nosso reconhecimento. Muitas dessas pessoas já não estão entre nós, mas dedicaram parte de suas vidas para que o grupo continuasse a existir. Segundo, o Pela Vidda só existe porque ainda há muito a ser feito”, disse o professor Mário Scheffer, ex-presidente do grupo e um dos ativistas mais antigos da ONG.

Scheffer destacou que a missão do Pela Vidda São Paulo continua relevante. “Enquanto a aids não for vencida, enquanto os direitos não forem garantidos, enquanto as políticas públicas deixarem de oferecer respostas adequadas, o Pela Vidda precisa existir. Vida longa ao Pela Vidda!”

A trajetória da ONG

A história da ONG em São Paulo começou com o professor e pesquisador Jorge Beloqui, considerado o fundador número 0 do grupo. A ONG foi criada três meses após a fundação do Pela Vidda/Rio de Janeiro, em maio de 1989, pelo sociólogo e escritor Herbert Daniel. Durante um evento no Centro Cultural São Paulo, Jorge, que faleceu em março de 2023, pediu à então secretária de Cultura da Prefeitura, Marilena Chauí, uma sala para abrigar o núcleo paulista do Pela Vidda.

Desde seu início, em um espaço dentro de uma biblioteca no Centro Cultural, até sua atual sede na Rua General Jardim, no centro de São Paulo, a ONG passou por diversos locais, incluindo as casas dos fundadores, uma sala comercial na Avenida Paulista e outra no Grupo de Apoio à Prevenção da Aids (Gapa).

“O Grupo Pela Vidda São Paulo surgiu em um momento crucial para o enfrentamento da epidemia de HIV/aids no Brasil. Entre 1981 e 1983, o vírus chegou ao país, e já em 1989, o grupo se estabeleceu como uma resposta comunitária essencial, dedicando-se à garantia de direitos, à inserção das pessoas no contexto de vida e ao cuidado com a saúde. Naquele período, tudo ainda era muito incerto, com cobranças e culpabilizações muito presentes, deixando as pessoas inseguras e solitárias. O grupo surgiu, então, como um apoio vital para pessoas vivendo com HIV/aids, seus familiares e amigos, ajudando-os a encontrar forças e mecanismos para enfrentar a epidemia emergente”, recordou o ativista Eduardo Barbosa, vice-presidente do Pela Vidda São Paulo.

Sustentabilidade

Como toda organização da sociedade civil, manter uma ONG sem fins lucrativos não é tarefa fácil. “O grupo depende do apoio da própria comunidade para sobreviver, além de contar com projetos em parceria com os governos federal, estadual e municipal. Ao longo do tempo, apoiadores como a Fundação Levi Strauss desempenharam um papel crucial, fornecendo recursos significativos para o aluguel da sede, pagamento de telefone e outras necessidades. A instituição sempre foi estruturada com foco nos direitos humanos da população atendida, mas hoje é mais desafiador manter suas atividades, especialmente diante da escassez de recursos financeiros, tanto em âmbito nacional quanto internacional”, completou Eduardo.

Hoje, o objetivo central do Grupo Pela Vidda São Paulo, de acordo com os representantes da instituição, é a busca pela cura da aids, visando a obtenção de medicamentos mais acessíveis e reforçando que a saúde não deve ser vista como um comércio. “O grupo luta para garantir que todos tenham acesso às melhores terapias e tratamentos preventivos, e para reduzir novas infecções e o número de óbitos causados pelo HIV/aids e suas infecções oportunistas. Além disso, o grupo combate todas as formas de preconceito e discriminação, incluindo homofobia, transfobia, lesbofobia e sorofobia.”

A participação da comunidade também evoluiu, especialmente com as mudanças nos meios de comunicação e relacionamento. Atualmente, a maior parte da demanda do Grupo Pela Vidda São Paulo ocorre de forma virtual, através de redes sociais e aplicativos como o WhatsApp, em vez das reuniões presenciais de antigamente.

Diversidade

Ao longo dos anos, o Pela Vidda vem se destacando pela diversidade de projetos comunitários. Além de produzir material informativo, a ONG é responsável pelo Centro de Referência e Defesa da Diversidade (CRD) Brunna Valim e pelo acolhimento de pessoas vivendo com HIV/aids e seus familiares, através do Chá Positivo. Outras iniciativas importantes incluem a Festa dos Aniversariantes, realizada no último sábado de cada mês, e o Cinema Mostra Aids, que oferece uma valiosa oportunidade para conferir produções que retratam a pandemia ao redor do mundo. “Já desenvolvemos diversas atividades, com foco em escuta, apoio e incidência política nas questões relacionadas ao HIV/aids. O Chá Positivo, uma das atividades mais antigas do grupo, continua sendo um espaço seguro onde as pessoas podem compartilhar suas experiências e encontrar apoio, seja revelando ou não seu diagnóstico, ou simplesmente como amigos e familiares de pessoas afetadas. Esse espaço também gerou ações de incidência política, pressionando os poderes Executivo e Legislativo em todos os níveis para formular políticas que atendam às necessidades daqueles diretamente afetados pela epidemia.”

A ONG já atendeu inúmeras pessoas, tanto dentro da instituição quanto nas ruas e avenidas da cidade, realizando intervenções de campo e ativismo para melhorar a qualidade da assistência e prevenção. O CRD, por exemplo, oferece atendimento a mais de 5 mil pessoas, principalmente aquelas em situação de vulnerabilidade, como pessoas em situação de rua, vivendo com HIV/aids, ou enfrentando isolamento e empobrecimento, incluindo profissionais do sexo.

Assim como Mário, Eduardo considera que o trabalho do Grupo continua imprescindível, tanto para manter os avanços no enfrentamento da epidemia quanto para garantir um futuro com direitos assegurados. “A missão do Pela Vidda para o futuro é continuar lutando pelos direitos das pessoas em maior vulnerabilidade, especialmente buscando igualdade de acesso para pessoas vivendo com HIV/aids, a população LGBTQIAP+ e profissionais do sexo. O grupo pretende seguir acolhendo as demandas dessas pessoas e mantendo o diálogo com aqueles que decidem as políticas públicas no país.”

Confira a seguir depoimentos de pessoas que ajudaram a construir a trajetória do Pela Vidda ao longo destes 35 anos

Fernanda Nigro, advogada do Grupo Pela Vidda/SP

“Estou no Grupo Pela Vidda/SP há quase 11 anos. Comecei de forma discreta como advogada do Centro de Referência e Defesa da Diversidade, e, aos poucos, fui me envolvendo na execução de projetos, rodas de conversa e outras atividades, graças ao meu conhecimento em políticas afirmativas para as pessoas vivendo com HIV/Aids. Minha ligação com o grupo foi se fortalecendo, e, quando me dei conta, já estava representando o Grupo Pela Vidda/SP em reuniões e articulações. Sou muito grata por fazer parte do Grupo Pela Vidda/SP, um lugar de acolhimento, afeto e ações bem-sucedidas. Pretendo continuar aqui por muito tempo, colaborando, lutando, elaborando políticas públicas e exercendo controle social.”

Renato Venâncio

“Gratidão é a palavra que guardo no meu coração pelos 17 anos em que fui voluntário no Grupo Pela Vidda. Para mim, sempre foi um lugar onde eu ajudava o próximo e também recebia apoio. Ficava sempre feliz em estar com todos que precisavam de um ombro amigo, um sorriso, uma festa. Esse sentimento de felicidade e gratidão é algo que guardo no meu coração.”

Flavio Aparecido Rodrigues

“Comecei no Pela Vidda em outubro de 2005. Logo me tornei voluntário, além de usuário, e passei a atuar como um dos coordenadores do Chá Positivo. Fui responsável pelo setor financeiro e cheguei à diretoria como tesoureiro e vice-presidente. Saí da diretoria para assumir a coordenação assistencial no CRD por dois anos, me afastando temporariamente do grupo em meados de 2015. Hoje, voltei a frequentar o Chá Positivo. O Grupo Pela Vidda tem uma importância enorme na minha vida, me ajudando a reconhecer meus direitos e deveres enquanto cidadão vivendo com HIV. A luta do Pela Vidda e o ativismo, junto com outras ONGs de São Paulo, foram fundamentais para conquistarmos o tratamento e as políticas públicas para as pessoas vivendo com HIV. Tenho um carinho e gratidão imensos pelo Pela Vidda, e fazer parte desta história, tanto no passado quanto agora, me tornou uma pessoa melhor.”

Maria Martha Gibellini e Maria Regina dos Santos Agostinho, psicólogas e psicanalistas

“Atuamos como voluntárias no Grupo Pela Vidda desde 2018 realizando a coordenação dos estagiários e voluntários da psicologia. O cuidado com a saúde mental dos usuáries se soma às diversas frentes de trabalho que se dedica a ONG Pela Vidda desde sua fundação em 1989. Nesta jornada de trabalho, constatamos os atravessamentos gerados pela violência da sociedade pautada em estigmas e preconceitos. A LGBTfobia ainda é um dos principais fatores de sofrimento mental, angústia, abandono, interrupção da escolarização, dificuldade de inserção no mercado de trabalho dentre outros. Com suas diferentes atuações e compromissos, o Pela Vidda é história e solo fértil para a promoção e constante questionamento e revitalização de nossas Políticas Públicas voltadas à população LGBTQIAP+ em situação de vulnerabilidade social.”

Prof. Dr. José Agnaldo Gomes, professor do Curso de Psicologia da PUC-SP

“O Grupo Pela Vidda e o curso de Psicologia da PUC de São Paulo mantêm uma parceria há anos, com ênfase no cuidado às usuárias e usuários que frequentam as oficinas profissionalizantes. Essa colaboração abrange aspectos de cuidado com a saúde mental, incluindo experiências de convivência comunitária. O estágio oferece também uma relevância política no processo de formação dos estagiários, ao colocá-los em contato com a realidade desigual do Brasil, marcada por atravessamentos raciais e preconceitos dirigidos a determinados grupos. Dessa forma, essa parceria profícua aponta para as transformações necessárias rumo a uma sociedade mais justa e com qualidade de vida digna para todas e todos.”

Professoras Doutoras Paula Regina Peron e Teresa Cristina Endo, do Curso de Psicologia da PUC/SP e psicanalistas

“Como representantes da Universidade, firmaram convênio com o Pela Vidda/CRD em 2017 e vêm supervisionando alunes desde então. Em suas palavras, o CRD se configura como um espaço de múltiplas potencialidades para o trabalho da Psicologia, dada a extensão da atuação do CRD e a vasta população com a qual trabalha. ‘Realizamos atendimentos psicoterápicos dos usuários, apoiando e frequentando as várias oficinas oferecidas, além de promover trocas com a equipe do equipamento. Nossa inserção possibilita um importante espaço de formação para nosses alunes, que constroem conosco, como supervisoras do trabalho, as práticas que ali ofertamos.'”

Rafael Pires Barbosa, psicólogo, Doutorando em Educação e Professor Universitário na Universidade Nove de Julho

“Meu trabalho como professor supervisor dos estagiários de psicologia da Universidade Nove de Julho no CRD consiste em orientar os alunos no acolhimento psicológico do público. Enquanto a psicoterapia é um atendimento mais formal, com frequência semanal e horário marcado, o acolhimento psicológico é um atendimento espontâneo. Oriento os estagiários a se manterem disponíveis para escutar durante o período em que estão no serviço. Além disso, elaboro junto com os estagiários propostas de rodas de conversa com temáticas relacionadas ao cotidiano da comunidade LGBT+. Essas rodas são realizadas quinzenalmente, e oriento os estagiários a escolherem um material que sirva como desencadeador da conversa e dos compartilhamentos dos usuários. Esse material pode ser um texto, uma música, ou um vídeo curto (aproximadamente 5 minutos), sempre relacionado à comunidade LGBT+.”

Allan Bastos – Agente de prevenção e orientador sócio-educativo

“Descobri minha sorologia em 2007, há 17 anos, em uma época em que o preconceito ainda era muito grande e só se falava em aids. Vi muitas pessoas morrendo e muitas sem esperança, inclusive eu. Quando descobri a sorologia, costumo dizer que Allan renasceu naquela época. Após uma tentativa de suicídio, me vi renascendo como uma fênix, com uma vontade de ajudar e fazer a diferença pelas pessoas, algo que chamamos de compaixão pelo próximo. O que antes era oculto e escondido, agora trago como conhecimento e vida, pois acredito que informação e conhecimento salvam. Um menino preto, nascido na cidade de Mauá (ABC Paulista), uma cidade distante do centro e ainda conservadora na época, me vi sozinho e perdido. Quando encontrei o Grupo Pela Vidda/SP, fui acolhido, orientado e recebi todo o suporte de que precisava naquele momento. Alguns anos depois, me tornei voluntário e logo em seguida colaborador, o que me deu a oportunidade de ajudar, orientar e realizar tudo aquilo que aprendi quando precisei. Hoje, me sinto feliz e honrado por fazer parte desse grupo, que busca atender, orientar e dar dignidade às pessoas vivendo com HIV/aids, para que tenham uma vida longa e cheia de realizações. O Grupo Pela Vidda me fez enxergar que sou capaz de muito mais do que imaginava, e é por isso que comemoramos 35 anos de luta, resistência e conquistas! Obrigado, Grupo Pela Vidda, por me permitir fazer parte desse lugar que nos traz à tona o verdadeiro sentido da vida. Viva a vida!”

Sandra Costa – Coordenadora de Projetos

“35 anos de resgate aos verdadeiros valores da vida. Em seu trabalho incessante e relevante, sou grata por fazer parte da história do Grupo Pela Vidda, o que me torna, dia a dia, uma pessoa mais solidária e motivada a atingir meus objetivos de vida.”

Vanderlei Gomes

“Hoje é uma data especial, um dia para celebrar o aniversário de uma organização que sempre se preocupa com o próximo, promovendo ação e cidadania para pessoas vivendo com HIV/aids. Desejo, do fundo do meu coração, um dia maravilhoso de amor, paz e saúde a todos! Feliz aniversário!”

Assista na íntegra o depoimento da presidenta do Grupo Pela Vidda São Paulo, Thais Azevedo:

Redação da Agência de Noticias da Aids

Dica de entrevista

Grupo Pela Vidda São Paulo

Tel: (11) 3259-2149

Fotos: Osmar Bustos